1. Um dos textos mais curiosos que este colunista leu nos últimos tempos é um protesto contra a reportagem de um grande jornal sobre a vida atual de Cesare Battisti. O jornal é acusado de parcialidade porque, entre outras coisas, enganou o entrevistado: prometeu que não faria perguntas comprometedoras e não distorceria suas declarações. E algumas frases foram comprometedoras – mas verdadeiras, gravadas. O acusador ficou irritadíssimo com a foto de Battisti num bar, tomando cerveja. Que é que queriam que o cavalheiro, morando numa casa de praia, numa pequena cidade, ainda sem emprego, fizesse num dia de sol e calor? Relesse Marx, Gramsci, Lênin? O mais engraçado é o mea-culpa: pelo que diz a acusação, quem recomendou que Battisti desse a entrevista achou que o repórter deveria ser confiável, pois seus pais eram de esquerda. Algumas questões:
a) A entrevista foi distorcida? Aparentemente, não: está gravada. Se o entrevistado disse o que seus amigos achavam que não devia dizer, isso não é problema do repórter.
b) A foto é falsa? Aparentemente, não; mas o repórter é acusado de ter induzido o entrevistado a ir ao bar para ser fotografado com a cerveja na mão. OK; mas será que um adulto como Battisti precisa ser induzido a ir ao bar?
c) Desde quando ter pais de esquerda garante a confiabilidade de alguém?
2. Este colunista costuma acusar os fotógrafos de sempre fazê-lo parecer gordo (e o barbeiro de ter raspado demais o cocuruto, fazendo-o parecer careca).
Pois não é que agora estão fazendo a acusação a sério? Aquela famosa imagem de José Dirceu, com um sorriso esquisito, entre Dilma e Lula, foi apontada como possível falsificação, por um blogueiro que não consegue imaginar que seu ídolo apareça feio numa foto (“com uma aparência literalmente ‘demoníaca’”). Não, não é falsificação: foto de vez em quando prega essas peças. Outro dia, não parecia que a presidente Dilma tinha sido trespassada por um espadim e caía para a frente? Ilusão de óptica: a foto era verdadeira, mas aquele efeito só podia ser conseguido naquele instante, daquela posição, e sempre por puro acaso.
Há muitos e muitos anos, o então presidente paraguaio Alfredo Stroessner costumava vir ao Brasil para assistir à feira de gado de Uberaba. Uma foto, tirada num desses momentos mágicos, mostrava Stroessner à frente de um touro, e parecia que os chifres eram dele. Na época, não havia photoshop, nem manipulação eletrônica. Nem o mais fanático seguidor de Stroessner diria que a foto tinha sido manipulada. Adivinhem qual a foto escolhida, todos os anos, para ilustrar a reportagem sobre a feira agropecuária.
3. As marchas contra a corrupção. Parece que em Brasília houve um grande número de participantes, nos Estados o número foi bem menor. Mas o engraçado é como a multidão é calculada: de acordo com a posição ideológica do repórter ou do veículo de comunicação. A julgar pelos adversários da marcha, havia tão pouca gente que eles poderiam ter contado facilmente quantos eram (e por que não o fizeram, eliminando as dúvidas?) A julgar pelos partidários, a marcha nos estados foi rala, mas teve uma série de repetições, de maneira que, no final das contas, houve um bom comparecimento. Os dois lados, claro, estão errados.
Este colunista se recorda da Marcha da Família, em São Paulo, que lotou o centro da cidade. Conforme a ideologia, havia lá meia dúzia de patrões com seus empregados, ou um milhão de pessoas (os dois lados, claro, estavam errados). Mas havia muita gente, sim – até mesmo um metalúrgico que chegaria à Presidência, e que ali gritava contra o comunismo e o governo Goulart.
Dez anos, mil versões
Os dez anos do ataque terrorista às Torres Gêmeas motivaram ideólogos do mundo inteiro: como tudo que ocorre é culpa dos americanos, então foram os americanos que derrubaram as Torres, matando mais de três mil compatriotas, para botar a culpa nos outros (aliás, com a cumplicidade, que também não pode faltar, de Israel e do “sionismo internacional”). A argumentação é curiosa. Por exemplo, e os filmes dos ataques? Não existem: foram manipulações eletrônicas. Cadê os passageiros dos aviões que bateram nas Torres e do que caiu? Simples: foram todos mortos pelo governo americano, já que quem não se incomoda em matar três mil pessoas numa implosão provocada também não faz questão de matar mais uns trezentos ou quatrocentos passageiros. E as comunicações dos passageiros via celular, contando o que acontecia? Tudo forjado pela moderna eletrônica. Ou seja, já que o cavalheiro acha que as Torres foram derrubadas pelos próprios americanos, então foram os americanos que derrubaram os outros aviões. Como diria o Pelé, entendje?
O mais estranho é que a al-Qaeda, responsabilizada pelo ataques às Torres Gêmeas, nunca se preocupou em dizer que não tinha nada com isso. Ao contrário, proclamou seu feito e prometeu novos e devastadores ataques. Não faz mal: para o pessoal que não acredita, foi daquele jeito, e pronto.
Afinal de contas, não existe ainda uma Sociedade da Terra Plana, que nega que nosso planeta seja redondo? Não existe quem duvide até hoje da chegada do homem à Lua? Quanto aos fatos, danem-se os fatos.
Linha do tempo
Numa revista mais citada do que lida, uma ativista pró-palestinos sustenta que o muro que separa Israel dos territórios palestinos foi construído primeiro, e os ataques terroristas vieram depois. Independentemente de posição política, é só consultar os meios de comunicação da época: o muro foi a solução encontrada por Israel, boa ou ruim, para evitar que os ataques continuassem. E funcionou: o número de ataques caiu.
A discussão sobre o local em que o muro foi construído, se invade ou não territórios destinados pela ONU ao Estado palestino, é outra: tem a ver com a disputa territorial entre israelenses e palestinos. Mas o fato histórico é que primeiro houve os atentados e depois o muro. Mas, como isso não interessa à ativista, a História muda conforme sua preferência política.
Quem é quem?
Na Tunísia, aparentemente, não houve grandes mudanças com a revolta que derrubou o ditador de plantão: a mesma elite que sustentava a ditadura mudou de lado e hoje é democrática desde criancinha. No Egito, parece também que não houve grandes mudanças, exceto de dinastia: quem mandava eram os militares, por intermédio do presidente Hosni Mubarak (ele mesmo antigo comandante da Força Aérea) e de seu filho Gamal, e hoje quem manda, sem interpostas pessoas, são também os militares.
Mas, na Líbia, a coisa é mais complexa: há divisões por religião (embora quase todos sejam muçulmanos sunitas, alguns querem seguir a lei religiosa na vida civil, outros preferem um Estado secular), por regiões (durante séculos, não houve Líbia, mas Tripolitânia, com Tripoli como capital, e Cirenaica, com Benghazi como capital), por clãs (Kadafi, por exemplo, pertence ao maior clã do país).
É onde os meios de comunicação, e não só os brasileiros, falham: tomamos conhecimento de batalhas, mas não sabemos ainda quem tem a maior fatia do poder entre os insurretos, que estão vencendo a guerra. Também não sabemos qual o poder que resta a Kadafi: há semanas, pelo menos desde a tomada de Tripoli, somos informados de que o regime está caindo, mas até agora não caiu. Kadafi parece ter apoio mais sólido do que parecia a quem acompanhava a crise líbia pelos meios de comunicação.
O caso sírio tem sido mais bem analisado, com a aliança entre alauítas (um ramo do islamismo xiita), católicos, ortodoxos, a elite do país, ao lado do presidente Assad; e os sunitas, especialmente os fundamentalistas, comandando a revolta. Mas falta explicar, por exemplo, a atitude de dois países vizinhos da Síria e cuja posição é importante: Turquia e Israel. A Turquia durante muito tempo foi a ponte entre o Ocidente e a Síria, formando um contraponto à força do Irã. E Israel, embora considere Assad um inimigo perigoso, prefere seu regime, que controla o país, a fundamentalistas religiosos que talvez não tenham comando tão firme – e isso embora a Síria seja aliada do Irã e forneça armas ao Hizbolá, movimento xiita libanês dedicado à destruição de Israel.
Complicado? O mundo é complicado. E cabe aos jornalistas explicá-lo.
O portal da História
Anote a data: dia 19, às 19h, no Museu da Imagem e do Som, Avenida Europa, 158, em São Paulo. Nesta data, sai o grande portal com a história da ditadura brasileira, de 1964 até 1989, data das primeiras eleições diretas em quase 30 anos: Brado Retumbante. É mais que um livro: é um projeto multimídia, com mais de duas mil fotos e depoimentos de 70 pessoas e um site. Todo o projeto será a base de um livro que está sendo preparado pelo jornalista Paulo Markun. Um belo projeto, mostrando muita coisa até agora mantida em segredo e relacionando fatos que muitos conhecem, mas que, expostos em conjunto, ganham novo significado. O patrocínio é da Uninove.
Não me comprometa
A febre do “teria” e do “suposto”, que se baseia nos princípios do “não me comprometa” e da falta de apuração (“se alguém reclamar, que é que eu digo?”), atingiu um novo patamar num grande jornal:
** “O Ministério Público Federal (…) denunciou sob acusação de improbidade administrativa 12 suspeitos de envolvimento em um suposto esquema (…)”
Doze “suspeitos” de envolvimento em um “suposto” esquema? Afinal de contas, está ou não acontecendo alguma coisa?
Como…
De um grande jornal:
** “O blogueiro (…) visitou Sócrates (…) e endossou o discurso de que o ex-jogador ficou próximo de morrer.”
Agora, com o endosso do blogueiro, os médicos podem ficar sossegados.
…é…
No título de um importante portal noticioso:
** “Tio que filmou sobrinha com câmera em banheiro é condenado no RS”
No texto da mesma notícia:
** “Tio gravou cenas de sexo com boneca inflável usando roupas de sobrinha.”
A propósito, não era ele que usava as roupas da sobrinha. Era a boneca.
…mesmo?
De uma coluna social:
** “Segundo a organização, 800 pessoas eram esperadas para o coquetel, regado a champanhe, patê de foie gras e risoto de vitela e cogumelos”.
Regado a champanhe, vá lá. Mas como regar um coquetel com patê, que é cremoso, e cogumelos, que são sólidos?
Esporte espetacular
De um grande jornal, noticiando a convocação da seleção argentina:
** “Entre os convocados da Argentina, estão Verón, 35 (…) e Verón, 36”
Esta a Argentina não perde: Verón já é bom sozinho, imagine em dupla com ele mesmo!
Coisas da política
Duas notícias num mesmo jornal, no mesmo dia, falando de Soninha – Sônia Francine, pré-candidata à Prefeitura de São Paulo:
Caderno de política: “Soninha é do PV”.
Caderno de variedades: “Soninha é do PPS”.
O caderno de variedades tem razão: Soninha é do PPS. E nunca foi do PV.
Mundo, mundo
Não precisamos ir longe: aqui mesmo no Brasil, no interior de São Paulo, perto de Salto Grande, podem acontecer coisas bem estranhas. Por exemplo:
** “Incêndio consome carga de gelo na Raposo Tavares”.
O caminhão, com gelo e tudo, foi destruído.
E eu com isso?
Quinhentos bilhões de dólares no plano econômico de Obama? Besteira: não faz muito tempo ele botou 800 bilhões de dólares e não resolveu. Governo querendo economizar em Brasília? Besteira: cada setor quer aumentar sua parte, enquanto é tempo (e que economia é esta que mantém o governo com 40 ministérios)? Inflação ameaçando subir? Besteira: o presidente do Banco Central diz que tudo bem, que a diagonalização do centro geométrico da meta hexagonalmente precalculada faz com que as previsões dêem certo, mesmo que não estejam lá tão certas assim.
Então, vamos às notícias legais: aquelas boas para um cafezinho sem compromisso (de preferência com biscoitos, porque o colunista não ficou deste tamanho comendo alface com rúcula, “regada” a grãozinhos de alpiste).
** “Tyra Banks conta a revista que não depila as pernas”
** “Vitor Belfort e Joana Prado almoçam no Rio”
** “Anne Hathaway é clicada feliz”
** “Paulo Vilhena aproveita dia de sol no mar”
** “Bono Vox foi arrastado por cachorro durante passeio”
** “Danielle Winits e outros famosos levam filhos ao teatro”
** “Hilary Swank adota cachorro”
** “Sophie-Charlotte aparece descabelada em ensaio fotográfico”
** “Victoria Beckham melhora de dores e vai às compras com filha”
** “Grávidas, Letícia Birkheuer e Caroline Figueiredo circulam na praia”
O grande título
Excelente a safra desta semana. Começamos com uma história deliciosa (que não é bem como o título do jornal conta):
** “Diretor manda e-mail errado para mãe de zagueiro e cai do City”
O diretor-executivo do Manchester City, Gary Cook, discutiu com a mãe do zagueiro Nedum Onuoha, que agencia o filho, e lhe mandou um e-mail no qual ridiculariza a doença de que ela sofre – câncer. Foi demitido.
Mas o e-mail não estava errado, não: era para a mãe, foi para a mãe, e ele disse exatamente o que queria. Talvez só não esperasse perder a boquinha.
E, por falar em coisa errada,
** “Senador do PDT batiza coalização de ‘balaio de gatos’”
“Balaio de gatos”,vá lá. “Coalização” é duro de engolir. E nessas “coalizações” políticas, nunca falta no balaio, e em grandes quantidades, aquele bichinho que gato adora caçar.
Agora, o grande título:
** “Acidente com ônibus mata um morto e fere 24”
Não acontecia nenhum falecimento de falecido desde que Jorge Amado escreveu o clássico A morte e a morte de Quincas Berro Dágua.