Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Multidões e multidões

Milhões na Marcha Evangélica, milhões na Parada Gay. A imprensa aceita os números, em geral, atribuídos à Polícia Militar (por algum motivo estranho, jornalista acredita que os soldados da PM são peritos em calcular multidões). Só há um problema: na Avenida Paulista não cabem milhões de pessoas.

O estudante de jornalismo José Antônio Rodrigues, 24 anos, mediu a Avenida Paulista [ver remissão abaixo]: tem 2.500 metros de extensão e 51 de largura, incluindo as calçadas. São 127.500 metros quadrados. Uma multidão extremamente compacta tem seis pessoas por metro quadrado (faça o teste: é preciso apertar-se muito para caber). A Paulista, compactamente lotada, recebe 765 mil pessoas. Mas não é assim: as passeatas começam em frente ao prédio da Gazeta e vão para a Rua da Consolação, a 1.600 metros de distância. São 81.600 m², onde caberiam 469.600 pessoas. Caberiam, mas não cabem: as últimas passeatas ‘de milhões de participantes’ ocuparam uma pista, apenas. Reduza-se, assim, o número milionário à metade.

Claro que as passeatas não são estáticas: há gente chegando, gente saindo, grandes grupos nas ruas transversais. Mesmo assim, se na principal via da passeata cabem 235 mil pessoas, em situação de amontoamento, como é que se chega ao cálculo de milhões? Este colunista sabe a resposta: chutando.

Rodrigues estuda jornalismo e pretende fazer jornalismo na avenida: esteve nas passeatas com uma equipe e está elaborando um informe sobre o número real de participantes – aquilo que a imprensa deveria fazer e não faz. Se quiser recebê-lo, escreva para (jornalismoinvestigativo@yahoo.com.br). É de graça.



Mar aberto

Há muitos e muitos anos, a Folha de S.Paulo publicou manchete informando que dez milhões de japoneses emigrariam para o Brasil. O esplêndido chefe de reportagem Adilson Laranjeira chegou de manhã cedinho, viu a manchete e fez a pergunta fatal: ‘E como é que eles virão? Nadando?’

A Marcha Evangélica e a Parada Gay enfrentam um problema semelhante: em ambos os casos, as multidões da imprensa superam fartamente a capacidade do sistema de transportes. As quatro linhas do Metrô, juntas, transportam em dias úteis 1 milhão e 700 mil pessoas. Como é que esse povo todo volta para casa?



Boa notícia

De qualquer forma, a cobertura da Parada Gay trouxe um ponto positivo: além dos aspectos folclóricos e das matérias de comportamento, a imprensa abriu espaço à manifestação, sem preconceito, na Economia. A Parada Gay é um fenômeno que não pode ser ignorado no desempenho da economia paulistana.



Como é mesmo?

Um grande jornal abriu manchete sobre uma suspeita de propina nos Correios, relacionada à compra de laptops de uma determinada empresa. Ocorre que a empresa em questão não produz nem vende laptops: trabalha com coletores de dados e sistemas de leitura óptica de código de barras. Uma simples consulta ao portal da empresa mostraria quais os seus produtos. E o jornal poderia até mostrar, em box, o que são coletores de dados e leitores de códigos de barras.

A propósito: considerando-se que a propina envolvia laptops e a empresa citada não tem laptops para vender, onde está o erro: a empresa foi citada erroneamente (e merece uma retificação) ou a propina nada tinha a ver com laptops?



Horror, horror

Gente, que tristeza! Entre o fechamento da loja antiga e a abertura da loja nova, os jornais ficaram 14 dias sem notícias da Daslu!



Que fim levou?

Que aconteceu com a lombriga do salmão? Fomos informados de que era perigoso comer salmão cru, a menos que tivesse sido congelado a determinada temperatura. E daí? Já podemos comer salmão sem problemas?

A propósito, não levemos em conta a palavra do ministro da Pesca. Primeiro, porque o Brasil não pesca salmão. Segundo, porque a história de uma conspiração imperialista internacional contra o salmão chileno é meio dura de engolir.



Vale a pena – 1

A reportagem do Jornal Nacional, da Rede Globo, foi simples e definitiva. Não usou truques, não ouviu especialistas dos dois lados, nada dessas coisas chatas. Fizeram apenas uma reportagem: seguiram os carros deixados no valet service (a propósito, por que essa bichice de nomes em inglês para manobristas?) e filmaram onde são estacionados, e como são tratados. Terrível: o pessoal mexe nos carros, tira pacotes, vê o que há no porta-malas. E muitas vezes deixa os carros na rua, mesmo – embora cobre preços altos para mantê-los em local seguro. Finalmente, como o estacionamento é longe, os manobristas se apertam no carro de um cliente desavisado para retornar – no caso, havia oito num Classe A.

É reportagem para sacudir as autoridades. As provas estão todas lá.



Vale a pena – 2

O filme Quanto vale ou é por quilo?, de Sérgio Bianchi, exibe um lado da história normalmente ignorado: no caso, os gigolôs da miséria, gente que vive da pobreza dos outros e que, se a pobreza for extinta, perderá seu salário. É claro que nem todas as ONGs são assim, mas há as que são; e é preciso identificá-las.

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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados