Os parlamentares estão na deles: como se elegeram pelas normas atuais, por que teriam interesse em mudá-las? Mas não podem dar aos eleitores a impressão de que aprovam nosso sistema ineficiente e caríssimo de escolher representantes. Por isso fazem discursos, apresentam projetos, passam a noite discutindo aos berros, distraindo-se apenas com um pornozinho básico. Vossas excelências insultam vossas excelências. Para que? Para nada.
A questão básica do financiamento de campanhas não está na origem: doações de empresas, doações de pessoas físicas, doações a partidos, doações diretas a candidatos, financiamento público de campanha, tudo isso é altamente compatível com a corrupção. Na Alemanha, onde o financiamento de campanha é público, o primeiro-ministro Helmut Kohl, popularíssimo por ter reunificado o país, viu sua carreira política encerrar-se quando foi descoberto recebendo doações clandestinas para o caixa 2. Imagine no Brasil, onde ainda por cima a Polícia é bem menos determinada que a alemã.
A questão básica a ser resolvida, e que poucos políticos querem resolver, é o custo das campanhas. Um candidato a deputado estadual em São Paulo que não tenha base consolidada nem domine algum nicho de eleitorado precisará de algo como R$ 30,00 por voto para fazer campanha com alguma possibilidade de êxito. Cem mil eleitores, três milhões de reais. Mesmo ganhando os bons salários, os excelentes penduricalhos e os demais extras, mesmo desfrutando de faustosas, gigantescas e inesgotáveis mordomias, uma Excelência não ganha essa quantia em seu mandato. Tem de buscar doações generosas; e doadores generosos, desprendidos a ponto de doar sem esperar nada em troca, não são figuras fáceis no mercado.
A questão, portanto, é baratear as campanhas, em vez de multiplicar subsídios e encontrar novas fontes de recursos. O voto distrital, por exemplo, é bem mais barato. Um Estado como São Paulo pode ser dividido em 70 distritos para a eleição de deputados federais. Em vez de percorrer o Estado inteiro em busca de votos, o candidato estará em seu distrito, onde é conhecido, e as campanhas serão muito menos custosas. Duas vantagens extras: o voto distrital faz com que o eleitor vote em pessoas mais próximas, que ele conhece melhor e sabe como encontrar; e reduz o número de partidos (onde há voto distrital sempre sobram três ou quatro grandes partidos, e uns dois menores).
O voto distrital tem problemas? Tem: um partido que obtenha pouco menos da metade dos votos pode ficar até sem representantes no Congresso. E há uma tendência a que deputados federais se comportem como vereadores, já que têm de prestar contas a seus vizinhos. Mas, combinando-se o distrital com voto partidário de lista, como na Alemanha, este problema é resolvido.
Caberia aos meios de comunicação informar quais são os sistemas mais adotados no mundo, seus custos, suas vantagens, suas desvantagens. É mais útil do que falar das brigas de Marcelo Castro com Eduardo Cunha, ou de Eduardo Cunha com Renan Calheiros, ou de ambos com Michel Temer. Essas brigas fazem parte do noticiário, mas não podem ser o noticiário inteiro, ou transformarão a política em algo como a Ilha de Caras.
A propósito, o tal financiamento público de campanha, de que tanto se fala como remédio universal para todos os males da política brasileira, já existe faz tempo. Há o Fundo Partidário, que reserva quase um bilhão de reais por ano para os partidos, conforme o número de parlamentares eleitos (mais um troquinho milionário para quem não tem deputado nenhum); há o horário gratuito, que não tem nada de gratuito, já que a produção é paga a preços monumentais e a TV recebe desconto de impostos para compensar o tempo gasto (e o custo do tempo é calculado pela tabela cheia, que só é cobrada nesses casos – qualquer outro cliente tem descontos substanciais). Há os programas anuais de todos os partidos, que duram quase tanto quanto um capítulo de novela e são exibidos em horário nobre; há anúncios de 30 segundos, espalhados pela programação. Não há produto no país que faça tamanha campanha publicitária. E somos nós que pagamos tudo.
Como disse o publicitário James Carville a Bill Clinton, que desafiava George Bush, um presidente popular, a chave de tudo era a economia. Aqui também: é a economia. Economizando o que nem deveria ser gasto (e sem qualquer sacrifício) a questão do financiamento de campanha fica bem mais fácil de resolver.
Fazendo as contas
Toda a discussão a respeito dos cortes orçamentários, das possíveis divergências entre Joaquim Levy e Aloízio Mercadante, das queixas e reclamações a respeito da redução de despesas oficiais desapareceria se os meios de comunicação decidissem fazer aquilo para o que foram criados: decifrar a linguagem dos políticos e economistas e traduzi-la para o português utilizado pelos cidadãos.
Caso isso tivesse sido feito, haveria uma descoberta notável: depois de todos os cortes, a despesa governamental em 2015 ficaria em pouco mais de R$ 1,1 trilhão. Mas, de acordo com números oficiais do Tesouro, o governo, em 2014, gastou cerca de R$ 1 trilhão (precisamente R$ 1,028 trilhão).
A conta, depois dos cortes, mostra um aumento de gastos de R$75 bilhões de um ano para outro. Deve ser a primeira vez na história desse país que o governo corta despesas e faz economia para gastar mais do que antes. E não há muito o que discutir, já que são todos números oficiais. Se quisermos fazer a conta em porcentagens, as despesas do Governo sobem de 18,6% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2014 para 18,9% do PIB em 2015.
Jornalista não gosta de números. Mas às vezes é preciso trabalhar com números para não ser enganado por quem tem familiaridade com eles.
Redações enxutas
“Enxugar o quadro” e “formar uma Redação mais ágil e enxuta” são frases típicas do dialeto tucanês, aquele que muda o nome das coisas para que pareçam menos doloridas. “Enxugar o quadro” quer dizer “demitir, desidratar, ressecar, soltar o passaralho”. E “Redação mais ágil e enxuta” significa que, na empresa desidratada, todo mundo tem de ser muito ágil para tirar o seu da reta, com o lema “na minha, não”. Preocupação com a notícia, com aquele cidadão que Octavio Frias de Oliveira chamava de “Sua Excelência, o Leitor”? Coisa ultrapassada: bom trabalho custa dinheiro. E é mais fácil poupar dinheiro desprezando o consumidor de informação do que oferecer-lhe um bom produto, pelo qual valha a pena pagar.
Alguns bons exemplos:
** Um empresário morreu depois que seu Chevrolet Camaro sofreu um acidente. No texto, informa-se que “a causa da morte não foi dita”. Na foto, o Camaro destruído pelo acidente. O carro parece ter sido esmagado por uma motoniveladora pesada. Transformou-se numa placa de aço plano. Mas a causa da morte talvez não seja essa, é evidente.
** Um conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Rio foi encontrado morto em sua casa. Nos dois subtítulos, informa-se que ele tinha ido ao Estádio do Maracanã na véspera do dia em que o corpo foi encontrado; e que em 2014 ele tinha sido investigado por contratação de um personal trainer. E que é que sua morte, com um tiro na cabeça, tem a ver com isso? Nenhum meio de comunicação se deu ao trabalho de explicar essa relação.
** Título: “Avião da [nome da empresa] faz pouso de emergência em Guarulhos. Texto: “Problema em motor faz [nome da empresa] antecipar pouso em Guarulhos”. Não, não houve pouso de emergência. Como o problema no motor foi percebido pertinho do aeroporto, só se pediu à torre que mudasse a fila de pousos, permitindo que o avião citado descesse primeiro. Pousou normalmente, sem problemas, e os passageiros nem perceberam.
Dá para fazer
Há boas matérias que podem ser feitas por telefone. Se envolverem entrevista, é melhor fazê-las pessoalmente, olho no olho. Outras matérias podem ser feitas sem telefone, sem entrevista, bastando analisar os documentos (como a revelação da nota Fazendo as contas). Trabalhar ajuda muito.
O repórter Lúcio Big, da OPS (Operação Política Supervisionada), é desses que não têm medo de trabalho. Escolhe um parlamentar e o acompanha durante algum tempo, examinando as despesas que realiza e que repassa ao Congresso, dentro da tal Cota para o Exercício da Atividade Parlamentar, CEAP, ou Cotão – um desses penduricalhos que ajudam Suas Excelências a viver suntuosamente. O Cotão põe à disposição do parlamentar até R$ 41.612,80 do nosso dinheiro, para reembolsá-lo de despesas inerentes à atividade parlamentar, e para as quais não há concorrência pública nem sequer tomada de preços. Basta apresentar a nota fiscal, ou recibo, e o dinheiro retorna imediatamente aos excelentíssimos bolsos – em alguns casos, sem que jamais tenham saído deles. Não gastam, mas têm reembolso. Pode ser um aluguel de avião, pode ser um cafezinho na esquina, pode ser um pastel de camarão ou tapioca com queijo de coalho. Mordomia, enfim.
Lúcio Big escolheu um parlamentar para acompanhar (e vai acompanhar um por um, ao longo do tempo). O primeiro foi Luciano Ducci, do PSB do Paraná. Começou pelos gastos de alimentação. É expressamente proibido usar a verba do Cotão para custear gastos de outra pessoa que não o próprio parlamentar. Pois não é que o deputado já pediu dois rodízios completos na mesma refeição, em Joinville? E traçou um prato de 2,5 kg de sushi e sashimi num restaurante de Brasília? Com um detalhe: Sua Excelência bebeu água, não vinhos. Mas água mineral importada. Nacional, nem pensar. Mais? Num dia, almoçou duas vezes, ambas no restaurante da Câmara. E não engorda, mesmo com toda a superalimentação!
Qual a mágica de Big para fazer esta matéria excelente? Nenhuma: entrou no portal da Câmara Federal, clicou em Cota Parlamentar, e os dados estavam lá. Teve o trabalho de ler, entender, separar o que era relevante e escrever. Agora o deputado Ducci que se explique (e os outros que se seguirão que se expliquem também, ou se quiserem preservar-se que tenham mais cuidado com o dinheiro público). Big cumpriu seu dever de repórter.
Biscoito fino
O jornalista Humberto Werneck, bom pesquisador, biógrafo de fôlego e excelente escritor, acaba de assinar contrato com a Companhia das Letras para escrever a biografia de Carlos Drummond de Andrade.
Como…
De um grande jornal impresso:
** “O diretor do Fisco argentino, Ricardo Echegaray, acusa a FIFA de nunca ter colaborado na luta contra a transparência fiscal no futebol”.
Está errado. Pelo que dizem, o que a FIFA mais fez (e mais faz) é colaborar ao máximo com quem luta contra a transparência fiscal no futebol.
…é…
Da internet, que nunca nos falha:
** “Os demais sistemas apresentaram queda pela falta de acúmulo pluviométrico.”
Uma dúvida: tucanaram as represas, as chuvas, a água, ou todas as alternativas anteriores?
…mesmo?
Um grande jornal impresso, de circulação nacional, informa que o pintor Miró foi capaz de um prodígio: produziu sua alentada obra mesmo tendo nascido e morrido no mesmo ano, 1983. Aliás, foi capaz de outro prodígio: toda a sua obra foi produzida antes mesmo que tivesse cumprido a formalidade de nascer.
Frases
>> Do jornalista Gaudêncio Torquato: “Começo a achar que a gripe de Levy não acabará tão cedo.”
>> Do monumental Luís de Camões, em Os Lusíadas: “O fraco rei faz fraca a forte gente.”
>> Do jornalista Jorge Bastos Moreno, sobre a opinião de uma comadre que acha que Joaquim Levy gostou tanto de ser ministro que se agarra ao cargo: “O que minha comadre quer dizer é que Levy já engoliu e vai continuar engolindo todos os sapos. Tenho dúvidas. Acho que ele já tá de sapo cheio.”
>> Do deputado federal Paulo Maluf, do PP paulista: “Quem rouba tem de ir para a cadeia.”
>> Do jornalista Cacalo Kfouri, comentando a transferência do lendário prefixo 700 kHz AM, da Rádio Eldorado SP, para uma igreja evangélica: “‘Noites de Jazz’, apresentado por Armando Aflalo, música popular americana, cujo prefixo era ‘Walk on the Wild Side’, com Jimmy Smith. Mas tudo bem, hoje a gente pode ouvir Anitta, Teló…”
>> Do tuiteiro Raul Franca: “A vantagem do PT é que estabeleceu um norte. Se ele é a favor, eu sou contra. Se for contra, eu sou a favor. Dá certo em 99,999% das vezes.”
>> Do jornalista Palmério Dória, criando um lema para Joaquim Levy: “‘Diga ao povo que rico!’”
>> Do escritor Antônio Bivar: “E a operação Lava Chato se arrasta feito lesma lerda.”
>> Do jornalista Sandro Vaia: “A Venezuela resolveu o problema da inflação: proibiu a divulgação do índice.”
>> Da tuiteira Marili Ribeiro: “Dá mais status ser preso pelo FBI na Suíça do que pela Polícia Federal no Paraná, né?”
>> Do jornalista Cláudio Tognolli: “Exclusivo: Jerome Valcke vai fazer vistorias em celas para ver se estão no padrão FIFA.”
>> Do tuiteiro Hugo A-Go-Go: “O Blatter tá numa vibe meio Dilma. Foi reeleito, mas já entra no novo mandato politicamente morto.”
>> Do jornalista Cláudio Humberto: “Durante a campanha presidencial, a única afirmação de Dilma confirmada pelos fatos foi a de que seu governo seria padrão FIFA.”
>> Do presidente da CBF, Marco Polo del Nero: “A CBF não tem qualquer mácula.”
E eu com isso?
Qual a notícia que mais nos chama a atenção: a briga de Eduardo Cunha com Marcelo Castro, que até horas antes era um de seus mais fiéis seguidores, ou Miley Cyrus com os seios de fora? Não pensem mal da moça, por favor: segundo o noticiário-padrão do setor, foi “por descuido”. E que é mais interessante: a nova cor dos cabelos e bigodes do ex-senador Sarney, as divergências entre Mercadante e o resto do mundo ou a tatuagem nas costas de Sheila Mello?
Pois é: aqui estão as notícias que realmente despertam a atenção do consumidor de informações.
** “Giovanna Lancellotti revela que ainda era virgem quando interpretou Cecília em ‘Insensato Coração’”
** “Selena Gomez e Justin Bieber são vistos juntos”
** “Gusttavo Lima veleja ao lado da noiva”
** “Lily Collins confirma o namoro com Jamie Campbell”
** “Mariano repete ousadia e toma banho com fã no palco”
** “Miley Cyrus sensualiza e mostra demais em foto na web”
** “Wanessa festeja seu aniversário de casamento”
** “Kim Kardashian clica North West se divertindo no banho”
** “Tatá Werneck reúne os amigos em festa em casa”
** “Rihanna não pode usar seu nome real em marca de roupas”
** “Sheila Mello mostra tatuagem nas costas”
** “Eva Longoria capricha ao beijar o namorado em aeroporto”
** “Isis Valverde embarca no Rio com cara de pensativa”
** “Brad Pitt esbanja simpatia com fãs em Nova York”
** “Curtindo um som, Carol Castro embarca no Rio”
** “Seal mostra pernas musculosas durante alongamento”
** “Paulinho Vilhena curte clima de romance no Rio”
** “Carreira da noiva pode adiar casamento de Zayn Malik”
** “Fernanda Vasconcellos ganha beijão de Cássio Reis após peça”
** “Izabel Goulart aposta em decotão e transparência e quase mostra demais”
O grande título
Quem é vivo não tem problemas, não precisa nem estudar para enriquecer, e este país tem bons exemplos nessa área. Já os mortos se esforçam para subir na vida. Na vida? É o tema de um grande título desta semana:
** “MEC diz que suspendeu bolsas do Prouni dadas a 46 alunos mortos”
Há uma manchete de página que deveria ser manchete do jornal, pelo ineditismo da notícia:
** “Explosão em apartamento no Rio foi acidente acusado por instalação errada, garante perito”
Nunca dantes na história desse país um acidente tinha sido acusado por uma instalação.
Mas, embora a manchete acima seja magnífica, há uma ainda melhor, publicada na sisuda seção de Economia de um sisudo jornal impresso:
** “Japão: Preço ao consumidor deve ficar em zero, diz BC”
Da passagem naquele maravilhoso trem-bala até automóveis de alto luxo como o Lexus, do carro elétrico a produtos de consumo de altíssima tecnologia, tudo de graça!
Mas o texto acaba com a alegria do título: o Banco Central japonês informa que é a variação anual do índice de preços ao consumidor que deve ficar em zero. Nada de milagre, portanto: apenas os preços se mantêm, sem inflação.
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Carlos Brickmann é jornalista, diretor da Brickmann&Associados Comunicação