O excelente blog de Ricardo Noblat (http://noblat.blig.ig.com.br) e a revista IstoÉ revelaram um dos maiores escândalos da história da imprensa brasileira: a destruição deliberada de um homem honrado. O deputado federal Ibsen Pinheiro (PMDB-RS) foi acusado por Valdomiro Diniz (sim, aquele que foi filmado extorquindo o bicheiro Carlos Cachoeira) de movimentar somas equivalentes a 1 milhão de dólares. Antes que a matéria fosse publicada, descobriu-se que a conta estava errada: a movimentação era de mil dólares, perfeitamente compatível com o salário e o patrimônio do acusado. Mesmo assim decidiu-se destruí-lo.
Agora, dez anos depois, o repórter que escreveu a matéria, Luís Costa Pinto, não trabalha mais para a Veja: é consultor de Comunicação do presidente da Câmara, João Paulo Cunha (PT-SP), e já esteve simultaneamente ligado à Coca-Cola. Resolveu confessar tudo: a pouca importância que deu às negativas documentadas de Ibsen Pinheiro, o drible nas informações do checador de Veja, o acordo com um inimigo político do alvo, o deputado federal Benito Gama, para que sustentasse os números errados.
O curioso é que os demais órgãos de imprensa, de posse de todas as informações, não se mobilizaram em defesa do parlamentar acusado. Como manada, a imprensa seguiu o líder: um gritou ‘mata!’, os outros gritaram ‘esfola!’, e dez anos da vida de uma família foram destroçados.
O pior é que isso não aconteceu apenas uma vez, nem é coisa do passado. Acontece todos os dias, em várias publicações, e os alvos são tratados apenas como alvos – não como seres humanos, não como cidadãos cuja inocência é presumível até prova em contrário. A imprensa, muitas vezes, prejulga e condena. A concorrência entre os vários veículos se manifesta na busca de indícios contra o personagem na mira – jamais na busca de fatos que demonstrem se as acusações são ou não verdadeiras. E, com isso, destroem-se pessoas, famílias, empresas.
Exemplificando
Um caso recente: um cavalheiro, acusado de uma série de irregularidades (embora sem que nenhum processo tenha sido aberto contra ele), foi apontado numa reportagem como elo entre dois escândalos – o dele mesmo e um outro, apontado pela Operação Anaconda. Motivo: muitos anos atrás, comprou um terreno de doze pessoas, uma das quais, muitos anos mais tarde, seria envolvida na Operação Anaconda. Segundo o jornal que fez a ‘denúncia’, o terreno ficava em Embu-Guaçu, ‘cidade próxima a Juquitiba, onde foi encontrado o corpo do prefeito de Santo André, Celso Daniel’.
E que tinha uma coisa a ver com outra? Nada, segundo a editora do jornal. Segundo ela, nem havia denúncia: era apenas um relato. Embu-Guaçu fica mesmo perto de Juquitiba, e o corpo de Celso Daniel foi mesmo encontrado em Juquitiba. Mas qual a impressão que isso deixa no leitor? Se não havia denúncia a fazer, por que foi publicado? E, se era para fazer relatório, por que não dizer que ambas as cidades ficam perto de Ibiúna, palco do famoso congresso de estudantes? Segundo a editora, ela editou a matéria e escolheu as informações que julgou melhores. Ponto.
O ‘chinês’
Um caso interessantíssimo é o de Law Kim Chong. Sem entrar no mérito do caso, Law Kim Chong é chamado pela imprensa de ‘chinês’ e ‘contrabandista’. São frases do tipo ‘Chinês não consegue habeas corpus’. Mas ele nasceu em Hong Kong, então colônia britânica, e se naturalizou brasileiro. É ‘chinês’, portanto, apenas na aparência. As investigações podem até provar que é contrabandista, mas é acusado de outra coisa: de tentativa de suborno do deputado federal Luiz Antônio Medeiros, do PL paulista.
As dúvidas
A propósito, que terá movido o repórter Luiz Costa Pinto, dez anos depois, a contar os fatos? Há quem creia que estaria a serviço do PT, procurando demonstrar a necessidade de criação do Conselho Federal de Jornalismo, a mordaça que tentam aplicar à profissão. Pode ser – mas, se na época houvesse um Conselho Federal de Jornalismo, as coisas teriam ocorrido do mesmo modo. Quem levou a denúncia ao repórter foi um petista, Valdomiro Diniz. Por que os petistas do CFJ iriam contrariar sua posição?
Querendo entender
Que é um ‘beneficiário’ de uma conta bancária? Seria interessante que algum jornal esclarecesse o assunto: até agora, em seu interminável duelo com o Ministério Público, Paulo Maluf garante que não tem contas no exterior, e é acusado, com documentos, de ser beneficiário de várias contas. ‘Beneficiário’ é o mesmo que ‘titular’? Se não é, qual a diferença? Em outras palavras: sendo ‘titular’ ou ‘beneficiário’, o dinheiro é mesmo dele?
Inculta e bela
Nem Janio de Freitas, que chefiou tantas redações e nelas aprimorou sua paciência, está agüentando mais: em sua coluna de quinta-feira (12/8), na Folha de S.Paulo, comentou duas notícias em que os erros de informação e de Português ultrapassaram os limites. Numa, um alemão chegou ao Brasil há 40 anos, fugindo da 2ª Guerra Mundial – guerra essa que acabou há 59 anos (o mesmo cavalheiro, a propósito, na mesma notícia, trabalhou até se aposentar, há dois anos, numa empresa que fechou quando o sócio morreu, há dez anos). Em outra, marido e mulher tinham ‘residência sobre o mesmo teto’. Tirando o cachorrinho Snoopy, quem mora ‘sobre’ um teto?
Flor do Lácio
Há muito mais exemplos de erros desse tipo, ora de Português, ora de informação. Pode ser um cavalheiro que tem ‘descendência polonesa’. Na verdade, o que ele tem é pais e avós poloneses – ou seja, ‘ascendência’. A ‘descendência’, só quando tiver filhos. Pode ser uma senhora que, debruçada à janela de sua casa, no interior de Minas Gerais, ouvia os ruídos do mar, que quebrava na praia em que terminava a rua (deve ser uma rua imensa! Vai de Minas ao Espírito Santo!). Pode ser um ‘atentado à bomba’ – como se alguém atentasse contra uma bomba. Pode ser um urso que, despercebido, cruzou São Paulo inteirinha e se instalou num parque da avenida Paulista (sim, essa notícia foi publicada).
No fundo, é o mesmo problema: o repórter age como um gravador, transferindo a matéria dos ouvidos para os dedos, sem passar pela cabeça.
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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados Comunicação; e-mail (carlos@brickmann.com.br)