Pois é, a BBC de Londres. Justo a BBC, aquela emissora que há alguns anos era símbolo máximo de credibilidade jornalística. E de Londres, diretamente da fonte: como não acreditar? A BBC de Londres anunciou no dia 3 a morte da rainha da Inglaterra, Elizabeth 2ª. Como disse o escritor americano Mark Twain quando divulgaram equivocadamente seu falecimento, as notícias sobre a morte de Sua Majestade real e imperial foram manifestamente exageradas.
Como a notícia foi divulgada pela BBC, imediatamente a CNN encampou a informação. O porta-voz do Palácio de Buckingham fez o desmentido. Elizabeth 2ª, 89 anos, está viva e bem (e é de família longeva: a rainha-mãe, também chamada Elizabeth, viveu até os 102 anos, mantendo até os últimos dias o hábito de tomar suas doses de gim).
Não é a primeira vez que jornalistas se antecipam à morte de personalidades. O problema é sempre o mesmo: os grandes veículos de comunicação mantêm atualizada a biografia dos prováveis futuros falecidos mais próximos, mais ilustres, e alguma coisa acaba vazando. Antes, quando os necrológios eram apenas escritos, já havia falhas; agora, com vídeos, Twitter, notícias online, o risco é bem maior.
Foi o que aconteceu com a BBC: uma repórter do serviço em urdu (uma das línguas faladas na Índia e no Paquistão) liberou dois tuítes em seguida, um anunciando que a rainha “recebia cuidados” no Hospital King Edward 7th (o que era verdade: Elizabeth fazia seu check-up periódico), outro anunciando a morte. Pouco depois, a jornalista publicou um terceiro tuíte, dizendo que a notícia era falsa (e sugerindo que alguém teria usado seu telefone de casa sem autorização). A BBC abriu sindicância, fase inicial de um procedimento disciplinar.
Às vezes esse tipo de notícia antecipada gera situações engraçadas. Certo dia, alguém liberou, na France Presse de Paris, a prematura notícia da morte do papa Paulo 6º. Na Rádio Bandeirantes, uma das principais emissoras do país, o excelente locutor Lourival Pacheco, que estava no ar, deu a informação. A emissora já entrava com o aparato fúnebre (biografia, música sacra, personalidades dando depoimentos sobre a perda, prognósticos sobre os possíveis sucessores) quando chegou de Paris a informação de que tudo tinha sido um engano. Lourival Pacheco, preocupado em esclarecer a situação para os ouvintes, empostou sua esplêndida voz e corrigiu: “Lamentamos informar que, infelizmente, o papa não morreu”.
E, às vezes, nem é a notícia da morte que provoca tanta repercussão. Um dia, como é do destino humano, o papa Paulo 6º morreu, e os cardeais se reuniram em conclave para escolher o sucessor. Veio uma notícia pelos teletipos (sim, era o que se usava) da eleição de determinado cardeal. Xênia Bier, uma apresentadora excelente, popularíssima, sem papas na língua, que nunca tinha ouvido falar de autocensura, soltou os cachorros na TV ao vivo: como é que a Igreja tinha tido a ousadia de eleger aquele fascista horroroso, sujeito mais atrasado, onde já se viu? Imediatamente os telefones começaram a tocar, com telespectadores mais católicos indignados com os comentários. Em seguida, veio a correção: o eleito era outro, mais do agrado de Xênia. E ela, feliz, expandiu-se: “Eu sabia que a Igreja não ia fazer isso comigo!” João Paulo 1º tinha sido aprovado pela TV brasileira.
A volta do cipó de aroeira
A série de anúncios do Boticário para a TV é exemplar: provou que muitas vezes quem é contra faz o jogo do adversário. Brilhante!
Lembrando: o Boticário fez vários anúncios para o Dia dos Namorados, com as mais diversas duplas de pessoas namorando: homem com mulher, ambos jovens; homem mais velho com mulher mais jovem, mulher mais velha com homem mais jovem, homem com homem, mulher com mulher (este colunista gostou da ideia e dos anúncios, embora isso não tenha a menor importância no caso: acha que os anúncios retrataram uma realidade contemporânea – aliás, nem tão contemporânea assim, considerando-se que Lotta Macedo Soares e Elizabeth Bishop formaram um casal há mais de 50 anos, e que Sócrates – o filósofo que jogava na Seleção grega – formou um aplaudido casal com o mais brilhante general ateniense, Alcebíades).
Mas o que rendeu mais visibilidade à campanha do Boticário não foram os anúncios, aliás muito bons: foram os protestos de quem não admite que o amor entre seres humanos pode manifestar-se de diversas maneira. Nem que o Boticário usasse uma verba dez vezes maior conseguiria a mesma repercussão causada pelos protestos.
É o efeito-bumerangue: muitas vezes, o exagero nas reclamações serve apenas para dar maior visibilidade àquilo que se combate. O marketing do Boticário deveria dar prêmios aos que protestaram com mais veemência.
E os meios de comunicação, que registraram a guerra de tweets nas redes sociais, bem poderiam ter discutido um pouco o tema da liberdade de expressão. Criticar aquilo de que não se gosta, vá lá; mas tentar retirar os anúncios do ar já é um pouco demais. Jornalista de verdade não aceita censura e briga contra todos os que tentam implantá-la.
Inculta demais
E, já que os meios de comunicação não entraram fundo no assunto, poderiam ter ao menos cuidado mais de suas matérias. Primeiro, lembrando que os anúncios do Boticário não retratavam apenas casais homossexuais, mas todos os tipos de casal. Segundo, usar a expressão “temática gay”, um cacófato horroroso, demonstra que a Última Flor do Lácio, nossa língua portuguesa, está muito menos bela e muito mais inculta.
Oui, nóis falemo Engrish
Este colunista tem algumas estranhas peculiaridades em termos de compreensão de texto: consegue entender os discursos da presidente Dilma Rousseff, aqueles em que nenhuma frase está completa e nos quais o Império Inca é transferido da América do Sul para a América do Norte sem maiores formalidades; mas não conseguiu entender as palavras, em patuá anglo-tupiniquim, em que se explica que fechar uma série de publicações, vender outras para uma editora aparentada e demitir dezenas de jornalistas não é indício de crise, mas o bem-vindo sinal de um radioso porvir.
Este colunista é caipira e entende as coisas de modo simples. No caso, para fazer economia, passaram o nabo nas redações, fecharam as publicações que rendiam menos do que custavam e faturam algum, extremamente necessário, vendendo títulos que alguém ainda acha que vão dar lucro.
Mas como é que isso é explicado, naquela língua que faz um discurso de Dilma Rousseff parecer um delicioso texto de Fernando Portela? Vamos lá:
>> “Ela quer (…) vender sua expertise e seus conteúdos sob medida para os (…) consumidores que fazem parte do (…) Big Data (…) nas linguagens, plataformas e frequências desejadas (…) Partimos para alterar o mindset da empresa (…) branded content (…) conteúdos customizados, como native advertising ou qualquer outro tipo de content marketing.”
E há também jovens garotas nativas digitais. “Jovens garotas nativas” é uma expressão já conhecida dos filmes de Tarzan, dos livros sobre expedições na África e dos gibis do Fantasma. São moças que chamam os homens mais velhos de “bwama”. Mas “digitais”? Deve ter algo a ver com informática, ou com identificação nas carteiras de identidade, ou com tocar piano na delegacia. Porque, se não tiver, fica muito mais erótico.
Crescendo na contramão
Enquanto grandes editoras encolhem, pequenos negócios vão surgindo e lançando novas revistas. Nos últimos dias, fora do circuito das grandes cidades, surgiu uma revista promissora: a Vitrine Mulher, braço editorial da Vitrine Models. Local: Penápolis, interior de São Paulo. É um lançamento ousado: numa cidade de 60 mil habitantes, uma revista com 2 mil exemplares. Foi também um lançamento espetacular, com uma grande festa, transmitida por TV a cabo, e comandada por Viviane Canossa Cortez, da própria cidade, uma apresentadora bonita, simpática, com excelente domínio de palco, de primeiríssima linha. É surpreendente que ainda não tenha sido atraída por centros maiores. Agora é torcer para que, das cidades que até agora só consumiam produtos editoriais das grandes editoras, surjam novos produtos, revertendo, ao menos em parte, a tendência de declínio do setor de revistas.
A volta do pioneiro
Luiz Ernesto Kawall, jornalista pioneiro na gravação sistemática da voz de pessoas importantes – e também incentivador do Museu da Imagem e do Som, em São Paulo – está de volta: no sábado, 13, lança o segundo volume de Artes Reportagem, com histórias e entrevistas de artistas brasileiros. Entre as histórias, a criação do MIS, a criação da Vozoteca LEK (já doada à Universidade de São Paulo), o casamento do astro e da estrela da literatura de vanguarda Oswald de Andrade e Patrícia “Pagu” Galvão, a descoberta da única gravação da voz de Mário de Andrade. O livro é apresentado por José Henrique Fabre Rolim, presidente da Associação Paulista de Críticos de Arte, Ângelo Iacocca, Gabriel Kwak, Paulo Bonfim e o grande Salomão Esper. Local, Praça Benedito Calixto, SP, dia 13, das 14 às 17 horas.
Lá e cá
Rádio Eldorado 700 kHz, AM. A nota aqui publicada sobre as transformações da Eldorado, que virou rádio Estadão e hoje transmite programação religiosa, motivou José Flores, de Caxias do Sul, a relembrar a história da rádio Guaíba FM, orgulho de Porto Alegre, que teve uma trajetória parecidíssima com a da Eldorado.
“Música da melhor qualidade com programador exclusivo”, lembra Flores. “Programas semanais sobre assuntos variados, sempre com excelente redação. Propaganda lida, sem essas vinhetas horrorosas como as que existem hoje. Música de orquestra, cantores de voz suave. Excelentes locutores”. Só coisa boa. A pressão dos custos levou a Guaíba à decadência. E, como a Eldorado, acabou transmitindo programação religiosa. “Hoje temos jornalistas que saem da faculdade ganhando pouco e trabalhando muito, sendo explorados pelas emissoras. Não há mais reportagem: as informações vêm de ouvintes que telefonam para dizer que está chovendo em tal lugar, o trânsito está parado em tal rua, ocorreu um assalto na avenida tal”. O pessoal tem boa vontade; mas não é preparado para buscar todas as informações que interessem em cada caso – nem está na rua para isso: passa, vê, elefona, informa e vai embora. E a notícia completa? Bem, quem sabe, talvez esteja no dia seguinte no jornal.
Questão de números
OK, tudo muito bom, tudo muito bem, jornalista não gosta de números. Mas não gostar de números grandes, de equações complexas, é uma coisa; rejeitar as quatro operações talvez seja meio muito. Como aqui, numa reportagem sobre a renovação de contrato do goleiro Rogério Ceni com o São Paulo:
** “Com a renovação, o ídolo são-paulino pode fazer até 43 partidas pelo clube. O São Paulo fará mais 33 jogos no Campeonato Brasileiro e, se chegar à final da Copa do Brasil, entrará em campo mais oito vezes (…)”
Este colunista é do tempo em que o resultado de 33 mais 8 era 41.
Mundo, mundo
O jornalista Carlos Marchi acertou na mosca: “Pedro Bó encaixou mais uma manchete, ‘São Paulo lidera em número de uniões estáveis homoafetivas’. Pedro Bó não consegue entender uma coisa: qualquer comparação em números absolutos entre os Estados brasileiros vai mostrar São Paulo na frente, pela simples razão de que tem mais gente morando aqui. São 44 milhões de paulistas, mais que o dobro dos 20 milhões de mineiros, bem mais que os 16 milhões de fluminenses, 15 milhões de baianos e 11 milhões de gaúchos e paranaenses. Alguém aí pode desenhar isso para o Pedro Bó entender?”
Como…
De um grande portal informativo:
** “Após o crime, a jovem foi baleada na cabeça e não resistiu aos ferimentos”.
Este colunista é também do tempo em que o crime era balear alguém na cabeça.
…é…
De um grande jornal impresso, de circulação nacional, sobre Paraisópolis, tema da novela das 19h da Rede Globo:
** “A favela tem 788 m², com 17.159 imóveis (…) Esta é a segunda maior favela do Estado, perdendo em número de moradores para a comunidade da Rocinha, no Rio de Janeiro”.
Alguém precisa contar para o grande jornal que Paraisópolis fica em São Paulo, e não no Rio – caso em que seria a segunda maior favela do Estado, perdendo apenas para a Rocinha.
Alguém também precisa imaginar como é que se faz para colocar 17 mil imóveis em 788m². Dá mais de vinte imóveis por metro quadrado. Numa multidão compacta, cabem seis pessoas por metro quadrado, e ficam bem apertadas.
…mesmo?
De um grande portal noticioso:
** “Homem dá grito estérico ao se assustar”
Estérico deve ser aquele que tem esteria.
Frases
>> Da internauta Janice Tomanini, sobre o possível divórcio do príncipe Charles, Duque da Cornualha: “O cara abandona a princesa, se casa com o dragão e ainda é traído!”
>> Do jornalista Vítor Vieira: “A degeneração tomou conta da Universidade Federal de Santa Maria.”
>> Do internauta Hugo A-Go-Go: “Campanha => #PeleApoieaDilma”
>> Do jornalista Humberto Werneck: “Fazer 70 anos não chega a ser um drama. O problema maior talvez seja nunca mais fazer 69.”
>> Da internauta Nariz Gelado, lembrando Collor de jet-ski e Dilma na bicicleta: “No Brasil, presidente sempre monta antes de cair.”
>> Do jornalista José Nêumanne Pinto, apenas dando ênfase ao fato: “‘Não vou renunciar porque não tenho nada a ver com isso’, diz Del Nero.”
>> Do chargista Adão Iturrusgarai: “No futebol se ganha, se perde ou se empata. Na Fifa só se ganha.”
>> Da internauta Ana Ponsini: “Foi só o Pelé elogiar o Blatter que ele renunciou. Pelé, elogia a Dilma!”
>> Do jornalista Wilson Moherdaui: “O FBI decidiu investigar todos os envolvidos com a Copa de 2014 no Brasil. Menos o Fred, que, como ficou comprovado, não fez nada.”
E eu com isso?
Está bem, o frufru é a área jornalística que mais atrai os leitores, ouvintes, internautas e telespectadores. É também, de longe, a que obtém a maior compreensão e retenção as informações. Mas precisa exagerar tanto?
** “Fátima Bernardes tira o dia para fazer compras no Rio”
** “Arnold Schwarzenegger sai para jantar com a namorada”
** “Grazi Massafera deixa a academia de celular na mão”
** “Solteira, Mariah Carey cria perfil em site de namoro”
** “André Marques mostra peitoral torneado enquanto mima os próprios cachorros”
** “Naomi Watts se diverte jogando basquete com os filhos”
** “Zezé di Camargo curte evento com a namorada”
** “Miley Cyrus curte piscina à noite com amiga”
** “Ellen Jabour caminha com seu cachorro na Barra da Tijuca”
** “Scarlett Johansson confessa que não sabe lidar direito com a Internet”
** “Ticiane Pinheiro e Mc Guimê experimentam o buraco quente”
** “Marcos Pasquim entra e sai de lojas em shopping”
** “Elba Ramalho admite o uso de botox”
** “Ângela Bismarchi esbanja simpatia ao desembarcar no Rio”
** “Cátia Paganote revela que já usou roupa de paquita na ‘hora H’”
O grande título
Nesta semana, temos uma novidade: a inflação chegando às manchetes, não como assunto, mas como sua parte integrante.
De acordo com a CPTM, Companhia Paulista de Trens Metropolitanos, a greve dos trens afetou 500 mil passageiros.
Para um grande portal noticioso,
** “Greve da CPTM atinge milhões de usuários em São Paulo”
Temos também, como de hábito, aquelas manchetes que não são para consumo geral, mas apenas para um nicho de leitores:
** “Sheron Menezes ‘socorre’ casaco de amigo que caiu no chão molhado”
Certamente alguém deve entender o que aconteceu.
E temos a grande manchete – sim, foi um descuido, mas ficou ótima. Referindo-se à novela Os Dez Mandamentos, saiu este título:
** “Os dez mandantes”
O mais curioso é que saiu exatamente no portal noticioso da empresa que exibe a novela.
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Carlos Brickmann é jornalista, diretor da Brickmann&Associados Comunicação