‘Recentemente proferi um breve discurso, que foi em parte reproduzido pelos jornais e que motivou uma onda de análises e interpretações por parte de renomados jornalistas.
A primeira crítica diz respeito à abordagem do que chamei de agenda positiva. A frase que disse no encontro com representantes da Federação Nacional dos Jornalistas e profissionais do Comitê de Imprensa foi a seguinte: ‘Um critério importante é o critério da agenda positiva. O povo brasileiro tem necessidade de saber aqueles empreendimentos positivos que a sociedade está oferecendo, seja por conta de décadas e décadas de dificuldades com que este país vem operando, seja porque o cidadão precisa ver um lado positivo das coisas. Este país está cheio de coisas boas’.
As críticas disparadas apontaram uma suposta intenção minha de exigir da imprensa a ‘publicização’ das boas ações do governo, o que não corresponde à verdade. Portanto considerei apressada a forma como o assunto foi tratado por jornalistas experientes, principalmente quando inferiram de minhas palavras um viés autoritário, tentativa de cooptação ou presunção de ensinar o ofício. Minhas observações sobre agenda positiva -que não se confunde com ações de governo- não se baseiam na crença de um mundo cor de rosa, mas são fruto da percepção de que o espelho da mídia precisa incluir o cotidiano de um povo que é, ao mesmo tempo, portador de necessidades e protagonista de situações nas quais demonstra espírito empreendedor e solidário. Um país que não se conhece desperdiça seu capital humano e social.
É possível pôr em destaque personagens anônimos envolvidos em projetos e ações que revelam profundos laços comunitários e admiráveis doses de paciência e garra pessoais. Acredito que haja maneiras de olhar para o cotidiano a partir da inventividade na resolução de problemas e dos compromissos solidários do povo. É positivo perceber o retrato de um país que, apesar do crônico quadro de exclusão e sofrimento, vê germinar, nas suas entranhas, o sentimento de auto-estima de seu povo.
A segunda crítica incidiu sobre a seguinte frase: ‘Eu penso que a exploração do contraditório, muitas vezes, pode fomentar discórdia, conflitos de egos, quando, na verdade, são apenas disputas de idéias, normais no processo de debate’. O princípio do contraditório, a meu ver, constitui método intrínseco aos debates, envolvendo interesses individuais ou coletivos, explicitados ou dissimulados, legítimos ou não. A questão é saber como esse princípio se aplica em atividades coletivas dentro do Estado, quando o propósito é chegar a um consenso, ou a uma opinião de maioria sobre determinada situação, ou ainda à escolha da ação mais sábia.
Na aplicação do princípio do contraditório, duas faces podem ser reveladas pelos protagonistas: conflito de egos ou simples confronto de opiniões. Essa aparente nuance, que para alguns é uma sutileza secundária, em minha modesta visão é a questão de fundo em um processo dialógico. O que está em questão é a maneira como devem ser encaradas as duas formas de estabelecer o contraditório. Das duas, qual tipologia de debate melhor oferece a centelha de verdade ou a luz? Certamente não é a contradição inspirada na exacerbação de egos.
Se é verdade que em quase todos os assuntos os debates e consultas são inerentes, igualmente relevante é identificar o padrão de busca da verdade que emerge desse processo. Um padrão adequado requer um processo consultivo, no qual os participantes se empenhem por transcender seus pontos de vista individuais, a fim de funcionarem como membros de um corpo com interesses e objetivos comuns. Em tal ambiente a resultante é conquista do grupo, e não do indivíduo, e, sob tais condições, decisões anteriores podem ser revistas ou corrigidas sem melindres. O que aqui está sendo dito é o reconhecimento da eficácia de um método que muitas organizações sociais e empresariais utilizam plenamente. Tal método, como princípio organizador, é vital para o sucesso do esforço coletivo e estratégico de uma sociedade.
Nenhum princípio de autoridade efetiva é tão importante quanto dar prioridade à construção e manutenção da unidade entre os membros de uma sociedade e os membros de instituições administrativas. Não é tarefa simples para as organizações traduzir e tornar clara a dinâmica desse processo em que elementos contraditórios não constituem desagregação ou falta de unidade.
A tarefa diária dos homens públicos é servir ao povo. Esse dever implica ter um espírito desprovido de ambições próprias ou interesses menores. Trata-se de estabelecer valores nos quais os comportamentos individuais sejam confrontados diuturnamente pela ética do interesse público. Aliás esses confrontos estão na raiz da saudável e permanente tensão entre imprensa e governo -tensão que revela o espírito democrático de uma sociedade.
Nesse sentido, penso que a interlocução com a imprensa e o papel de mediador do jornalista levam para dentro do Estado um grau saudável de cobranças, quando a ótica da notícia está integralmente alicerçada na informação entendida como um serviço público. Por sua vez, a consolidação de princípios republicanos exige do Estado o dever de informar e o respeito ao direito à informação dos cidadãos. Essa é uma premissa cristalina e dela decorre que o padrão de relacionamento Estado/imprensa deve ser encarado, mutuamente, com tolerância, responsabilidade e liberdade.
Outra observação que fiz, na mesma ocasião do discurso, apontava para o conceito da informação ‘jornalisticamente trabalhada’. Acredito ser esta a maior contribuição da imprensa a um país no qual grande parte do povo não tem acesso ao consumo de bens informativos produzidos a partir das técnicas e da ética do jornalismo. Isso diz respeito, principalmente, à capacidade de dar informações para que a cidadania seja exercida e à insubstituível ação civilizatória do jornalista ao dar voz aos que vivem em silêncio, ao interpretar fatos complexos dentro do repertório comum das pessoas.
Em resumo, como um dos problemas da mídia é conciliar velocidade com exatidão, a responsabilidade dos agentes públicos de prestar informações requer compreensão dessa natureza imperfeita. A lição é continuar a trabalhar, pacientemente e com firmeza, para que o Estado possa estabelecer padrões de comunicação com a imprensa capazes de fortalecer a ética do interesse público como o principal critério de relevância. Luiz Gushiken, 53, é ministro da Secretaria de Comunicação de Governo e Gestão Estratégica.’
Ricardo Kotscho
‘Kotscho responde o que é notícia’, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 15/04/04
‘Em sua última coluna (‘Pense, amigo: o que é mesmo notícia?’), o velho e bom amigo e profissional Milton Coelho da Graça, com quem nunca tive a oportunidade de trabalhar, mas me lembro que foi chefe do meu irmão Ronaldo na antiga revista ‘Placar’, faz-me um convite para responder à pergunta: ‘o que é notícia para o governo?’.
Caro Milton, caros leitores: acho que não se trata de perguntar o que é notícia para o governo, para a oposição, para as igrejas ou para as entidades de benemerência, mas o que é notícia para o ouvinte, o telespectador, o leitor, quer dizer, o cidadão que paga nosso salário.
Não saberia dizer o que é notícia para o governo, já que, como jornalista, não vejo diferença entre trabalhar na iniciativa privada ou no serviço público. O nosso público-alvo, o objetivo final do nosso trabalho é o mesmo: informar corretamente a sociedade sobre o que está acontecendo.
Como o jornalismo não é uma ciência exata e não há fórmulas mágicas vendidas em manuais de redação, o que move um profissional em qualquer mídia ou função é a sua ética pessoal na busca da verdade. O que quer dizer isso? É simples: basta ser honesto com o que você faz e com os que recebem a informação que você produz.
Nunca gostei de rótulos, essa coisa de jornalismo investigativo, jornalismo público, matéria humana, científica ou mineral, interpretativa ou qualquer coisa do gênero. Isso é coisa para acadêmicos, não para repórteres.
Nos tempos em que ainda tinha tempo para fazer palestras sobre o nosso trabalho em faculdades e sindicatos, sempre dizia que para mim só existem dois tipos de matéria jornalística: a boa e a ruim.
A boa é aquela em que o repórter vai atrás de um determinado fato, lugar ou personagem, pesquisa antes e depois levanta a história toda, ouve o maior número possível de pessoas envolvidas com o assunto, apura tudo – e não só anota declarações no bloquinho, mas também apura com os olhos, os ouvidos e o coração -, volta para a redação e conta o que descobriu de novidade.
Matéria ruim é quando o repórter parte de uma posição preconcebida ou preconceituosa, já sai da redação com sua tese pronta e vai atrás de algumas aspas, geralmente em off, e futricas em geral, hoje chamadas de ‘bastidores’, para justificar o título que o editor lhe encomendou.
Bom repórter não briga com os fatos, não maltrata a notícia.
É a primeira vez que trabalho em governo, faz um ano e pouco. O que procuro fazer aqui é fornecer informações corretas, bem apuradas, sobre as atividades da Presidência da República, que sejam de interesse público.
Para isso, conto com a ajuda de meia dúzia de jornalistas, que trabalham como em qualquer outra redação, municiando o site da Secretaria de Imprensa e Divulgação (www.info.planalto.gov.br), que está à disposição não só dos jornalistas, mas de qualquer cidadão.
Além disso, procuro esclarecer dúvidas da mais de meia centena de jornalistas credenciados no comitê de imprensa, que fazem o trabalho diário de cobertura das atividades no Palácio do Planalto para veículos de todo o país.
Embora trabalhemos de lados opostos do balcão, a relação é franca e, na maior parte das vezes, bastante cordial. De vez em quando, o presidente Lula zoa comigo, dizendo que defendo mais a imprensa do que o governo, que sou mais assessor da imprensa do que assessor de imprensa do governo.
Mas, no que realmente interessa, as relações imprensa-governo, pensamos exatamente do mesmo jeito. No último dia 10, Dia do Jornalista, quando o presidente Lula recebeu no Palácio do Planalto a direção da Fenaj, os presidentes dos sindicatos estaduais e os setoristas credenciados – um encontro, aliás, inédito – em sua fala ele resumiu bem como deve ser o nosso trabalho nesta área.
São palavras do presidente: ‘Vamos tentar, a partir desta convivência, estreitar, no que for possível, a relação do Estado com os meios de comunicação, com os profissionais de imprensa, para que haja uma relação leal. Quando eu digo leal, quero dizer que em nenhum momento o governo deve pedir para um jornalista falar bem dele. E, em nenhum momento, um jornalista deve falar mal, simplesmente porque quer falar mal. Ou seja, se nós todos estivermos em busca da verdade e apenas a verdade nos interessar, todos seremos mais amigos, todos viveremos num país mais tranqüilo e todos nós estaremos contribuindo para que a democracia seja definitivamente verdadeira no nosso país’.
Claro que nesta minha atual função tenho limites profissionais e éticos, assim como os tive em todas as redações por onde passei nos últimos 40 anos. Ao contrário do que muitos pensam, jornalista não pode tudo; assessor de imprensa, também não. (*) Secretário de Imprensa e Divulgação da Presidência da República’
Guilherme Fiuza
‘Um brinde ao Gushiken’, copyright No Mínimo (http://nominimo.ibest.com.br), 14/04/04
‘Muita gente boa andou se escandalizando com as declarações do secretário de Comunicação de Lula, Luiz Gushiken, sobre como a imprensa deve tratar o governo. Mas o que Gushiken disse é exatamente aquilo que os brasileiros precisavam ouvir: deixem o governo pra lá e vão cuidar de suas vidas.
A intenção do secretário, evidentemente, era outra. Ele quis sugerir que tipo de notícia os meios de comunicação devem dar sobre o poder central. Como ninguém tem saudade do tempo em que autoridades pautavam a imprensa, aquilo soou como um disparate. Mas o companheiro Gushiken acabou acertando no que não viu. Ao propor que o noticiário se ocupe menos das idiossincrasias do governo, ele deu a deixa, sem querer, para que o país faça o que já deveria ter feito há tempos: desintoxicar-se da figura onipresente do presidente da República (seja ele quem for).
O próprio Lula acaba de descobrir que não pode fazer milagres, e já comunicou isso ao povo. O passo seguinte é o Brasil compreender que o governo não tem tanta importância quanto a que se atribui a ele. Explode a guerra na Rocinha e lá vai o ministro da Justiça para as manchetes. O que ele vai fazer lá? O mesmo que faz quando um casal de jovens é assassinado em São Paulo, ou quando há um motim sanguinário em Bangu I: nada. Com expressão condoída, diz que aquilo é um absurdo, definitivamente intolerável. Capricha nos adjetivos indignados, dá um pitaco sobre legislação, outro sobre as funções das Forças Armadas, promete uma sobra daquela verba do ano passado e sai de fininho – até porque o governo, de quem tudo se espera, não tem um mero plano de segurança pública.
Mas o noticiário avassalador sobre a guerra da Rocinha tem uma grande utilidade. Ele espreme e quase expulsa das páginas e telas a novela do Planalto Central, sem que ninguém sinta muita falta dela. Cadê o Copom? Baixou os juros em meio ponto percentual, ou 0,25? E o que a Fiesp achou disso? E o Meirelles, tranqüilizou o mercado? Não, enquanto as balas traçantes do tráfico estiverem iluminando o céu da Zona Sul do Rio, os soluços do Copom estarão banidos das manchetes. E também sumirá das primeiras páginas aquele cargo que o PMDB está querendo no terceiro escalão, a reforma política que não vai acontecer, a reforma tributária de mentira, e todos esses temas que, agora se sabe, cansam a beleza do secretário Gushiken.
Pois que Lula, Fernando Henrique, Sarney e companhia saibam: esses assuntos cansam muito mais a beleza do resto de Brasil que fica em volta da ilha da fantasia. Dizem os liberais que o Estado brasileiro é um dinossauro, mas a sombra dele na pauta da opinião pública é muito superior ao seu tamanho. O espaço que o governo ocupa no noticiário nacional só encontra paralelo nos regimes totalitários. O país pratica, por assim dizer, um presidencialismo compulsivo. O governo anuncia, o governo desmente, o governo comemora, o governo lamenta, o governo pressente, o governo sofre.
Acima de tudo, o governo ilude: pelo simples fato de que jamais poderá corresponder à expectativa que se projeta nele. A decepção com Lula era questão de tempo, e seria diretamente proporcional – como foi falado aqui em outubro de 2002 – ao grau de mitificação da sua figura na eleição. Talvez seja esta a oportunidade valiosa de se descobrir que o Palácio do Planalto não é o centro do universo. Que pode valer mais a pena ao país, em muitos casos, saber o que pensa uma Zilda Arns, do que buscar uma declaração de um Jacques Wagner, só por ser ministro de um Conselho de proveta. A autoridade nem sempre é governamental, o poder nem sempre é estatal.
No caso da guerra da Rocinha, chega a ser patético uma cidade, um país, debruçados sobre o pobre Márcio Thomaz Bastos, esperando que o ministro saque sua bússola e diga de sua cadeira em Brasília que direção todos devem seguir. Seria o momento perfeito para a aplicação do efeito Gushiken: deixar o governocentrismo de lado e averiguar, a curto e médio prazo, o que a sociedade carioca tem a dizer. Se a mensagem dela for vestir-se de branco na orla com cartazes de ‘paz’ e ‘basta’, a pauta estará estacionada na chamada antinotícia. Mas sempre se pode encontrar uma semente de vida inteligente, como foi o movimento das associações de moradores nos anos 80 (base dos primeiros planos de organização urbana), ou o furacão Betinho e sua cruzada contra a fome no início da década seguinte.
Mais sombrio que guerra de traficantes no coração do Rio é uma sociedade que precisa de uma metáfora futebolística de Lula, de uma bravata de Garotinho ou de um palpite de Thomaz Bastos para reagir. Será impossível discutir polícia, planejamento familiar, controle da natalidade, liberação de drogas e outros temas-chave sem o ‘disse que’ de algum político ou governante? A campanha pelo desarmamento da população foi um dos raros momentos recentes em que a opinião pública não andou a reboque do governo. O que pensam disso tudo os donos de escola, os empresários de turismo, os comerciantes, os artistas de TV? Acabaram-se as idéias originais? Estarão todos esperando pela próxima declaração inútil de Rosinha?
Difícil de acreditar. Mas se for verdade, notícia no Brasil continuará sendo os sermões do Gushiken, o muro em torno da favela e outros disparates que os brasileiros parecem ter-se acostumado a consumir.’
Milton Coelho da Graça
‘Pense, amigo: o que é mesmo notícia?’, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 13/04/04
‘Jim Chisholm é um dos mais respeitados consultores de jornais de todo o mundo. Escreve freqüentemente em publicações especializadas e, num artigo recente, afirma que, embora tenha havido um rápido crescimento do número de canais de TV e do volume dos noticiários nos últimos 20 anos, a audiência (de graça) desses noticiários vem caindo duas vezes mais rapidamente do que a circulação paga dos jornais impressos.
Chisholm se diz disposto a apostar que, por isso, nos próximos dez anos, a pergunta mais comum nas redações será: o que é notícia?
E afirma que precisamos refletir sobre o quê realmente constitui notícia para o leitor ou espectador de hoje. ‘As notícias devem ser mais sintonizadas com as prioridades pessoais’ – disse ele em um artigo publicado em março – ‘e isso significa que os jornalistas devem deixar de pensar em matérias para o grande público embora de baixa relevância, e sim em matérias de alta relevância para um público menor.’
Chisholm aponta o celular como o próximo grande competidor na oferta de notícias. A empresa provedora saberá os assuntos de maior interesse para cada usuário e este poderá receber as informações que quiser, quando quiser e onde quiser. E mais, com imagem.
Vale ou não o que o presidente falou?
Nosso caro Ricardo Kotscho, bom de profissão e de convívio, deveria publicar um artigo (quem sabe aqui mesmo em nosso Comunique-se) sobre o quê realmente o governo espera de nossos meios de comunicação. O presidente Lula foi pra lá de franco e objetivo quando afirmou que ‘notícia é aquilo que a gente não gosta de ver publicado’. Mas depois desse conceito simples e perfeito (porque é isso mesmo, imprensa ama o contraditório, exatamente aquilo que nenhum poder aprecia), vários ministros passaram a apontar conspirações ou falta de colaboração da imprensa com os grandes projetos nacionais.
Kotscho, que é do ramo desde que tinha farta cabeleira, seria a pessoa ideal para responder a pergunta que, segundo Jim Chisholm, vai nos perseguir durante os próximos dez anos: o que é notícia para o governo?’