O banqueiro Daniel Dantas deu um passeio na CPI. Os nobres parlamentares, tão bravos quando enfrentam testemunhas pobres, se comportaram maravilhosamente: todo mundo falando baixo, com educação; só não usaram português correto porque aí já seria pedir demais. Mas deixaram claro que, quando estão diante de gente de dinheiro, Suas Excelências têm postura muito mais amena.
O problema é que os jornalistas também estavam bonzinhos. Apesar de tudo, Daniel Dantas sofreu para responder a algumas perguntas. Quando lhe perguntaram, por exemplo, sobre um representante que mantém na Codesp (empresa que administra o Porto de Santos), tentou desconversar e mudar o assunto para outra firma que controla, a Santos-Brasil, e depois, reinquirido, prometeu levantar as informações e encaminhá-las à CPI, algum dias destes. Talvez seja uma lamentável falha de leitura, mas este colunista não encontrou em nenhum órgão de comunicação qualquer registro deste contratempo no interrogatório do banqueiro.
Não foi só em seu depoimento na CPI que Dantas foi muitíssimo bem tratado pela maioria da imprensa. Em suas disputas com sócios, os jornais dão, como provas de que o governo o pressionava, mensagens escritas pelo próprio Daniel Dantas, nas quais relatava a amigos os problemas que dizia enfrentar. Ora, em nossas mensagens a gente escreve o que quiser – pode dizer, por exemplo, que vai almoçar com um marciano fanho e gripado no restaurante do Buani.
É bom ser banqueiro. Pode-se ter até uma parte (pequena) da imprensa contra si, mas na maioria das vezes se é muito bem tratado!
Ato falho
O senador Amir Lando, comentando o habeas-corpus pedido por Daniel Dantas antes de seu depoimento, disse que, sob sua presidência, Daniel Dantas jamais seria preso. Depois tentou corrigir, dizendo que ninguém seria preso, porque ele é democrático e a CPI não é um tribunal de inquisição.
Pode ser; mas este colunista assistiu vários depoimentos nos quais os inquisidores iniciavam as perguntas chamando os depoentes de criminosos. No caso de Dantas, a propósito, sempre que algum parlamentar se referiu a algum ato menos nobre de sua parte, o presidente mandou tirar a frase das notas taquigráficas.
Respeito
Ninguém é obrigado a conhecer outras línguas (e um bom exemplo é nosso presidente Lula, que só fala o português; e antes dele o presidente Itamar Franco). Mas há repórteres na cobertura das CPIs que não se conformam com isso. Este colunista concorda que ouvir Ideli Salvatti é difícil: ela grita muito, tem voz esganiçada, dói nos ouvidos. Mas é uma parlamentar e tem de ser ouvida com respeito. Ficar dando risadinhas quando ela diz coisas como ‘rárdi-dísqui’ – sua pronúncia para hard-disk – e comentar seu sotaque catarinense em vez de ouvir o que ela tem a dizer é inconveniente e, com certeza, prejudicial à cobertura.
Contubérnio
Um dos sonhos deste colunista era, um dia, usar a palavra que está no título. E que é que significa? Vamos fugir da definição de dicionário: contubérnio é aquilo que está acontecendo entre boa parte da imprensa brasileira e o poder constituído. Se algum representante do poder fala, o jornalista acredita – e nossa função, recordemo-nos, é desconfiar permanentemente de quem exerce o poder.
O exemplo mais próximo é da garrafa de champanhe francesa encontrada na sala ao lado da cela de Flávio e Paulo Maluf, na Polícia Federal. A história era estranha desde o início: Maluf, apreciador de vinhos, só tomaria champanhe que ficou mal acondicionada se isso lhe trouxesse votos – o que não era o caso. E não tomaria champanhe nos inadequados copos da Polícia Federal nem que isso lhe trouxesse votos. No entanto, a imprensa publicou sem reclamar: claro, era informação de delegado, ou de promotor, de algum representante do poder.
No dia seguinte, a correção: não era champanhe, era água mineral. Como é difícil acreditar que alguém cometa a confusão, pode-se indagar por que foi passada uma informação falsa à imprensa (no entanto, a imprensa não fez essa indagação). Pode-se também lembrar aquela antiga piada: qual a diferença entre um vasilha e um penico? Diante da resposta negativa, vinha o comentário: ‘Puxa, que confusão devem fazer na sua casa!’
A força do poder
O exemplo acima não é o único. No caso da Escola Base, a imprensa vem sendo condenada (corretamente, a propósito) a indenizar as vítimas de um noticiário francamente distorcido; mas suas fontes de informação, delegados, promotores, esse povo todo, finge que não é com eles. Houve outro caso emblemático: um empresário hospedou uma adolescente em sua casa. A adolescente descobriu uma câmera de TV no banheiro e chamou a polícia. A polícia fez o escândalo costumeiro: o delegado (de nome, a propósito, engraçadíssimo) deu entrevistas fazendo pesadas acusações ao dono da casa, apresentando-o como devasso contumaz, revelou que lá havia uma coleção de filmes pornográficos, que encontrara fotos do empresário e de sua namorada, nus. A imprensa foi atrás, firme: se o seu delegado falou, é verdade. E tome cacete no bandalho.
Acontece que:
1.
O empresário morava em Paris havia seis meses e, portanto, não havia qualquer tipo de voyeurismo. A câmera existia, mas estava desligada (era do tempo em que o filho era pequeno e o monitoravam o tempo todo, coitado);2.
Os filmes pornográficos não apenas existiam como tinham sido comprados legalmente, no mercado;3.
As fotos existiam, mas tinham sido tiradas com o consentimento de ambos.O empresário não quis processar ninguém. O caso desapareceu da imprensa de um dia para outro. E o delegado acusador sumiu também. Não era com ele.
Delícias
1.
Esta é de um release: a empresa diz que se dedica a serviços particulares e ‘púbicos’.2.
Saiu num grande jornal: Ryan Gracie, peso-leve de jiu-jitsu, de tradicional família de lutadores, ‘teria’ dado uma cabeçada no rosto de um policial e ‘teria’ agredido outros policiais após ser preso. Gente, um lutador como Gracie não ‘teria’ nada: se deu uma cabeçada no rosto de um policial e agrediu outros, as marcas serão evidentes. Se não houver marcas, não houve agressão. É simples assim.3.
O blog do jornalista gaúcho Jayme Copstein traz uma engraçada comparação entre São Severino do Ramo, tal como citado no livro dos santos da Igreja Católica, e São Severino do Ramo da Esbórnia. Vale a pena. E, já que vai mesmo entrar no blog, aproveite e leia o cacete no deputado federal Jair Bolsonaro (PP-RJ), que jamais se preocupou muito com o decoro parlamentar e com quem ninguém, nem a imprensa, mexe.O bar do Elias
A expressão ‘acabar em pizza’ nasceu no estádio do Palmeiras, no Parque Antarctica. Lá havia grandes brigas de alas políticas internas, com gente rasgando a carteirinha e tudo. Mas, no fim, tudo se acertava e as várias alas discutiam a paz enquanto dividiam algumas pizzas (já seria, na época, o Bar do Elias?)
Tudo muito bom, tudo muito bem. Mas não está na hora de a imprensa encontrar outra expressão que não seja esta? O ‘acabar em pizza’, o ‘cheiro de orégano’, ‘a mussarela está derretendo’ são expressões que já cansaram. Alô, amigos: botem a criatividade em ação!
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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados