‘Peidei, mas não fui eu’. Este observador pede desculpas pela má expressão, mas não há nada mais apropriado do que está frase, popularizada pelo cantor Lobão, para o texto reproduzido ao final desta nota, originalmente publicado na edição de domingo (28/6) da Folha de S. Paulo. Sim, pois foi a segunda vez que o jornal voltou ao assunto para se explicar, produzindo mais um clássico da arte de embromar os leitores. A história é simples. A Folha publicou uma ‘ficha policial’ da ministra Dilma Rousseff, grosseiramente falsificada, e não consegue admitir que errou.
Na primeira retificação, o jornal da Barão de Limeira mandou brasa e escreveu que não era possível provar a autenticidade da ficha (leia-se: publicamos uma mentira sem checar). Agora, saiu o laudo encomendado pela ministra e, sim, a tal ficha é mesmo falsa.
A Folha, porém, não se deu por vencida e decidiu continuar enrolando seus leitores: não conseguiu admitir com todas as letras que publicou uma cascata e tentou salvar a sua pele. Mas a emenda saiu pior que o soneto, conforme os leitores deste Observatório podem constatar a seguir:
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Dilma contrata laudos que negam autenticidade de ficha
Copyright Folha de S. Paulo, 28/06/09
Imagem ilustrava reportagem da Folha; peritos não se basearam no jornal impresso; Professores compararam imagens reproduzidas pela internet com papéis do Arquivo Público; Folha reconheceu que ficha chegou por e-mail
Da Reportagem Local
A ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, encaminhou à Folha dois laudos técnicos, por ela custeados, que apontaram ‘manipulações tipográficas’ e ‘fabricação digital’ em uma ficha reproduzida pela Folha na edição do último dia 5 de abril.
A ficha contém dados e foto de Dilma e lista ações armadas feitas por organizações de esquerda nas quais a ministra militou nos anos 60. Dilma nega ter participado dessas ações. A imagem foi publicada pela Folha com a seguinte legenda: ‘Ficha de Dilma após ser presa com crimes atribuídos a ela, mas que ela não cometeu’.
O laudo produzido pelos professores do Instituto de Computação da Unicamp (Universidade de Campinas) Siome Klein Goldenstein e Anderson Rocha concluiu: ‘O objeto deste laudo foi digitalmente fabricado, assim como as demais imagens aqui consideradas. A foto foi recortada e colada de uma outra fonte, o texto foi posteriormente adicionado digitalmente e é improvável que qualquer objeto tenha sido escaneado no Arquivo Público de São Paulo antes das manipulações digitais’.
O laudo produzido pelo perito Antonio Nuno de Castro Santa Rosa da Finatec (Fundação de Empreendimentos Científicos e Tecnológicos), ligada à UnB (Universidade de Brasília), chega às mesmas conclusões.
A ministra anexou o laudo da Unicamp em carta ao ombudsman da Folha. ‘Diante da prova técnica da falsidade do documento, solicito providências no sentido de que seja prestada informação clara e precisa acerca da ‘ficha’ fraudulenta, nas mesmas condições editoriais de publicação da matéria por meio da qual ela foi amplamente divulgada, em 5 de abril de 2009′, escreveu Dilma.
Em reportagem publicada no dia 25 de abril, intitulada ‘Autenticidade de ficha de Dilma não é provada’, a Folha reconheceu ter cometido dois erros na reportagem original. O primeiro foi afirmar, na Primeira Página, que a origem da ficha era ‘o arquivo [do] Dops’. Na verdade, o jornal recebera a imagem por e-mail. O segundo foi tratar como verdadeira uma ficha cuja autenticidade não podia ser assegurada, bem como não podia ser descartada.
O jornal também publicou um Erramos com os mesmos esclarecimentos. A ministra se disse insatisfeita, questionou a nova reportagem e decidiu contratar um parecer técnico.
Para a análise, os professores descartaram a imagem da ficha reproduzida pela Folha em sua edição impressa. Captaram na internet cinco imagens ‘com conteúdo similar ao utilizado pelo jornal Folha de S.Paulo’. Dentre elas, escolheram como ‘objeto do laudo’ a imagem divulgada no blog do jornalista Luiz Carlos Azenha, que reproduz artigos que criticam o jornal e questionam a autenticidade da ficha.
Para os peritos, a imagem do blog era a que tinha ‘a maior riqueza de detalhes’. Goldenstein disse à Folha que ‘todas as imagens são de uma mesma família’ e que a qualidade da imagem publicada pelo jornal não é boa o suficiente para ‘análise nenhuma’.
Os professores compararam a imagem com documentos reais que supostamente teriam alguma semelhança (papel, caracteres) com a ficha questionada. Trata-se de cópias de fichas de presos pela ditadura, hoje abrigadas no Arquivo Público paulista. Escolheram as produzidas entre 1967 e 1969.
Contudo, no Erramos e na reportagem publicados no final de abril, a Folha havia explicado que a origem da ficha não era o Arquivo Público. A imagem não é datada -relaciona eventos ocorridos entre 1967 e 1969, mas pode ter sido produzida em data posterior.
Para concluir que a fotografia foi ‘recortada e colada’, os professores compararam a foto de Dilma com fotos que encontraram no mesmo arquivo. A ficha questionada não informa que a foto de Dilma foi obtida naquele arquivo.
Sobre a impressão digital contida na ficha, os peritos apontaram não ser possível nenhuma conclusão, devido à baixa qualidade da imagem.
Crimes negados
Ouvido pela Folha na última quinta-feira, Goldenstein disse que não leu o blog do jornalista em que captou a imagem analisada e tampouco a reportagem original da Folha. ‘Não estou criticando o que a Folha fez. Vou ser bem sincero, eu nem li a reportagem original da Folha. Não cabe a mim julgar absolutamente nada. Meu papel é analisar essas imagens digitais que estão circulando na internet. O que a ministra me pediu: ‘É possível verificar, é possível um laudo sobre a autenticidade/origem da imagem? É possível dizer se vieram ou não do Arquivo Público?’.’
Doutor em ciência da computação pela Universidade de Pennsylvania (EUA), ele diz que foi o primeiro laudo externo que produziu em sua carreira. A ficha questionada era uma das imagens que ilustrava a reportagem original cujo título foi: ‘Grupo de Dilma planejou sequestro de Delfim Netto’.
Na carta à Folha, Dilma escreveu: ‘Reitero que jamais fui investigada, denunciada ou processada pelos atos mencionados nesse documento falso e de procedência inidônea, ao qual não se pode emprestar nenhuma credibilidade’.
A Folha tem procurado checar a autenticidade da ficha. Foram contatados três peritos de larga experiência na análise de documentos e um especialista em imagens digitais.
Todos disseram que teriam dificuldades em emitir um laudo, pois necessitavam do original da ficha, que nunca esteve em poder da reportagem. Disseram que a análise de uma imagem contida num e-mail não seria suficiente para identificar uma eventual fraude.
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Blog do autor: Entrelinhas – Mídia e Política