Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

‘Não acredito em internet’

Michel Lent é um sujeito suave, a começar da voz. Uma voz aguda, relaxada, de chopinho em Ipanema às seis da tarde, como o bom carioca que nunca deixou de ser, embora já tenha vivido nos Estados Unidos e more desde 2000 em São Paulo. Fez um caminho meio ao avesso: começou na profissão em 1994, em Nova York, onde estudou e se formou em mídia interativa. Voltou ao Brasil em 1996. Tornou-se uma das principais referências na matéria e está à frente, hoje, do departamento de criação da 10 Minutos S.A., agência de comunicação digital de que também é sócio.

Entretanto Michel Lent não é daqueles que falam de internet como se ela fosse uma entidade quase sobrenatural, presente nos melhores terreiros e mesas brancas da cidade. Ou como aqueles que, como afiliados de um hipotético PIR, o Partido da Internet Raivosa, insistem em defender o meio como o cão demente o osso.

O publicitário até assusta a gente: ‘Não acredito em internet’. E, enquanto a gente faz cara de quem não entendeu nada, como um cara que vive do meio não acredita nele?, Michel explica: ‘Porque não acredito em internet por internet. Acredito em internet com números, com resultado, com indicadores’. Profissionalismo e maturidade.

Nesta entrevista, o publicitário percebe um grande fato novo, proporcionado pela tecnologia: a possibilidade de todo mundo produzir conteúdo e divulgá-lo. ‘Hoje, para ser visto e ouvido, não depende mais de ninguém, o monopólio da publicação desapareceu’. Mas, para Michel Lent, a tecnologia, por si só, não resolve toda a questão: ‘Talento não nasce em árvore. Você precisa aprimorar’.

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Você é uma das principais mentes da colaboração, um dos caras que mais entendem do assunto. Então gostaria de começar por aí. O barateamento da tecnologia, a democratização dos meios, é, hoje, o principal fato? Trazer o consumidor, o leitor para participar da produção é uma quebra de paradigma?

Michel Lent – Acho que é uma quebra de paradigma. A gente sempre quis se comunicar, mas não tinha como. A novidade está na facilidade que as pessoas hoje têm de poder acessar esse material, essas ferramentas, e conseguir se expressar. Tem uma regra aí: só 1% dos que lêem de fato colaboram ou participam. Por isso, quando se pensa em participação, não pode mistificar muito essa história. As pessoas de fato participam, mas é pouca gente. Então é assim: participa, sim, mas não é todo mundo que vai querer participar.

Mas aquelas pessoas que têm vontade de produzir, hoje, têm acesso a um ferramental de forma muito barata e, em determinados momentos, quase de graça. Isso dá margem a uma quantidade de conteúdo produzido. E, da quantidade, naturalmente vem a qualidade.

A humanidade está melhorando de certa maneira. Acho que as pessoas hoje se informam muito mais do que no passado, porque têm acesso à informação. Isso é um divisor de águas. E, porque a ferramenta é barata, as pessoas produzem e erram praticamente sem custo. Por exemplo, na fotografia: você consegue produzir e aprender com seu erro. Sempre me interessei por fotografia e, quando era garoto, estudava com filme analógico. Então tinha um limite de 30, 40 fotos por semana que eu podia fazer, porque o custo do filme, mesmo um filme rebobinado, limitava. Hoje é ridículo: você faz 30, 40 fotos em menos de dez minutos. Você bota um cartão de 2 GB e faz 400 fotos. Se você estudar o assunto, você evolui, do ponto de vista de produção, muito rapidamente. E a mesma coisa vale para o vídeo, para a música, para o texto. Hoje, a pessoa não só produz, como sua produção é também vista. É distribuída, é publicada. Estamos vivendo uma outra época e acho uma época melhor, mesmo.

Com um programa como o After Effects [para pós-produção de vídeo], você faz uma finalização praticamente de Hollywood no seu computador, com certas adaptações de criatividade. Chega a um resultado mais ou menos parecido.

M.L. – Não diria que é parecido, mas que é igualmente válido. Eu não entraria muito na concorrência da qualidade, porque Hollywood tem efeitos que são absolutamente incríveis. Mas não importa. Você pode fazer um belíssimo filme… Por exemplo: tem uma série de tevê que estou vendo feito um aficionado, completamente viciado, chamada In Treatment [série ‘Em Terapia’, do canal HBO, que acompanha o dia-a-dia de um psicoterapeuta, chamado Paul Weston], que é a coisa do escritório psicanalítico. Com Gabriel Byrne. O cara é um psicanalista, tem quatro pacientes [Laura, Alex, Sophie e o casal Jake e Amy], depois ele faz a terapia dele mesmo num dia, meia hora de programa, numa sala. É um discurso, um diálogo entre duas pessoas absolutamente maravilhoso. E não custa nada.

Acho que, hoje, não é exclusividade da HBO fazer, qualquer pessoa poderia fazer isso com os recursos que existem. Agora, talento não nasce em árvore. Você precisa aprimorar. A qualidade de um programa como esse, da HBO, são os roteiros. Então a gente vai ter que continuar estudando. Não é porque a gente tem acesso à produção que vai aprender simplesmente na tentativa e erro.

Se você tem uma câmera digital, mas não se esmera em ler sobre luz, sobre enquadramento e estudar…

A tecnologia em si não resolve problema nenhum.

M.L. – Ela democratiza o acesso, mas as pessoas precisam se esforçar para produzir boas coisas.

Com as ferramentas ao alcance das pessoas, a gente pode entrar numa era da meritocracia? Por exemplo, aqui, em São Paulo, a gente tinha a Casablanca Filmes, que fazia tudo, porque tinha um superequipamento que custava bilhões, outras pessoas não tinham. Então a gente não podia alcançar a mesma qualidade, porque não tinha equipamento. Mas, hoje, é possível chegar a resultados excelentes com pouca coisa. Então vai valer agora o mérito, o cara que tem talento vai brilhar?

M.L. – De novo eu queria afastar a discussão da questão técnica. Eu não acho que a técnica iguala. Acho que a Casablanca continua com um equipamento que ninguém tem. A questão é que os canais de distribuição de conteúdo é que estão democratizados. Antes, para você fazer sua produção ser vista, precisava necessariamente passar por um dos poucos e magros canais de distribuição. Eu me lembro, já vai fazer quarenta anos, no Rio de Janeiro, na década de 1980: para a sua banda ser conhecida, você tinha que mandar uma fita cassete para a Rádio Fluminense, que era uma das únicas rádios do Rio de Janeiro, e nem era no Rio, era em Niterói, que tocavam bandas independentes. Daí surgiu Paralamas do Sucesso, Legião Urbana, Kid Abelha, uma série de bandas importantes do rock nacional.

Hoje, qualquer artista, qualquer banda grava música em casa, não vou discutir a questão da qualidade, acho que não é por aí, mas o fato é que um trabalho, mesmo bruto, consegue ser ouvido no MySpace. Um vídeo vai ser visto no YouTube. As boas fotos vão ser vistas no Flickr ou no fotolog, os bons textos vão ser lidos no blog. Acho que, hoje, para ser visto e ouvido, não depende mais de ninguém, o monopólio da publicação desapareceu. Acho que essa é a questão principal.

Do ponto de vista qualitativo, acho que ainda há uma diferença. Não estou dizendo que você não consegue fazer, mas, talvez na música, em determinados tipos, não consegue o mesmo efeito em casa. Se quiser gravar uma orquestra sinfônica, você não vai conseguir fazer isso em casa. Vai precisar de microfones, de uma acústica, de um investimento considerável. Mas, em algumas áreas, alguns filmes, textos com certeza, na fotografia, muito provavelmente, você consegue chegar a resultados razoáveis com material amador.

Com relação à propaganda: você já fez muita campanha colaborativa. E, este ano, em Cannes [Festival Internacional de Publicidade de Cannes, o mais importante do mundo], isso foi muito falado. Não é algo exatamente novo, mas se chegou à conclusão de que é muito bom, para uma marca, abrir o código, propaganda aberta. Gostaria que falasse um pouco sobre propaganda colaborativa. Se é um caminho legal.

M.L. – Acho que tem, aí, três momentos. O primeiro momento é o deslumbre. Deslumbre dos publicitários em dizer: ‘Nossa, eu posso construir um projeto, convidar os consumidores e eles vão participar’. E vice-versa. Os consumidores: ‘Poxa, eu posso fazer um comercial!’. Esse momento já passou, mas acho que a gente teve um deslumbre. Estamos vivendo a popularização desse tema agora. Chegou a Cannes, virou mainstream [aprovado pela maioria, deixando de ser alternativo]. Eu faço propaganda colaborativa desde 2004, e agora essas coisas estão chegando ao mainstream. Um widget [miniprograma com serviços simples no computador] ganhou, finalmente, um Titanium [o prêmio principal do Festival de Cannes], com ‘UNIQLOCK’ [veja aqui a campanha ganhadora, para a grife japonesa Uniqlo]. E a gente faz widget há um tempão, aqui. Mas agora virou mainstream. Quando vira mainstream, com a quantidade de agências e promoções e prêmios rolando por aí, isso se multiplica absurdamente. Então você começa a ter menos gente participando.

Perde a relevância?

M.L. – Perde. Agora todo mundo está pedindo filme, e se você é um cara que gosta de produzir filme, talvez não participe com o mesmo empenho com que você participava. Começa a ficar desinteressante. Acho que a gente vai chegar ao terceiro momento, que vai ser o momento em que, em alguns casos, vai ser muito relevante fazer propaganda com a participação do consumidor e, em outros casos, não. Você vai fazer um filme comercial, um banner, um site, alguma coisa de que não obrigatoriamente o consumidor precise participar. Só se tiver pertinência com o que você está propondo.

Na tão falada propaganda colaborativa, você lança um tema para o cara, ele produz e você seleciona e premia depois. Mas, nesse contexto, do consumidor que quer participar, não existe ainda um espaço para a forma tradicional de contar histórias? Fazer um filme nos moldes clássicos, com início, meio e fim?

M.L. – Não tem coisa mais gostosa, você esteve em Cannes, deve ter acompanhado, do que sentar no Palais [Palais des Festivals, onde se realiza anualmente o Festival de Cannes] e passar a tarde vendo comerciais de 30 segundos. Uma delícia, aquilo.

A deliciosa imobilidade.

M.L. – É maravilhoso. Você fica sentado ali, refestelado. O comercial de 30 segundos é uma arte espetacular. Você conta uma história inteira, com começo, meio e fim, de forma inteligentíssima, com roteiros maravilhosos. E são excelentemente bem produzidos. Sempre vai ter espaço.

A questão é que a gente não está mais na tirania de um único modelo, de um único formato. A propaganda, agora, não é mais só feita de spot de rádio, anúncio de revista e comercial de televisão, com mídia exterior. Acabou essa história.

Mas tem horas em que o comercial é muito bem-visto, bem recebido. O grande exemplo disso é a tevê interativa, que nunca decolou. Ela existe desde 1996, 1997. A web TV é um negócio que estava nos Estados Unidos quando eu morava lá, 1995, 1996. Isso nunca decolou. Por quê? Não decolou porque a tecnologia é ruim? Não. Na minha opinião, televisão é um negócio que você faz coletivamente. Televisão é um momento em que você não quer interagir. A tecnologia até está ali, mas você, com sua mulher, sua namorada, sua irmã, seus amigos, alguém vai ficar interagindo com a televisão? Você quer assistir a um jogo de futebol, quer assistir a um seriado, quer ver o jornal. Não quer interagir.

A interação existe, mas ela não é obrigatória. Vamos parar com essa história de que, porque a gente pode interagir, tudo agora tem que ser interativo. Interação o tempo inteiro é um saco. Eu quero ver televisão e não quero nem pensar.

Vamos assistir a Pantanal, não é?

M.L. – Voltar ao Pantanal.

Você falou que, quando chega a Cannes, vira mainstream. E qual é o papel de Cannes, hoje? Mudou em relação ao que era antes? Tem a mesma relevância? O que Cannes significa, hoje?

M.L. – Na minha opinião, Cannes, cada vez mais, está deixando de ser só um festival, para, cada vez mais, ser uma feira de negócios. Cannes atrai clientes, seminários, discussões. Não é ruim ser mainstream, é bom. Significa que você está falando com agências do mundo inteiro e está sendo visto. Acho que é um grande lugar para você se relacionar, hoje.

Cannes seria um grande evento presencial, a gente poderia chamar assim?

M.L. – É a maior feira e congresso de publicidade do mundo. O mais importante, pelo menos. Virou uma feira, um lugar onde você tem uma exposição relevante de trabalhos. Não acho que consiga captar tudo que está sendo feito no mundo, mas é uma amostra representativa de um determinado segmento de empresas que têm algum dinheiro para investir e mandar projetos para lá. Acho válido. Mas deixou de ser simplesmente um festival de criação publicitária. Agora tem uma pegada de negócios mais importante. Os clientes estão mais interessados, os veículos estão mais interessados. E virou uma grande feira. E não é ruim ser uma feira.

Fala-se muito da propaganda virar conteúdo, quase ser uma propaganda disfarçada de conteúdo. Gostaria que você falasse um pouco disso, também. É uma propaganda envergonhada ou é uma propaganda que tem outro tipo de proposta?

M.L. – Você já ouviu falar num negócio chamado ‘Repórter Esso’ [programa radiofônico iniciado em 1941, na Rádio Nacional do Rio de Janeiro, com o patrocínio da multinacional Esso; marcou época no radiojornalismo brasileiro. O slogan do programa também fez história: ‘Testemunha ocular da história’]? Dizer que a propaganda agora virou conteúdo, desculpe-me: ‘Repórter Esso’ é um negócio da década de 1940. Essa idéia de branded content [conteúdo gerado ou patrocinado por uma marca] está aí desde sempre. Rádio SulAmérica [Rádio SulAmérica Trânsito, patrocinada pela SulAmérica Seguros, com noticiário sobre o trânsito na cidade de São Paulo], isso não é novidade. E acho conteúdo um negócio muito arriscado. Acho que você pode falar de serviços. Acho que a propaganda, a comunicação, ela é interativa. Quando se fala em conteúdo, tenho a percepção de que se está falando de interatividade. Ou seja: não é simplesmente contar uma história e você fica aí, eu falo e você escuta. Agora é uma comunicação de duas vias. E você pode ter um monte de coisa lá dentro, conteúdo, interação, serviços, só um story telling [narrativa tradicional]. Não há uma regra obrigatória. A questão é a de que os espaços comerciais estão cada vez mais misturados. Faz com que a gente confunda com conteúdo. Você pode fazer um filme, um longa-metragem baseado em conteúdo. O que foi o filme O Náufrago, com o Tom Hanks? É um longa-metragem com o Fedex, a bola Wilson, não dá para saber se o cara primeiro escreveu o roteiro e depois colocou os produtos, product placement, ou se já estavam ali. Acho que isso sempre existiu. Quantas vezes você viu um computador Apple num filme de Hollywood? Quantas vezes você não viu um computador Apple num filme de Hollywood? Em dez anos, o que você vê são sempre os computadores Apple. Não estão ali por acaso.

Você acabou entrando, também, na discussão recente sobre o que o jornalista Julio Hungria, do blog BlueBus, chamou de ‘blogs-de-aluguel’ e provocou a reação irada de alguns [veja aqui o estopim da polêmica, em notícia publicada pelo BlueBus]. Você disse que achava ‘exagerada a maneira como reage a comunidade ‘blogueira’ a qualquer crítica que se faça a ela, por maior ou menor que seja’. Mas a gente percebe uma coisa complicada, a gente não sabe exatamente o que é propaganda, o que é jornalismo. Isso, não só na internet, no jornal, na tevê, também; parece que ficou meio misturado. Assim, como é que fica a credibilidade do meio internet?

M.L. – O Mentor Muniz Neto [diretor de criação da agência Bullet], um cara que eu respeito muito, comentou, e eu achei perfeito: ‘Olha, blogueiro é feito motoboy, não espere uma reação organizada. Não espere uma discussão civilizada. O cara não tem compromisso com nada e faz o que quiser, o espaço é dele, a casa é dele. Ali ele escreve o que quiser, não é um jornal’. Eu concordo com ele em parte. O que quis dizer ali é que os blogs que se intitulam sérios e querem fazer um trabalho sério, que têm compromisso em construir… Assim: como é que você faz um blog se profissionalizar e viver de publicidade, dar dinheiro? O Pedro Doria, fui vê-lo um dia, numa discussão de que estava participando, e começou uma briga. Porque, teoricamente, ele seria um jornalista tradicional, que acho a coisa mais hilária. Porque o jornalismo do Pedro começou na internet, ele vem de BBS [BBS, Bulletin Board System, sistema surgido em 1978, que permitia a conexão entre computadores através da linha telefônica; foi um embrião da internet]. Ele é, talvez, o único jornalista ‘tradicional’ do Brasil que começou no online, o mais antigo deles. Então os blogueiros, que não fazem nenhuma idéia de quem é o Pedro Doria, o atacavam, chamando-o de mainstream. E ele dizia: ‘Se vocês querem ser ouvidos, vocês se dêem ao respeito. Vocês se organizem, façam um trabalho sério, profissional’. Eu não estou falando do garoto que tem um blog por diversão. Estou falando do cara que quer estar ali, como jornalista, montando seu blog, e quer um espaço. Ele quer um espaço onde? No Estadão? Quer um espaço na Folha? ‘Porque os veículos não dão espaço para a gente’, dizem. Acho uma discussão engraçada, porque o blogueiro é independente por natureza. Se ele quer espaço nos veículos tradicionais de comunicação, ele quer se tornar mainstream. Acho uma coisa incoerente de saída. Os caras brigam com o Julio [Julio Hungria], e vamos lembrar de que o BlueBus é um blog, talvez o mais antigo do Brasil. Antes de você ter o conceito de blog, ele já existia, mas é uma lista de posts, basicamente. Sempre foi isso. É um dos poucos exemplos de blogs profissionalizados que nós temos aqui, ele e a Elisa [Elisa Araújo, jornalista do BlueBus] vivem de publicidade há anos, desde sempre. E o cara, agora, de repente virou mainstream. Para mim, o resumo da ópera é: quem quer ser profissional, e não é todo blogueiro que precisa ser profissional, mas os blogueiros que querem ser profissionais precisam se dar ao respeito. Mas se você não quer ser chamado de blog-de-aluguel, então avisa quando você vai fazer um post patrocinado, discute isso de forma civilizada. Vamos discutir por que o Julio chamou você de blog-de-aluguel, vamos dizer por que você não é um blog-de-aluguel, por que você não se considera um deles. Não é simplesmente dizer: ‘Abaixo a ditadura, anarquia já!’. Aí é um pouco a função motoboy, vamos nos juntar contra alguma coisa a troco de nada, pelo simples prazer de agredir. Quanto mais blogs e blogueiros profissionais se levantarem, se profissionalizarem, criarem seus códigos de ética, suas condutas etc., menos você terá esses casos.

O jornalista Luis Nassif afirmou, sobre a questão da credibilidade na internet, que haveria uma seleção natural entre os blogs. Você acha que vai acontecer isso, mesmo? Quem é bom fica?

M.L. – Já acontece.

E é nítido, para o leitor? Um adolescente, por exemplo, vai saber separar as coisas?

M.L. – Acho que começa a separar, sim. Já é nítido, você tem uma seleção natural. O BlueBus, concorde ou não, é uma referência. Faz mais de dez anos que o slogan do BlueBus é ‘Todo mundo lê’ [mudou recentemente para ‘Todo mundo vê’]. E é verdade. Já tive mais problema com clientes meus em notas que saíram no BlueBus e que eventualmente não estavam exatamente com o teor que os clientes queriam do que quando se publica nos jornais impressos do trade [do segmento publicitário]. Dependendo do que é, é mais importante uma notinha num blog do que uma num jornal. Cada veículo acaba tendo o seu tempo: o veículo impresso, como o Meio&Mensagem [a maior publicação impressa do mercado publicitário], acaba sendo local de coisas mais profundas. Quando você precisa de matérias mais importantes. É muito importante uma entrevista no Meio&Mensagem. Vou adorar o dia em que eu estiver lá, puder ser a entrevista central do jornal. Hoje podemos já ver blogs com credibilidade, como o do Merigo [o Brainstorm#9, do publicitário Carlos Merigo, com notícias de propaganda]. A questão da referência, também, é importante: as pessoas que seguem o Merigo no Twitter, que assinam o blog. Você começa a fazer uma rede de referências. E as pessoas se guiam pela referência.

Alguém começa a dizer que o outro é bom, que o outro é bom, que o outro é bom e, quando você vai ver, acaba ganhando popularidade pela referência. A internet tem uma dinâmica própria de escolher e referendar coisas boas pela popularidade e pela qualidade. Acho que é o único meio que junta qualidade e popularidade ao mesmo tempo.

Até pouco tempo atrás, falava-se muito de propaganda online, digital, mas a gente percebe que o mundo – ações de evento, outdoor, por exemplo – tem, hoje, um pé no digital. Então hoje cabe essa coisa de propaganda online, uma agência se posicionando assim?

M.L. – Cabe. Mas vou falar em dois momentos: hoje, sim; amanhã, não. Acho que a especialização é uma necessidade circunstancial. As agências de propaganda offline [agências que cuidam da propaganda na tevê, nos jornais, dos eventos de uma marca, mas não cuidam da comunicação desses clientes em mídia digital] tinham um posicionamento, até alguns anos atrás, de full service, eu faço tudo muito bem. Até um determinado momento, isso era verdade. O problema é que as disciplinas foram se multiplicando e se tornando cada vez mais complexas, e as agências full service acabaram não conseguido mais dar conta de tudo. Então, no momento em que você vai para uma agência full service, e o cara diz, ‘Ah, eu consigo fazer de tudo’, e o cliente começa a perceber que ela não entrega mais, essa agência começou a apresentar buracos em determinadas disciplinas. Essas foram justamente as disciplinas nas quais apareceram agências especializadas: ‘Sua agência diz que faz muito bem internet, mas ela não faz. Eu sou uma agência especializada em internet. Então eu vou lá e vou entregar a você o que a sua agência não entrega’. Aí, as agências offline deixaram de dizer ‘eu faço tudo’ e começaram a falar, por exemplo: ‘Eu tomo conta muito bem da sua marca, deixa a gente ficar com o planejamento de comunicação como um todo, e você trabalha com as especializadas para outras coisas’. Hoje, a gente vive um momento em que os clientes trabalham, sim, com algumas agências, duas, três, eventualmente quatro agências. Claramente há uma divisão bastante comum, nos clientes, entre agência de propaganda, agência de propaganda digital (ou de meios digitais) e de promoção. Não sei se na frente se juntam ou não. Acho que propaganda e comunicação vão se juntar. Acho que você não vai ter mais uma agência offline e online, vai ter uma agência nova, híbrida, que vai ter uma boa fluência em todas essas línguas, offline e online. E não sei de onde vai vir: se vai ser uma agência offline de hoje que vai virar uma agência online, se uma agência online que vai virar uma agência offline. Ou uma mistura das duas coisas. O fato é que, para isso acontecer, há uma geração nova que precisa crescer e há uma geração antiga que precisa mudar, mas que normalmente não muda de ares. Temos uma substituição de determinados profissionais e uma formação de outros profissionais, que hoje não existe. Quando você fala, hoje, de propaganda online, é norma os executivos mais velhos estarem na casa dos 35, 40 anos. O Pedro Cabral [fundador da AgênciaClick e hoje presidente da rede britânica Isobar, para a América Latina] talvez seja um dos caras mais antigos do mercado, e ele tem 50 e pouquinhos. E essa turma dos 35, 40 anos, na boa, tem senioridade, mas uma senioridade que vai até a página cinco. Contas são decididas na competência, mas, muitas vezes, no ‘tapetão’. E o ‘tapetão’ é o seu relacionamento, a sua amizade. Quer dizer: os decisores do grande dinheiro, das grandes contas, normalmente são de uma geração mais velha. E essa geração tem seus amigos, suas pessoas de confiança, trabalham num determinado nível de relacionamento. Um cara assim não necessariamente vai ter a confiança de botar a estratégia dele toda na mão de um garoto que não tem experiência – e com razão. De repente, o garoto ainda não está preparado para pegar o dinheiro grande.

Existe, então, um nível de imaturidade muito grande?

M.L. – A gente ainda não atingiu a maturidade.

E isso é só no Brasil ou é generalizado?

M.L. – mundial. Não é só uma circunstância do Brasil. Acho que os clientes vão amadurecendo, vão se reciclando. Então você tem gente nascida neste mundo digital, como estagiário, e que é analista, hoje, virou analista pleno, gerente, diretor. Eu tenho contatos meus nos clientes que são, hoje, vice-presidentes. Tenho pessoas de meu relacionamento ou amigos que ocupam vice-presidências regionais, eventualmente. Mas ainda tem alguém em cima, que é o cara que não tem nem 35, nem 40, nem 45, tem 55, 60 anos. É este o cara que manda e vai ter suas fontes de relacionamento em outro lugar.

Qual é a principal dificuldade de se colocar um projeto diferente na rua?

M.L. – Escrevi um artigo chamado ‘Eu não acredito em internet’. Depois de 12 anos, eu cheguei à conclusão de que não acredito em internet. Porque não acredito em internet por internet. Acredito em internet com números, com resultado, com indicadores. Vamos para com essa história de fazer internet porque é novo. Enquanto você ficar nessa história de ‘Eu acredito em internet’, você não vai ter dinheiro sério, vai ser uma questão de crença, e não uma questão de resultado. A internet já atingiu um nível de maturidade que não tem mais o novo, eu não vou inovar.

Não tem isso. Inovar é Second Life [jogo virtual que provocou frisson até no mundo corporativo, atraindo grandes empresas, e que, tudo indica, foi apenas um fenômeno passageiro], e Second Life, para mim, é bater carteira de cliente. A menos que você chegue e diga para ele: ‘Isso aqui é novo, não tem nenhuma garantia de nada, e nós vamos fazer só para tentar gerar algum tipo de mídia espontânea. Vamos nessa?’. Chegar para o cliente e dizer, ‘Isso é importante, é legal, vamos fazer porque todo mundo está fazendo’, é bater carteira. Nunca fiz nada de Second Life, porque, desculpe-me, não consigo chegar a cliente nenhum meu e dizer: ‘É relevante para você, vamos fazer’. E relevância é relevância de negócios. Eu acho que convencer o cliente a fazer algo novo não tem nenhum problema. Mas só vou tentar convencer meu cliente a fazer alguma coisa se chegar para ele assim: ‘Seu objetivo é esse aqui, e a gente vai chegar a ele através dessas e dessas coisas’. E não tem cliente, nessa situação, que vire para você e diga não. Se você estrutura uma ação de comunicação na internet, de relacionamento, de qualquer coisa, você precisa ter critérios muito claros do que você quer, aonde você quer chegar e como é que você vai medir se você chegou lá ou não. Essa história de fazer internet pelo novo é que é o problema. Quando você chega e estrutura um processo, o máximo que um cliente pode fazer com você é dizer: ‘Quero investir pouco, para saber se vai dar certo. Vamos testar’.

Se você fosse um anunciante, onde você poria sua grana?

M.L. – Mídia social, para mim, é o grande negócio.

E como é que a gente marca presença nela?

M.L. – Você precisa trabalhar Orkut, blog, link patrocinado, que continua sendo uma coisa excepcional. Depende muito do que você está buscando, mas você precisa estar presente em portais. Precisa botar dinheiro em portal, sim. ‘Ah, que as pessoas passam o tempo lendo blog.’ Passam, mas tem milhões de pessoas que vão na home da Globo.com todos os dias, no Terra, no UOL, no iG. Existe o mainstream da publicidade tradicional online. Gosto dela, você bota dinheiro num lado e sai resultado do outro. É comprovado, sem surpresas. É possível você fazer um mix de inovação, não no sentido de ‘vou fazer algo diferente’, mas de ‘vou fazer algo menos tradicional’ do que se fazia, mas com objetivos de resultado muito claro. ‘Vou buscar essa mídia porque ela me permite essas e essas coisas.’

E que tipo de retorno a gente tem com a presença no Orkut? Tem retorno financeiro?

M.L. – Você pode ter qualquer coisa. Agora você começa a ter aplicativos, pode vender passagem pelo Orkut, interação com a marca, fazer um game, vender cartão de crédito. Para mim, uma coisa que precisa acabar é a idéia de que uma ação de internet só deu certo se a pessoa chegou ao seu site. Isso, para mim, está morto. O site é o complemento de uma experiência online, não é obrigatoriamente um ponto de chegada sem o qual sua ação foi um fracasso. Existe uma série de outros indicadores que você pode trabalhar. E precisam ser previamente combinados. Cada cliente já tem seu indicador de sucesso no mundo físico. A questão é definir qual é o indicador de sucesso no mundo virtual.

Vivemos um processo de globalização e um processo de globalização de conteúdo, também. Um mesmo comercial da Nike, por exemplo, passa no Brasil e em outros lugares do mundo. Você acha que isso é mesmo pertinente? É bom para a marca? Funciona da mesma forma? E como fica um país que não se enxerga muito na sua propaganda?

M.L. – Acho que está errado. Acho que temos um monte de comerciais que eventualmente têm pertinência. Um comercial da Nike com o Ronaldinho Gaúcho. Vai funcionar na Espanha, no Brasil e em outros lugares. Acho que, cada vez mais, a gente quer ver a nossa cara, quer ver o nosso vizinho, a nossa vizinha, a gente quer se ver. Não gosto dessa coisa one size fits all, isso de fazer uma coisa só para o mundo todo.

Você poderia falar mais sobre isso de a gente querer se ver?

M.L. – Nunca, na história da humanidade, a gente se viu como a gente se vê hoje. A gente nunca teve tanta possibilidade de espiar o outro. Isso de Big Brother, Orkut, YouTube, toda essa curiosidade de ver vídeos. O sucesso de Big Brother Brasil, aquilo é uma maravilha, se você quer, você vê gente num aquário, como você nunca tinha visto. Hoje, mais do que nunca, tem a curiosidade de se ver. Será que a gente vai fazer isso sempre? Tenho minhas dúvidas. Acho que as novas gerações não vão achar tanta graça em se ver como a gente está achando, hoje. Estamos vivendo uma descoberta, que é ver o outro, ouvir a música do outro, a foto do outro, saber quem o outro namora.

Acho que a propaganda não tem contado nossas histórias, com que a gente se identifique. Está faltando identificação, certa identidade. O que você acha? O Brasil deu um passo antecipado, quis ser global antes de ser local?

M.L. – Aí entra muito a questão de trabalhar o lado aspiracional das pessoas. Acho que a propaganda tradicional de televisão idealiza muito as coisas. A propaganda fala para a classe A, basicamente, tirando Casas Bahia, Marabrás, Ponto Frio. Fala para a classe A, no máximo, classe B.

Mas está ignorando um monte de gente que está subindo socialmente.

M.L. – Não está ignorando. Como você vai falar de Mitsubishi para a classe C? Não dá. Daí, inclusive, a fuga da propaganda tradicional dos meios tradicionais, porque a audiência fugiu. Não faz muito mais sentido fazer tevê aberta para anunciar um Mitsubishi 4×4 de R$ 80 mil. Sua audiência de classe A não está na propaganda da tevê aberta, no Jornal Nacional. Ela vai estar na tevê a cabo, no cinema, na internet, em algumas revistas. Por outro lado, quando você vai fazer a propaganda de um shampoo, e o shampoo pode ser, eventualmente, para a classe C, B, mas a menina quer se sentir a Penélope Cruz. Eu acho que falta identidade à propaganda brasileira, mas não sei se essa falta de identidade é necessariamente prejudicial para o mundo que a propaganda quer criar. Eventualmente, é isso mesmo que eles querem. Quando se fala de propaganda tradicional, eu tiro o chapéu e respeito muito, porque eles não estão de brincadeira ali, não. Se eles estão botando aquilo na televisão daquela maneira, vende. Vende como eles vendiam no passado? Não. É menos eficaz do que era, mas continua vendendo. Não tenho a menor dúvida de que as Casas Bahia, no formato que eles fazem, vendem adoidado.

Será que, se arranjassem uma outra abordagem, não venderia igual ou mais?

M.L. – Qual é o problema da abordagem deles?

Bom, é só um cara gritando e o preço piscando.

M.L. – Eu não gosto, não fala comigo, mas será que é menos eficaz? Será que, se fizerem uma coisa mais sofisticada, o público-alvo das Casas Bahia vai achar que é com ele? Que tem dinheiro? Não estou qualificado para julgar os caras, acho que é um formato que existe há muito tempo e estão vendendo. Deve estar funcionando.

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Jornalista