A relevância jornalística e a inevitável polarização política do programa Roda Vida de segunda-feira (27/2), quando o entrevistado foi o professor Bruno Daniel, irmão do prefeito petista de Santo André assassinado há dez anos, Celso Daniel, levou os entrevistadores a questionar agressivamente o homem que estava no centro do cenário.
Se não o fizessem, seriam acusados de estar a serviço do PSDB, instalado no governo que destina verbas à TV Cultura e nomeia seus dirigentes. Aliás, foram acusados disso pelo simples fato de terem convidado Bruno Daniel. Às 19h42 de segunda-feira — portanto duas horas e dezoito minutos antes do início do programa —, o ex-deputado federal e ex-vice-prefeito de São Paulo Luiz Eduardo Greenhalgh tuitou: “PSDB transformando TV Cultura, patrimônio de São Paulo, em palanque político e arma de campanha suja contra o PT”.
As pressões, petistas ou tucanas, haviam começado no dia 22, quando o primeiro “post” sobre o tema foi escrito. E após o programa houve quem perguntasse, no miniblogue, se o apresentador do programa, Mário Sérgio Conti, havia recebido dinheiro para ser “advogado do PT”.
Esse é um dos riscos do trabalho jornalístico com material altamente inflamável. Nenhum dos presentes, por exemplo, mencionou o caso análogo do então prefeito Toninho do PT, assassinado em Campinas quatro meses antes do sequestro e morte de Celso Daniel, por motivos que, segundo a família de Toninho, seriam análogos aos que os irmãos de Celso Daniel apontam como causa de sua eliminação: corrupção para fazer caixa dois.
Perguntas falhas e fios soltos
Houve perguntas falhas e fios que ficaram soltos, como quando Bruno Daniel, logo no início, afirmou que havia um esquema de corrupção montado em Santo André para caixa dois do PT “e de outros partidos” – ninguém perguntou: “Que partidos?” Também não foi relembrado que o posto de Celso Daniel na campanha de Lula para a presidência veio a ser ocupado pelo ex-prefeito de Ribeirão Preto Antônio Palocci.
Foi um programa feito no fio da navalha. Deixou no ar muita coisa que poderá ser objeto de reportagens e artigos nos próximos dias. Mas valeu a pena. Antes de tudo, porque deu voz ao chefe da única família brasileira que pediu asilo político sob a Constituição de 1988. Além disso, porque Bruno Daniel manteve a calma sob o tiroteio e abordou pontos importantes:
1. As ações de Gilberto Carvalho para “defender o tempo inteiro a tese de crime comum” não teriam sido iniciativas isoladas: “Tudo isso foi muito bem discutido e articulado por um conjunto de lideranças do partido e de fora do partido”;
2. Quando lhe perguntaram por que Gilberto Carvalho teria confidenciado a ele e seu irmão João Francisco que ele mesmo, Carvalho, entregava a José Dirceu dinheiro arrecadado via Prefeitura de Santo André, Bruno afirmou que esse gesto destinava-se a fazer a família desistir de buscar esclarecimentos, à vista do fato de que Celso Daniel estava envolvido numa atividade criminosa. Isso permite a leitura de que as máquinas irregulares ou criminosas criam uma dinâmica própria que afeta em cascata as relações políticas e humanas;
3. “Tanto o Ministério Público quanto a família consideram que Celso era visceralmente contrário à utilização desses recursos para enriquecimento pessoal”. Essa atitude corresponde à ideia – hoje aparentemente superada – de que roubar para o partido é pecado venial, mas roubar para enriquecimento pessoal é pecado mortal, ou “crime de sangue”, como alguns gostavam antigamente de dizer, sem saber que a metáfora se transformaria na própria realidade;
4. Todos os partidos se igualam no interesse em manter submersos os esquemas de arrecadação de recursos. A Polícia Civil de São Paulo, submetida a um governo do PSDB, teria concluído tratar-se de crime comum, em processo com muitas falhas, segundo Bruno Daniel, porque aos tucanos não interessaria a investigação da hipótese de crime encomendado;
5. Tudo isso configura uma institucionalidade muito ruim no país.