Ronaldo Fenômeno, por três vezes o Maior Jogador do Mundo escolhido pela FIFA, maior artilheiro da história da Copa do Mundo, astro maior do Corinthians, campeão invicto, não participou da festa do título dentro de campo: quando o gramado foi invadido por dezenas e dezenas de pessoas armadas com microfones, preferiu ir para os vestiários. Já se cansou de levar microfonadas na cara.
Esta é uma cena bem brasileira: o ministro sai de uma reunião, é cercado na rua e tem de falar agachado, enquanto entra no carro. Não pode dar certo: no meio da gritaria, tomando empurrões e esquivando-se, muitas vezes sem êxito, dos microfones que tentam acertá-lo, Sua Excelência acaba falando coisas incorretas, impensadas – e inúteis como notícia, se bem que possam ser divertidas como fofoca. Mas não é fofoca que nós, jornalistas, estamos procurando (ou pelo menos não é o que deveríamos estar fazendo).
Voltemos a Ronaldo: em poucos minutos ele sairá do vestiário, de banho tomado, e poderá ir para uma sala totalmente equipada, com ar condicionado, saída para microfones, tomadas para todas as câmeras, onde dará sua entrevista. Voltemos ao ministro: talvez ele não queira dar uma entrevista formal e tenha de ser cercado, mas que é que vai dizer de importante daquele jeito?
Há muitos anos, quando o Corinthians passou muito tempo sem ganhar um título paulista, o presidente Wadih Helou deixava o campo após uma derrota decisiva, vaiado pela torcida após outro campeonato perdido, cercado por repórteres que queriam saber como ele se sentia. Um repórter se aproximou e desfechou: ‘Então, presidente, perdeu mais uma, né?’ Tomou um soco. O hoje deputado Wadih Helou estava errado, claro: uma das obrigações do dirigente é dar o exemplo. Mas quantos conseguiriam manter o cavalheirismo naquela situação?
O caso do deputado lixante
O deputado do PTB gaúcho Sérgio Moraes, aquele que não se importa com o que a imprensa publique a seu respeito, tem um currículo de dar medo: sofre oito processos no Supremo Tribunal Federal, é acusado de ‘atos infracionais contra crianças e adolescentes’, foi indiciado por envolvimento com casa de prostituição; e, como relator do caso do deputado Edmar Moreira (o do castelo) no Conselho de Ética, antecipou seu voto – o que pode impedi-lo de apresentar seu relatório.
Até aí, tudo bem; mas um jornalista não deve dizer ao entrevistado que acha uma pouca vergonha gente como ele ser eleita. O jornalista faz a entrevista para colher informações, não para dar sua opinião. Há alguns anos, a deputada Ivete Vargas, do PTB paulista, foi interpelada por um repórter que a acusava de contrariar a opinião pública. Ivete reagiu na hora: ‘Opinião pública? Eu represento 300 mil eleitores, 300 mil pessoas que votaram em mim. E você, quantos representa? Quantos votos você teve para falar em nome da opinião pública?’
O jornalista Luís Nassif entende o desabafo do deputado: a seu ver, Sérgio Moraes não se manifestou contra a opinião pública, ‘mas contra a manipulação da mídia e contra as ameaças que recebeu de uma repórter (…) É importante ouvir o seu discurso (disponibilizado pelo Estadão) e depois conferir os ataques que passou a sofrer. Se não for chantagem, se não foi pressão espúria, não sei que nome dar’.
Nassif está em guerra com a grande imprensa, e isso deve ser levado em conta na análise de sua opinião. Mas o que escreve merece ser pensado.
Contra a patrulha
Comentando a nota de Barbara Gancia, que se disse cansada das patrulhas e conta que chegou a pensar em desistir de seu blog, a boa jornalista Silvia Jafet, diretora de um braço do Grupo Bandeirantes, que trabalhou com este colunista na Rede Bandeirantes e na revista Visão, manda o seguinte bilhete:
‘Quanto ao excesso de patrulhamento, veio em ótima hora o desabafo da Barbara. Também cansei!
‘Mas vamos resistir, senão a turma das trevas e do autoritarismo acaba ganhando, de novo. Já tem gente falando em fechamento do Congresso para livrar o Brasil da enxurrada de escândalos e roubalheiras e permissividade. Não é questão de fechar o Congresso – é votar melhor da(s) próxima(s) vez(es) e expulsar para as profundezas do esquecimento os que não prestam! Vai me dizer que quando o Congresso estava amordaçado, era de fancaria, não havia a mesma coisa? Não quero viver novamente os anos de chumbo. Chega!’
A falta que ela nos faz
Aparentemente, a extinção da Lei de Imprensa deixou dois buracos importantes no ordenamento jurídico do país: o primeiro, a questão do direito de resposta (que, a propósito, não funcionava na lei extinta, mas também não vai funcionar sem a lei, já que a demora nas decisões definitivas faz com que a questão seja esquecida muito antes que a resposta seja dada); segundo, as indenizações, que agora ficam a critério exclusivo dos tribunais. Em carta a esta coluna, o professor Luís Milman, diretor do Movimento de Justiça e Direitos Humanos do Rio Grande do Sul, um dos mais atuantes do país, comenta a questão das indenizações, que podem colocar em risco a liberdade de imprensa:
‘Comemoro, a exemplo de ti, a revogação da Lei de Imprensa pelo STF. Espero que o mesmo ocorra com a exigência do diploma para exercício do jornalismo, outro entulho da ditadura. Quanto à Lei de Imprensa, só faço uma ressalva: ficamos sem lei que trate do tema das indenizações em casos de crime contra a honra. A Lei de Imprensa possuía um critério para estipular indenizações e como esse critério se foi ao mato, como dizemos aqui, estamos ao nuto da compreensão de cada juiz e tal fato implica ameaça real para o exercício da profissão. Indenizações milionárias podem ser impostas a jornalistas, pois não há parâmetro legal para balizar o assunto. Submetidos a deliberações distintas de juízes distintos, enfrentamos um ameaça real à profissão. A solução para sair desta terra de ninguém é a promulgação, pelo Congresso, de uma lei que regule o tema’.
Onde estamos?
A notícia mereceu algum destaque, mais por ser estranha do que por qualquer outro motivo: ‘Menino de 12 anos é preso pela 11ª vez ao furtar carro’. Saíram matérias bem completinhas: os pais explicam que não conseguem controlar o garoto, os vizinhos dizem que ele sempre aparece com carros na rua, o promotor da Vara de Infância e da Juventude assegura que a única saída é a internação. ‘Precisamos contê-lo. Ele vai continuar assim até alguém matá-lo.’ As onze prisões ocorreram num período de 18 meses – desde que ele tinha pouco mais de 10 anos.
Aí as reportagens começam a ratear. Não ocorreu perguntar ao promotor da Vara da Infância e da Juventude por que, se a saída é essa, não mandou internar o garoto. Ninguém foi entrevistar o delegado de plantão que, depois de receber o menino em seu distrito policial, devolveu-o na mesma noite à mãe, em vez de levá-lo ao CASA, órgão que substituiu a Febem, porque o Fórum já estava fechado. Ninguém, de nenhum meio de comunicação, foi perguntar às autoridades responsáveis pela infância e adolescência como é que se resolve o problema das internações, já que o Fórum fecha à noite e é à noite que ocorre a maior parte das infrações.
Será que aguardam o garoto ser morto e a questão se resolver sozinha?
Não é verdade. E daí?
Não é só no Brasil que a imprensa enfrenta problemas. Este aconteceu na Irlanda: um estudante colocou na Wikipedia, em inglês, uma frase que inventou e atribuiu ao compositor Maurice Jarre, ganhador de três Oscars, compositor, entre outras músicas de sucesso, do ‘Tema de Lara’, trilha sonora de Dr. Jivago. Seu objetivo era mostrar o perigo de não checar as informações divulgadas na internet.
Bingo: muitos jornais, ao dar a notícia da morte de Jarre, citaram a frase ‘quando eu morrer, haverá uma valsa de despedida tocando em minha cabeça, que só eu poderei ouvir’, inventada pelo estudante.
Internet tem dessas coisas. Este colunista já cansou de, nos últimos dois anos, receber a informação de que Alexandre Garcia foi demitido da Rede Globo por divulgar notícias contrárias à linha editorial da empresa. O fato de Alexandre Garcia continuar trabalhando normalmente na Rede Globo não inibe em nada a circulação das falsas informações de que foi demitido.
Alencar Massena, lembra?
Os meios de comunicação brasileiros não divulgaram a frase falsa de Maurice Jarre (ou, ao menos, este colunista não a viu). Mas já publicaram a historia do boimate, o cruzamento de vacas com tomates que faria com que o hambúrguer já viesse com molho; divulgaram a bomba étnica, que Israel teria desenvolvido e que seria capaz de, ao explodir, matar apenas palestinos, poupando os israelenses; falaram sobre a Brigada de Ratos Paraquedistas, que nos tempos de Saddam Hussein estariam sendo lançados no Iraque para destruir as plantações, e que não apenas sabiam livrar-se dos paraquedas, ao chegar ao solo, como conheciam as fronteiras e jamais as atravessavam, mantendo assim ilesos os países vizinhos.
Uma das melhores histórias foi a do professor Alencar Massena, que escrevia eruditos artigos sobre economia e os publicava em jornais importantes do país. Um dia, descobriu-se que o cavalheiro não era professor, não ensinava nas escolas que citava, não tinha qualquer formação em economia. Ficou por isso mesmo.
Ler e pensar
A opinião é de Gay Talese, um dos grandes jornalistas americanos (e autor do monumental O Reino e o Poder, uma história do The New York Times), numa bela entrevista a O Estado de S.Paulo:
‘Os jornalistas são hoje mais bem preparados que os de minha geração. Mas há o lado negativo. Há uma nova intimidade entre o mundo do governo, o mundo corporativo e o poder da imprensa. Acho que os jornais, principalmente o The New York Times, cobrem governo demais e não o país que não vive perto do governo’ [ver a íntegra aqui].
Como é…
De um jornal paulista:
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‘Menino morre afogado em piscina da Prefeitura. Suspeita-se de parada cardíaca’Pois é. Todos que morrem afogados sofrem parada cardíaca – aliás, todos que morrem.
… mesmo?
De uma reportagem sobre o uso de um trailer como loja e sua dona:
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‘…ela investiu no negócio todas as suas economias…’Talvez o fato de pertencer à família de alguns dos maiores banqueiros do Brasil tenha amenizado os sacrifícios que a jovem teve de fazer para estabelecer-se.
O grande título
Há uma manchete caprichada, no noticiário online de um grande jornal, que oscila entre não caber no espaço e um leve toque de malícia:
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‘PMDB pede vaga no núcleo duro do Planal’E duas para iniciados:
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‘Ciclista de apoio sai das sombras e lidera grupo’**
‘`Vinho de cobra´ é interceptado em correspondência nos EUA’Deve haver algumas pessoas capazes de entendê-los.
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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados