A lista de Furnas não é uma, é várias (numa delas, um dos contemplados com dinheiro público é o Tio Patinhas). Não é original: é cópia. Ninguém atesta sua veracidade. Roberto Jefferson diz que recebeu o dinheiro, mas hoje ele é um franco-atirador, que quer ver o circo pegar fogo. O suposto autor nega a autoria (e só um completo idiota assinaria uma lista daquelas). O perito Ricardo Molina disse que não pode atestar nada porque é cópia, mas que o original pode ser um documento. Claro: definitivamente, não é a xerox do rabo de um tatu.
E, no entanto, a imprensa passou dias e dias dando a lista na primeira página, como se fosse um documento indiscutível. Não publicou todos os nomes, mas avançou vários deles. Imagine que a lista seja falsa, como parece, e que os apontados nada tenham com isso, mas sua imagem já foi manchada. Como disse um jornalista, não faz mal que não haja provas: os acusados que se defendam.
Isso mostra quão perto o jornalismo chegou do panfletarismo. Faz-se a acusação, qualquer uma, com base num papel apócrifo, qualquer um, e os envolvidos que se defendam – que contratem advogados, tenham dificuldades para tocar a vida, fiquem com a marca da suspeita e transmitam seu sofrimento à família.
Já se disse que os jornalistas deveriam responder a pelo menos um processo, para entender o que é direito de defesa. Não é necessário: basta lembrar que todos são inocentes até prova em contrário. E que, ao contrário do que dizem os inquisidores, é preciso provar a culpa, e não a inocência.
[Leia aqui artigo de Denize Bacoccina para a BBC Brasil.com sobre o avanço do governo Bush sobre os direitos humanos nos Estados Unidos. Sobre abusos jornalísticos, leia aqui um artigo de Nelson Breve para a Agência Carta Maior.]
Por falar nisso
Na reportagem de onze linhas de um jornal sobre a lista de Furnas, o verbo ‘atribuir’ aparece seis vezes. Tudo é ‘atribuído’. ‘Atribuído’ tem a mesma função de ‘suposto’. Em vez de fazer a reportagem, o repórter pega declarações e, para não se envolver, sapeca o ‘suposto’ ou o ‘atribuído’ como quem põe sal em batatas fritas. Os consumidores de notícias que fiquem com sede de informação.
Falta de memória
O prefeito José Serra e o presidente Lula se encontraram na inauguração do Memorial do Corinthians. Lula brincou com Serra, dizendo que são os dois, de novo (como na eleição anterior). Serra devolveu dizendo que a única derrota que lhe doeu de verdade foi a do Palmeiras para o Corinthians, em 1954.
Houve tempo em que jornalista conhecia futebol. Mudou: ninguém notou que, em 1954, o Palmeiras não perdeu para o Corinthians: empatou. O jogo foi 1×1, gols de Ney e Luizinho, e com o resultado o Corinthians ganhou o título do Quarto Centenário da cidade de São Paulo. E a partida não ocorreu em 1954: foi em 6 de fevereiro de 1955.
Falta de gosto
Na verdade, Serra não é chegado a futebol. Tenta passar por torcedor fanático do Palmeiras, por uma questão de marketing, mas não resiste a um teste simples. Certa vez, na TV, entrevistado ao vivo por este colunista, não soube responder quem eram alguns dos grandes craques do Palmeiras – jogadores como Mazzola, Ademir da Guia, Luís Pereira, Leão. A coisa ficou tão evidente que, quando lhe perguntaram quem foi César Maluco, o palmeirense José Nello Marques interrompeu antes que ele tentasse responder: ‘Pára de perguntar, que ele vai dizer que é o prefeito do Rio’ – aliás, hoje partidário de sua candidatura.
Jornalismo é isso aí
Vale a pena: o site ABI Online, da Associação Brasileira de Imprensa, publica uma boa entrevista, reproduzida neste Observatório, com um dos melhores jornalistas brasileiros, Nahum Sirotsky – da ala pobre da família que controla a Rede Brasil-Sul de Comunicação. Nahum começou aos 18 anos, construiu uma das lendas do jornalismo brasileiro, a revista Senhor, foi repórter, assessor de imprensa, empresário (mas o talento para ganhar dinheiro está com a outra ala da família), é correspondente internacional. Mora em Tel-Aviv, de onde manda diariamente uma impecável análise noticiosa do Oriente Médio. Para todos os que se interessam por jornalismo, é uma entrevista que não pode ser perdida.
Cidade-luz
Ah, a memória! A Light, distribuidora de energia elétrica do Rio, está à venda. E a mídia informa, sem qualquer ressalva, que o vice-governador Luiz Paulo Conde, a prefeitura e o Tribunal de Contas não querem que a Light seja vendida para uma empresa de fora do Rio. Não custa lembrar: a atual controladora da Light é a EDF, Electricité de France, estatal francesa com sede em Paris.
Mar paulistano
O mais engraçado é que a matéria saiu num grande jornal de São Paulo. Explica a cobertura pela TV do show dos Rolling Stones em Copacabana, que inclui até câmeras instaladas numa lancha. Informa que aparato semelhante será usado na cobertura do U2 em São Paulo, dois dias depois. E esclarece: ‘Sem a câmera no mar’. Ainda bem: já pensaram o trabalhão para o mar subir a serra?
Pedras preciosas
1.
De um boletim de jornalistas: ‘Editora Abril precariza a precarização com medida sobre colaboradores’.2.
De um portal dos grandes, a respeito de um americano cuja carteira, intacta, foi devolvida 40 anos depois: ‘A carteira, cor de bege’. Deve ser uma variante mais clarinha da ‘cor de marrom’, bem diferente da ‘cor de verde’.3.
De uma agência internacional, informando que uma boneca triste representando a princesa Diana virou um tremendo sucesso de vendas. A boneca, diz a nota, é vendida com o nome de ‘princesa de Whales’. Pobre Lady Di: a Princesa de Gales (ou Princess of Wales) sendo chamada de Princesa das Baleias!4.
De um portal político: ‘Campanha do PT arrecadou R$ 2 milhões em campanha’.5.
E agora, a melhor de todas: a ex-prostituta e blogueira Bruna Surfistinha aparece num portal importantíssimo, sob o título ‘Bruna Surfistinha faz programa com a turma do ‘Pânico’.’ Ué, ela não tinha parado de fazer programas?******
Jornalista, diretor da Brickmann&Associados