Como não disse Churchill, a notícia é algo tão precioso que precisa ser protegida por uma muralha de boatos. Coisas sem importância também ajudam.
Note: desde que a bomba foi detonada, com a notícia sobre o apartamento do ministro Antônio Palocci, não apareceu nenhuma informação nova, relevante, sobre o tema. Há boatos sobre as empresas que teriam contratado a consultoria do então deputado, mas confirmação, mesmo, só duas: a da empreiteira WTorre e a da Amil, empresa de convênios de saúde. Comenta-se que Palocci teria recebido R$ 1 milhão para assessorar uma grande fusão de empresas; cochicha-se o nome de dois gigantes que se uniram, mas confirmação, nada.
Foi divulgada, como se fosse coisa relevante, a informação de que o piso do banheiro do apartamento comprado por Palocci é aquecido. O apartamento do centroavante Adriano também tem piso aquecido. Não chega a ser nenhuma inovação tecnológica, não chega a custar algo inacessível. E, num apartamento daquele preço, piso aquecido é tão normal como ar condicionado.
Outra informação que parece relevante, mas talvez não seja: o apartamento em que Palocci mora de aluguel pertence a uma empresa que, por sua vez, tem como proprietários pessoas muito pobres, com rendimentos mensais inferiores a R$ 800. OK, é esquisito; mas este colunista não conhece ninguém que, ao alugar um imóvel numa imobiliária, levante a ficha cadastral inteira dos proprietários. Não teria lógica. Normalmente é a imobiliária que levanta o cadastro de quem quer alugar o imóvel e o leva ao proprietário, já analisado, para a decisão final. A informação só será relevante se for possível comprovar que o imóvel pertence efetivamente a alguém das relações do ministro, que para não aparecer usa os laranjas. Mas isso até agora não entrou nas reportagens.
O resto é repercussão: o PT jogando Palocci às traças, o PMDB dando-lhe apoio (e muita especulação sobre os motivos que levam os peemedebistas a essa atitude), os possíveis substitutos do ministro. Os americanos perguntariam “where is the beef”, onde está a carne. E a gente só vê os acompanhamentos.
E que é que seria interessante descobrir? Primeiro, politicamente, quem disparou o tiro – só se sabe que é fogo amigo, com origem em áreas petistas que disputam o poder com Palocci. Segundo, quais os serviços oferecidos pela consultoria do deputado Palocci – menos por curiosidade, mais para certificar-se de que não se tratava de advocacia administrativa. Uma coisa é ensinar o caminho das pedras; outra é caminhar à frente, removendo obstáculos e atirando parte das pedras nos funcionários que insistirem, ô gente mais chata, em cumprir a lei. E, por pura curiosidade, por que o abrupto crescimento da receita da consultoria assim que se confirmou a vitória da candidata presidencial de Palocci e se consolidou a certeza de que ele seria novamente ministro, e dos fortes.
Claro, não pode ser uma explicação como aquela, de que os clientes que deixariam de receber os serviços contratados se apressaram em pagar o restante dos contratos. Essa é meio esquisita, meio fora de prumo. Se a empresa suspende suas atividades e por isso não entregará os serviços que combinou entregar, o normal é que o cliente suspenda o pagamento, em vez de antecipar-se e pagar tudo aquilo que comprou e não recebeu. É preciso pensar em algo mais bem elaborado (e que, definitivamente, não foi o lero-lero a que o ministro se dedicou na TV). A opinião pública pode até acreditar em alguma mentira, ou aceitá-la como mal menor, mas que não seja uma mentira tão grosseira que a faça sentir-se idiota.
O demônio da vez
Este colunista já viu na TV, certa vez, o apartamento de um cavalheiro perseguido pela emissora, em que se informava que estava localizado numa das regiões mais caras de São Paulo, os Jardins. Falso: a distância é de uns dez quilômetros e os bairros têm padrão muito diferente. Já viu também outro cavalheiro demonizado que tinha erguido um suntuoso palácio nos Estados Unidos, “com torneiras de ouro puro, de 24 quilates”. Pena que torneira de ouro não funcione bem: o ouro puro é muito mole, não aguenta (é por isso que as jóias usam ouro 18 quilates, com 75% de ouro e 25% de ligas metálicas que lhe dão resistência). As torneiras, claro, não eram de ouro. E, a propósito, a casa não era um palácio, nem era do cavalheiro atacado: era uma boa casa, de alto padrão, e o proprietário era outro. Fizeram a reportagem na casa errada.
A vítima agora é Palocci. Numa reportagem sobre prédio em que fica o apartamento que comprou, apontam-se como requintes de luxo oriental coisas como churrasqueira, forno de pizza, banheira de hidromassagem, aquecimento central. Tem também estacionamento para visitantes! E salão de festas! E playground! No apartamento propriamente dito, há requintes ainda mais extremados, como quarto e banheiro de empregada, banheira de hidromassagem, persiana motorizada e, pasme o leitor, lareira! Mais um pouco, o nababesco imóvel teria também luxos como luz elétrica, fogão a gás, latas de lixo e água quente no chuveiro.
Deve haver quem considere a Brasília 1977 um ícone do luxo e do requinte. OK, cada um com suas preferências. Mas considerando-se que os meios de comunicação têm editores, diretores editoriais, uma abundância de chefes, a preferência de tanta gente pela Brasília 1977 e o Aero-Willys 1966 soa um pouco estranha.
Engasgando na rosquinha
O deputado federal Sandro Mabel, do PR goiano, até agora era famoso por um único motivo: é dele a rosquinha, cedida gratuitamente, que os parlamentares tanto apreciam. Mabel costuma chegar a Brasília com sacos de rosquinhas fabricadas por sua empresa, a Mabel, e distribuí-los a aliados e adversários.
Agora Sandro Mabel busca notoriedade por outros meios: é seu o projeto que transforma em crime a divulgação, pela imprensa, de investigações sigilosas. O projeto de Mabel foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara e tem tudo para passar em plenário. Os deputados gostam de Mabel e da rosquinha que ele fornece e detestam a imprensa e as notícias que ela oferece. A proibição da divulgação de investigações sigilosas e de processos que correm em segredo de justiça seria ótima para Suas Excelências: pouparia o senador José Sarney, por exemplo, de manobrar em defesa de seu filho Fernando, que comanda o império empresarial da família, e que consegue há quase dois anos manter sob censura o noticiário do Estado de S.Paulo.
E por que repórteres teriam o direito de divulgar informações sigilosas?
1.O direito à informação não é do repórter nem da empresa jornalística: é do cidadão, do consumidor de informações;
2.A guarda do sigilo cabe às autoridades responsáveis por ele. Jornalista não é agente público nem responsável pela guarda de sigilo algum. Sua missão é contrária à dos agentes públicos: a deles é guardar a informação, a do jornalista é divulgá-la, desde que a obtenha por meios legais.
3.O patrão do agente público é o Estado. O patrão do jornalista, em última análise, é o consumidor de informação. Se o Estado quer sigilo, que o guarde, porque o jornalista, se o descobrir, irá divulgá-lo.
É preciso tomar cuidado ou a informação passará ao largo do público (se hoje, que às vezes se transforma em fato de conhecimento geral, a gatunagem está como está, imagine se houver sigilo garantido, com cadeia para o jornalista que o divulgar). E Sandro Mabel é um parlamentar esperto: chegou ao extremo de mudar de nome em política (sua identidade real é Sandro Scodro) para aproveitar o recall que a maciça propaganda dos Biscoitos Mabel lhe pode trazer.
A propósito, parece que o projeto é inconstitucional. Mas aí falta um monte de reportagens, ouvindo especialistas na área, para mostrar se pode ou não pode.
Reciclando a censura
O mundo está muito chato. Imagine o caro colega que nem Heitor Villa-Lobos escapa da censura politicamente correta (os chatos não aceitam que Samba-Lelê, por exemplo, precise de umas boas palmadas, porque, explicam, isso faz com que as crianças aceitem a violência; nem que o cravo tenha brigado com a rosa, porque, explicam, isso é um símbolo da violência masculina contra as mulheres – embora, na briga, o cravo também tenha ficado ferido).
Agora, continua censurado, para distribuição gratuita a estudantes de escolas públicas, uma seleta de contos brasileiros (parece que o texto sempre competente e agradável de Ignácio de Loyola Brandão andou ofendendo suscetibilidades). Isso quando um dos livros mais belos já escritos no mundo, a Bíblia, traz tudo em matéria de sexo e violência, e ninguém, exceto talibãs e seus adeptos, tem a idéia idiota de censurá-la.
A censura das antigas
Henrique Veltman, jornalista de primeiro time, conta uma história deliciosa. Lá por volta de 1962 ele redigia um programa infanto-juvenil na Rádio Globo, do Rio, A Escolinha do Caçula. A Antarctica, patrocinadora do programa (e produtora do Guaraná Caçula, uma garrafinha pequena do tradicional guaraná), mantinha um comitê de senhoras para acompanhar o texto (e, naturalmente, censurá-lo). Odiavam “a violência de certas histórias”. Veltman recorreu então à Bíblia e a jóias da literatura infantil do tempo delas – por exemplo, João e Maria.Aquela cena da Bruxa Má examinando o dedinho das crianças para ver se já estavam no ponto fez com que as senhoras ficassem bem mais tolerantes.
E hoje o que não falta são comparações. Por exemplo, qual a violência nas músicas de Villa-Lobos quando podemos ler coisas bem mais violentas em termos de assalto a fundos públicos – ou mesmo quando um candidato ao Senado foi escolhido pelo partido (e, felizmente, derrotado) apesar de seu passado de espancador de mulheres?
O destino da cultura
Para atrapalhar quem trabalha na cultura brasileira, não falta gente. Para ajudar é mais difícil. Os primeiros exemplares de Tico-Tico, a primeira e uma das revistas em quadrinhos mais importantes do país, foram furtados da Biblioteca Nacional. Isso ocorreu há um ano, e só agora o fato foi divulgado.
O Tico-Tico circulou de 1905 a 1957, criou personagens brasileiros de quadrinhos (como os amigos Reco-Reco, Bolão e Azeitona), trouxe pela primeira vez personagens estrangeiros como Mickey, Popeye e O Gato Felix. E mesmo assim não tomaram conta dos exemplares arquivados.
Vida inteligente…
A imagem captada pelo repórter fotográfico Gustavo Miranda (O Globo, 3/6) é de antologia: a presidente Dilma Rousseff discursava no lançamento do programaBrasil sem Miséria, eMiranda captou o momento em que a sombra da presidente parecia apontar o dedo em riste na direção de Palocci. Esplêndida!
…na imprensa
O excelente Diário do Comércio, da Associação Comercial de São Paulo, teve mais um momento de intenso brilho: na capa, sozinha, a estátua de Moisés, de Michelangelo – aquela em que o artista, ao concluí-la, deu uma martelada no joelho, ordenando “Fala!” A estátua, com as palavras “Parla!”, “Parla!”, teve o rosto de Moisés substituído pelo de Palocci. Muito, muito bom.
Cadê a notícia?
Sim, é difícil encontrar essas coisas nos meios de comunicação. Até estão lá, mas sempre bem disfarçadas, para que ninguém preste muita atenção nesse tipo de fato. O investimento é publicado, mas por que ele está sendo feito, não. Por exemplo, lembra aquela refinaria que Hugo Chávez queria construir em sociedade com a Petrobras, em Pernambuco? Pois bem: até agora não mandou um centavo. E a Petrobras decidiu investir mais R$ 16 bilhões para tocar as obras da refinaria, sem esperança de que os venezuelanos decidam pagar sua parte. Chávez não entrou de sócio nem no empréstimo que a Petrobras conseguiu no BNDES, de R$ 10 bilhões, para iniciar as obras.
Bons livros
1.Coisa quente: Gilberto de Mello Kujawski, ótimo escritor, intelectual aplicado, corajoso na defesa de suas convicções, lança o livro Machado de Assis por dentro. Tudo o que Kujawski escreve merece ser lido com atenção (e prazer). Um livro dele sobre Machado não pode ser perdido. Na quinta-feira (9/6), na Livraria da Vila, Alameda Lorena, 1.731, das 19 às 22h, SP.
2.Sidnei Maschio, jornalista (esteve, entre outros, no Jornal da Tarde, SP) e poeta, lança na quinta-feira (9/6), os Versinhos de Caipira. Na Livraria Cultura do Shopping Villa-Lobos, SP, a partir das 19h.
Será que os dois não podiam ter combinado datas diferentes? Ficaria bem mais tranquilo ir ao lançamento dos dois livros.
Como…
Na discussão sobre os livros bichados do Ministério da Educação (um ensina a fazer contas erradas, outro garante que corrigir erros no texto é preconceito), repetiu-se à exaustão, nos jornais e revistas, que falar e escrever direito é essencial para a ascensão cultural, social, para a busca de um bom emprego.
Aí, o anúncio de uma empresa de busca de mão de obra publica seu release. Nele, o leitor é convidado a participar dos “precessos” seletivos, mostrar suas “experências” e confirmar a candidatura a vagas de seu “enteresse”. A empresa garante que tem contato com milhares de empresas que passam o tempo “pesquizando” currículos.
…é…
Você conhece o tipo: um armário cheio de diplomas de pós-graduação, brasileiros e internacionais, conhecimento profundo de oito ou nove línguas (nenhuma delas aquela com a qual trabalha, o Português), acusações pesadas a quem quer que seja contra a obrigatoriedade do diploma. Esta coluna recebeu o seguinte bilhete:
“Alguem pode me dar o contato do jornalista (omitimos seu nome – mas também está escrito errado) haja vista monografia abordando genero jornalismo investigatibvo e a análise é em cima do livro dele”
Este colunista tem todos os contatos do jornalista que está sendo procurado. Mas só irá fornecê-los a quem pelo menos souber como é que ele se chama.
…mesmo?
De um dos principais portais noticiosos, a respeito da greve dos ferroviários de São Paulo:
** “(…) os trabalhadores pedem cerca de 10% e a CPTM oferece cerca de 10%”.
Então, qual era a briga?
Mais uma
Do noticiário esportivo de um grande jornal:
** “Alemanha deixa Áustria em situação delicada”
E aponta a Alemanha como atual vice-campeão mundial. Pois é: a Alemanha já foi vice, e por quatro vezes. Mas não é a atual vice.
Mundo, mundo
Há coisas que só podem acontecer no Brasil. Trabalhar de graça, por exemplo, é coisa que existe no mundo inteiro – ou por benemerência, ou para receber no futuro, pelos mais variados motivos. Mas fazer um anúncio convidando alguém para trabalhar de graça?
Pois está aqui: o jornalista é convidado a trabalhar de graça no interior do estado do Rio de Janeiro, num site de noticias. “O trabalho não é remunerado”, diz o release, “mas trata-se de uma experiência profissional interessante”. Detalhe: os, digamos, voluntários, passarão ainda por um processo de seleção, no qual terão de demonstrar que conhecem boas técnicas jornalísticas e são proativos.
O caro colega pensa que trabalhar de graça é fácil?
E eu com isso?
Concurso para escolher funcionários gratuitos, textos escritos numa língua meio esquisita – ainda dá para entender, será de alguma forma ligada ao Português? – censura sempre, apesar da Constituição. Não, chega: bom mesmo é se preocupar com a vida dos famosos. Aí não tem erro:
** “Supostos namorados, Maria Paula e Bruno Garcia almoçam com filhas”
** “Homem é eleito uma das 100 mulheres mais sexy do mundo”
** “Valeska Popozuda vai às compras no Rio de Janeiro”
** “Congressista americano nega ter publicado foto de ereção no Twitter”
** “Fernanda Paes Leme almoça com namorado e ganha comida na boca”
** “Guru anuncia greve de fome e pede ‘forca1’ para corruptos”
** “Deborah Secco: ‘São 23 anos de carreira que caio nessa roubada’”
** “Cientistas estudam arte de imitar sons com a boca”
** “Bando invade farmácia e furta 300 camisinhas na BA”
** “Com decotão e vestidinho, Melancia desce até o chão em show de Belo”
Não é vantagem: este colunista também é capaz de descer até o chão (talvez não no show de Belo). O problema é levantar-se depois.
O grande título
Há um ótimo:
** “Pessoas participam de Marcha das Vagabundas”
Quem mais poderia participar, além de pessoas?
E um imbatível:
** “GRUPO VIOLADO NA TV APARECIDA”
Justo na TV Aparecida, tão ligada à Arquidiocese? Mas maldito seja aquele que pensar mal: o Grupo Violado é um conjunto de viola, que vai tocar na TV católica. Aliás, um grupo muito bom.