11/05/2004
José Serra ‘será candidato’ a prefeito de São Paulo, como está na capa da Edição Nacional da Folha, ou ‘está decidido a concorrer’ à prefeitura, como saiu na Edição SP? Como não deve ter ocorrido fato relevante algum entre o fechamento das 20h30 e o da meia-noite, suponho que a mudança sutil tenha sido um recurso para evitar futuras cobranças caso Serra não saia candidato. Indica insegurança do jornal.
A forte desvalorização do real e a previsão de aumento na taxa de juros formam a manchete da Folha, do ‘Estado’ e dos jornais econômicos. ‘O Globo’ dá mais destaque para o projeto do PT que prevê teto salarial para vereadores.
Candidatura Serra
A Folha se mostrou mais bem informada e ágil que o ‘Estado’ no anúncio da candidatura de José Serra. A Edição Nacional já traz a informação de que o tucano havia se decidido (‘Serra decide ser candidato à Prefeitura de São Paulo’, A4), enquanto a edição das 21h35 do ‘Estado’ vinha com ‘PSDB faz contagem regressiva à espera de Serra’ e apenas na edição de 0h15 ‘Serra anuncia candidatura até domingo’. A Folha foi ágil também ao atualizar sua Ed. SP e enriquecê-la com uma análise.
Mas acho que o texto principal e a análise não exploraram como deviam a principal conseqüência da candidatura Serra, que é a ‘federalização’ das eleições municipais. Esta é a estratégia do PFL desde o início (vide várias entrevistas do prefeito do Rio e candidato à reeleição Cesar Maia). Sugiro que o jornal explore melhor este aspecto incluindo no cenário de análise as disputas no Rio, em BH e outras cidades. A eleição está sendo encaminhada para se tornar, nas grandes cidades, plebiscitária.
Bingos
Tem razão o Cony: este governo parece não ter mais o que fazer para se preocupar tanto com a questão do bingo. E a origem desta fúria contra os jogos _o caso Waldomiro_ ficou para trás. Eu me pergunto se o jornal não deveria ser mais crítico na cobertura deste noticiário e se ele deveria estar na página mais nobre de Brasil, a A5 da Edição Nacional, num dia de tanta notícia. Na Ed. SP o texto foi jogado para a A9, o que é mais razoável.
José Alencar
Só a Folha deu tanto destaque (chamada na capa e quase uma página bem editada dentro, nas duas edições) para a nova bateria de críticas do vice-presidente à política econômica e, agora, à política de reforma agrária. Achei correto. O fato de ele vir batendo na mesma tecla não diminui a importância de suas críticas.
Anaconda
Fez bem a Folha em registrar a revogação da prisão de um dos advogados presos desde novembro do ano passado durante a Operação Anaconda. Os jornais cobrem com muito barulho estas operações da PF e depois costumam esquecer o caso e ignorar seus desdobramentos.
‘NY Times’
1 – A melhor reportagem sobre o caso é do correspondente do ‘Estado’ em Washington (‘Chances de processo são nulas, avisa juiz americano’), que analisa a reportagem do ‘NYT’ à luz do direito americano e da tradição jornalística daquele país. Na primeira edição do ‘Estado’ a reportagem está mais completa. Também a entrevista com o presidente da ONO, Jeffrey Dvorkin, ajuda a contextualizar a reportagem, independentemente de sua qualidade técnica.
2 – Acho incorreto o título ‘Para entidade, reportagem é correta’ (A7). A opinião expressa na entrevista é a do presidente, até porque a entidade não discutiu a reportagem. Acho que o título correto deveria informar que o presidente da entidade acha a reportagem correta.
3 – ‘O Estado’ (‘O Planalto reagiu com o fígado’) e o ‘JB’ (‘Imprensa marrom’) já manifestaram suas opiniões sobre a reportagem do ‘NYT’ e a reação do governo brasileiro. Os leitores da Folha ainda não sabem o que o jornal pensa sobre o assunto.
Tortura
O que aconteceu no Iraque com os prisioneiros de Abu Ghraib foi tortura. Abuso, no caso, é um eufemismo e pode ser usado eventualmente como sinônimo, assim como maus-tratos, para não repetir ‘tortura’ o tempo todo. Mas a Folha vem dando preferência a ‘abuso’, tanto em título como no corpo das matérias, como as de hoje na pág. A12. Todas se referem inicialmente a abusos e só lá no meio ou no final falam em tortura. Este é um problema de precisão. O crime que os soldados e oficiais cometeram foi de tortura.
Taxa Selic
Das duas, uma: ou Dinheiro acha que todo mundo sabe o que é Selic (‘Dólar vai a R$ 3,14; mercado já vê alta da Selic’, B1), ou o caderno já considera que só os iniciados devem lê-lo. Por que não usar juros no título?
Barbárie
Mais um caso bárbaro no Rio de espancamento em boate. Um promotor de eventos foi surrado por um lutador e está internado completamente desfigurado, com traumatismo craniano e coágulo no cérebro. Aconteceu no domingo e não vi na Folha.
Adolescentes
Bom o texto sobre os adolescentes que choram a morte do amigo morto em Alto de Pinheiros (‘Em silêncio, adolescentes fazem peregrinação’, Cotidiano, C3).
Editoras
Não me parece correto definir um ano ruim (para as editoras de livros) como ‘um ano da pá-virada’, como está em Ilustrada (‘Venda de livros cai em 2003′, diz pesquisa’, E3).
Ainda o ‘NYT’
Em relação à crítica interna de ontem, recebi, via Secretaria de Redação, o seguinte comentário do Vinicius Torres Freire, secretário de Redação: ‘Apenas a título de esclarecimento a respeito de nota da crítica do Ombudsman de hoje, segunda-feira, 10 de maio, gostaria de observar que, caso fosse apenas de minha responsabilidade a decisão de noticiar a reportagem do ‘NYT’ sobre o presidente e o consumo de álcool, teria editado o assunto com o mesmo destaque que a história mereceu nas edições de domingo e segunda-feira da Folha (que não editei). Sendo ou não de péssima qualidade (e a considero de péssimo nível), a reportagem publicada foi um fato relevante. Certa ou errada, danificou a imagem do presidente da República para uma audiência mundial e qualificada (os leitores de um dos principais jornais dos EUA e do planeta, além do público dos meios de comunicação que reproduziram ou retransmitiram o conteúdo do texto do ‘NYT’).’ ´
10/05/2004
Domingo. A Folha trouxe, enfim, uma manchete positiva e animadora: ‘Economia exibe sinais de crescimento’. ‘O Globo’ iniciou uma série sobre o crescimento da população de favelas. E o ‘Estado’ foi ao campo para mostrar as conseqüências da vitória do Brasil na OMC: ‘Algodão, o ouro branco brasileiro, pode seguir o caminho da soja’.
Mas os assuntos que marcaram o fim-de-semana foram outros. Desde sábado, as novas revelações das contas do Maluf no exterior. Foi um furo do JN/TV Globo na noite de sexta e foi a capa de Veja, que estava também bem informada. Os jornais foram atrás. O outro grande assunto foi a reportagem sobre Lula e a bebida, do ‘New York Times’, no domingo.
Segunda. A Folha faz um balanço da ajuda do governo às vítimas das chuvas (‘Vítimas de enchentes ficam sem a ajuda oficial’). O ‘Estado’ destaca o atentado que matou o presidente da Tchetchênia. E ‘O Globo’ fica com o noticiário local: ‘Tanques vão patrulhar as linhas Amarela e Vermelha’. O ‘Valor’ começa a publicar hoje uma série de reportagens sobre as conseqüências dos cortes de investimentos na infra-estrutura do país: ‘Deteriorada, infra-estrutura paga conta de ajustes fiscais’.
Enchentes
Confuso o texto da manchete da Folha desta segunda (‘Vítimas de enchentes ficam sem a ajuda oficial’). O texto informa que a maioria dos saques foi realizada por famílias que tinham em média R$ 464 de saldo bancário. No parágrafo seguinte, diz que 54% (a maioria, portanto) dos saques foram superiores a R$ 12 mil. Se este último dado se refere a apenas um dos períodos investigado pela Folha, deveria ter ficado claro a que período o primeiro dado se refere.
Outro problema. A manchete chama para a falta de ajuda oficial. Mas na seqüência são ressaltadas as ‘distorções’ que teriam ocorrido nos saques.
Como não sabemos as regras para sacar o FGTS, ficamos sem saber que distorções são estas. Teve gente que sacou indevidamente ou sacou mais do que poderia? Tem gente que sacou menos do que poderia ter sacado?
Mesmo no texto interno (Cotidiano, A1), a reportagem continua confusa nestes dois pontos. A linha fina informa que ‘distorções’ favorecem a classe média. A reportagem continua sem explicar que distorções são estas. Se a pessoa foi afetada pelas enchentes e se é permitido retirar seu FGTS para reparar seus prejuízos, por que isso caracteriza um favorecimento? Aliás, não é dinheiro do governo, mas do próprio cidadão.
O problema parece ser outro: 94% das vítimas das cheias continuam desamparadas e o governo não tem programa para ajudá-las.
‘NY Times’
A matéria do jornal americano tem dois aspectos com desdobramentos distintos. Um, é a reportagem em si, se foi mal ou bem feita, se é marrom ou oportuna. Outro, a repercussão que já provocou, independentemente da qualidade da reportagem.
1 – A Folha informa no pé de sua reportagem principal (A4) que tentou ouvir, sem sucesso, o repórter que escreveu a matéria. E o seu editor Internacional? E a direção do jornal? O Vinícius diz que a reportagem é um lixo e justifica: apesar dos rumores, a Folha não tem evidências factuais de que o presidente sofra de alcoolismo ou de que o que bebe afete sua capacidade de governar. A Folha, portanto, jamais publicaria texto semelhante ao do ‘NYT’ produzido por sua própria Redação, imagino. Dois leitores (Painel do Leitor, A3) consideraram a reportagem ‘arrogante’ e ‘infame’. A cúpula do ‘NYT’ deveria ter sido questionada sobre estes argumentos e sobre o repúdio do governo brasileiro. O que ela tem a dizer sobre a reportagem e a reação no Brasil? Os correspondentes nos EUA deveriam ter sido acionados.
2 – O outro desdobramento tem a ver com as conseqüências da reportagem, caluniosa ou não, na política brasileira. O Fernando Rodrigues termina sua coluna de hoje informando que a ‘pensata’ do ‘NYT’ ‘caiu como uma bomba nos bastidores do poder em Brasília’. Mas a nossa reportagem se limitou a reproduzir as declarações e notas oficiais e a estratégia de negociação do governo brasileiro com o jornal antes de entrar com um processo na justiça.
E os bastidores? Afetou ainda mais o ânimo do governo? O presidente, por vontade própria ou por decisão dos que cuidam de sua imagem, vai mudar a postura pública? O governo insinua que há interesses por trás da reportagem? Quais ele identifica?
Transparência
Uma das cartas do Painel do Leitor (‘Infâmia’) considera que ‘a Folha torna-se porta-voz desse preconceito e dessa infâmia [a reportagem do `NYT´] ao reproduzi-la acriticamente e com tanto destaque’. O jornal poderia ter explicado as razões jornalísticas que o levaram a reproduzir na íntegra a reportagem do ‘NYT’, mesmo quando um de seus secretários de Redação considera o trabalho um ‘lixo’. Existem razões que justificam a publicação com destaque e o jornal teria sido mais transparente se as indicasse. Acho que a Folha age bem quando não responde a cartas de leitores que o criticam. É um direito dos leitores se manifestarem e questionarem o jornal que lêem. Mas em alguns casos, como neste, não se trata de uma contestação ao leitor, mas de um dever que a Folha tem de explicar de forma clara suas decisões editoriais em assuntos polêmicos.
Iraque
O ‘Estado’ tem foto mais recente do soldado Sivitz, acusado de ter participado das torturas a prisioneiros iraquianos. A da Folha é de 1998.
Ex-militares no tráfico
Não entendi por que, na reportagem ‘Ex-militares tentam evitar adesão ao tráfico’ (Cotidiano C3), usa-se o nome fictício de Ivã para um ex-soldado que hoje é a segurança particular de um grande traficante do Rio, Róbson André da Silva. Se ele é a segurança e braço-direito do traficante, imagino que a polícia e todos saibam de quem se trata e deva estar sendo perseguido. Em todos os outros casos narrados na reportagem constam os nomes dos ex-militares envolvidos com o tráfico.
Domingo
1 – Os mesmos programas sociais, duas abordagens distintas. Na coluna do Elio Gaspari: ‘Tucanos, invejai o êxito do PT’. Em Cotidiano, na capa:
‘Marta cumpre 54% de sua meta social’. Os dois tratam das ações de transferência de renda do governo da Marta Suplicy. Gaspari: ‘Quando o PT trabalha sem aparelhar a máquina do Estado, confiando no povo, produz êxitos’. E dá dados que mostram que os programas tiveram efeito na zona leste de São Paulo. Cotidiano: ‘Em histórias e números, o cenário dos programas sociais é de contradições’. E mostra o tanto que a Prefeitura prometeu e não cumpriu.
Os dois devem estar certos.
2 – Acho difícil que a distribuição demográfica dos cintas-largas na reserva Roosevelt seja a que a Folha informa na página A12 de Brasil (‘Índios explicam os motivos da chacina de 29 garimpeiros’). A reportagem diz que são 1300 índios, sendo 700 crianças (54%) e 400 guerreiros (31%). Isso significa que o total de mulheres adultas e de velhos é de apenas 200 pessoas (15%). É isso mesmo? Teria sido importante ter citado a fonte.