JUDICIÁRIO NA MÍDIA
O problema dos juízes falastrões, 15/06/06
‘Que encrenca, esta que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) arranjou na semana passada: após decidir, na terça-feira, em resposta a uma consulta feita pelo PL, que partidos sem candidato à Presidência só poderiam fazer coligações, nos Estados, com legendas em situação idêntica – embaralhando tudo o que os partidos políticos vinham negociando há meses nos 26 Estados e no Distrito Federal -, o tribunal, com se sabe, em episódio inédito em sua história, voltou radicalmente atrás da decisão dois dias depois.
Não faltaram análises a respeito desse exercício de gangorra. O assunto foi praticamente esgotado pela grande mídia, pelos cientistas políticos e pelos políticos. Desabou sobre o TSE, guardião da lisura das eleições no país, uma tempestade de críticas por ter sido pressionado, e ceder, a pressões de dirigentes políticos, vários deles em romaria a sua sede com esse propósito específico. Não obstante, esta coluna considera que seria interessante meditar sobre um ponto específico, não suficientemente esquadrinhado: o percentual de responsabilidade que teve, nesse episódio – como ocorrera em outros -, a excessiva atração de magistrados pelos holofotes da mídia.
A responsabilidade por uma vez mais puxar o cordão coube ao ministro Marco Aurélio de Mello, ex-presidente do Supremo Tribunal Federal e atual presidente do TSE. Foi ele quem influenciou o TSE na primeira decisão – adotada por 6 votos a 1 -, de dar uma interpretação estrita, quase radical do conceito de verticalização dos partidos, já decidido pelo tribunal para as eleições de 2002 (partidos coligados em nível nacional não podem se associar de forma diferente nos Estados). Foi ele, igualmente, quem convenceu o tribunal a desdecidir o que havia decidido, desta feita por 7 votos a 0.
Marco Aurélio, ninguém nega, é um magistrado de sólida formação e bela folha de serviços prestados. É também pessoa afável e gentil. O problema – naturalmente não restrito apenas a ele no Judiciário – é sua suscetibilidade para aparecer na mídia. Precedentes não faltam, e basta lembrar um, grave, de janeiro de 2003, quando, opinando indevidamente a respeito de tema sobre cuja constitucionalidade poderia vir a julgar como magistrado, o então presidente do Supremo concedeu uma entrevista afirmando que só uma ‘revolução’ teria força para reformar a previdência do funcionalismo público sem ferir direitos adquiridos.
O governo Lula, àquela altura, rolava na lama com o Congresso para aprovar medidas que impedissem a explosão do caixa da Previdência e incursionavam pelo nebuloso terreno dos direitos supostamente adquiridos. Naquele contexto, a explosiva declaração de Marco Aurélio fez o dólar subir, a Bolsa cair e o risco Brasil se elevar. Sem contar que o ministro provocou também um frenesi de manifestações dos corporativismos que infestam e exaurem o Estado, todos invocando razões especialíssimas para manter intocados seus privilégios e pressionando o Congresso.
Na ocasião, em outro veículo, comentei que se, hipoteticamente, o presidente da Suprema Corte dos Estados Unidos concedesse uma entrevista sobre um projeto em vias de ser enviado ao Congresso – e ainda mais tratando da própria Justiça, como era em boa parte a reforma da Previdência -, a casa viria abaixo. Haveria um escândalo, uma crise institucional, poderia ocorrer até seu impeachment pelo Congresso.
Já no Brasil, não poucos juízes falam demais, dão entrevistas demais, aparecem demais na TV, palpitam a três por dois sobre tudo. E não é de hoje. Ficaram célebres as polêmicas críticas do então ministro do STF Oscar Corrêa aos trabalhos da Assembléia Constituinte (1987-1988). No governo passado, o hoje aposentado presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Paulo Costa Leite, foi crítico quotidiano da administração Fernando Henrique Cardoso (1995-2003). Seus propósitos políticos inequívocos tornaram-se de uma evidência solar quando ele se viu escolhido candidato a vice-presidente da República na chapa de oposição de Anthony Garotinho, à época no PSB – até que revelações sobre seu passado de funcionário do extinto SNI da ditadura encerraram precocemente a nova carreira.
Quando se misturam o gosto pela notoriedade com a mosca azul da política, pior ainda. Mais recentemente, dois ministros falastrões – e presidentes dos dois mais importantes tribunais do país, o Supremo e o STJ – acabaram deixando os cargos com propósitos políticos: respectivamente, Nelson Jobim para se filiar ao PMDB (houve no governo quem o desejasse como vice na chapa do presidente Lula, nas eleições de outubro), e Edson Vidigal para candidatar-se ao governo do Maranhão pelo PSB.
Felizmente, não é esse o caso do ministro Marco Aurélio. Mesmo assim, a assiduidade com que ele freqüenta a mídia, submetendo-se com visível agrado, e com freqüência, à metralha de perguntas dos jornalistas, opinando sobre temas eleitorais – seu foco específico, no momento – mas indo além, acabou retirando o ministro do tablado de magistrado e conduzindo-o à arena política, quase como um protagonista. Esse protagonismo tornou apenas natural, para vários líderes partidários, a iniciativa de pressionar pessoalmente o ministro sobre as conseqüências políticas da decisão inicial do TSE, colocando-o no centro da polêmica sobre o vaivém do TSE em relação à chamada verticalização das alianças partidárias.
É claro que não foi somente essa postura do ministro Marco Aurélio que produziu o ziguezague do tribunal. Não há dúvida, porém, de que contribuiu para isso. O resultado abalou a imagem de equilíbrio do TSE e não contribuiu em nada, pelo contrário, para o prestígio das instituições.
Os integrantes do Judiciário precisam agir com sobriedade no trato com os veículos de comunicação. Deputado, senador, ator de TV, professor universitário, líder sindical ou jogador de futebol pode falar à vontade com a imprensa. Um juiz, em muitos casos, também. Afinal, magistrados são cidadãos com direito à livre expressão. A nobreza e a relevância das funções que receberam da sociedade, porém, impõem a necessidade de serem comedidos. Como reza a clássica norma ética, o juiz deve falar preferencialmente nos autos – ou seja, ao decidir as questões que lhe são submetidas, como guardião que é das leis e dos direitos dos cidadãos. Falar menos, mesmo para quem dirige um tribunal eleitoral, é sempre melhor do que falar demais.’
ENTREVISTA / MAITENA
Mulheres especiais acabam sozinhas, 15/06/06
‘Quatro casamentos, três filhos, 44 anos, a cartunista e humorista argentina Maitena já vendeu 1 milhão de exemplares de livros em todo o mundo. Às séries ‘Mulheres Alteradas’ e ‘Mulheres Superadas, que chegaram ao mercado editorial brasileiro pela Rocco em 2003, somam-se agora ‘Curvas Perigosas’, dois volumes de quadrinhos e histórias que ela define como ‘uma visão de mundo aos olhos das mulheres.’ Depois de dedicar-se durante quatro anos a esse trabalho, ao final do qual teve um problema nas cordas vocais e perdeu a voz – ‘Acho que disse tudo que queria dizer, por isso emudeci’ – Maitena comemora 25 anos de carreira com uma parada estratégica para decidir o que ‘quer fazer de verdade.’ Como se, até aqui, tudo tivesse sido uma grande brincadeira…Nesta entrevista, Maitena fala da capacidade de rir de si mesma e diz que detesta a idéia de que mulheres possam ser especiais, profundas e misteriosas. ‘Existem homens e mulheres profundas, homens e mulheres idiotas. É preciso acabar com essa idéia de que a mulher é tão especial. Todas as mulheres especiais acabam sozinhas.’
A sua principal marca são as mulheres alteradas. O que é que altera as mulheres? O que você acha que hoje no mundo altera as mulheres?
O fato de terem várias frentes de combate abertas ao mesmo tempo. O profissional, o pessoal, o afetivo, o corpo, os filhos, a mãe…tudo isso. Somos mulheres que fazemos muitas coisas ao mesmo tempo e que vamos de um lugar a outro o tempo todo, sem ter verdadeiro tempo para nós mesmas. Creio que isso altera as mulheres. Mas eu defendo a alteração, creio que é saudável gritar e chorar no mesmo dia várias vezes, ir de um estado de ânimo ao outro. Parece-me mais saudável do que engolir tudo, como fazem os homens, porque isso provoca estress, úlcera, queda de cabelo…tudo isso que os homens têm. Ao contrário, as mulheres parecem estar mais loucas, mas acredito que no fundo estamos mais equilibradas.
Você acha que os homens não são tão alterados por todos esses papéis?
Eles enfocam uma coisas de cada vez. Nós, mulheres, fazemos tudo junto, isso se nota nas conversas: nós conversamos sobre cinco assuntos diferentes, todos juntos, vamos, voltamos…Os homens falam sobre um assunto, terminam, falam de outro, terminam. (risos)
A relação com os homens é uma razão para as mulheres estarem alteradas? Nessas muitas frentes, a frente afetiva é uma frente especificamente problemática?
São mais problemáticas para as mulheres do que para os homens. Nós mulhers levamos mais a sério a parte afetiva, pensamos muito na relação. Os homens não pensam tanto na relação. Uma vez que estejam se relacionando, seguem. As mulheres permanentemente se colocam a perguntar se está bem assim, se é um bom momento, se querem mudar, se estão felizes. Há questionamentos permanentemente, questionamentos sobre a relação. Os homens não fazem tantas perguntas. Estão ou não se relacionando, ponto, mas não falam tanto do assunto, falam de outros assuntos.
O seu humor é muito crítico em relação ao comportamento das mulheres?
Não, sou crítica com as mulheres porque meu trabalho é falar de mulheres. Não me dedico a criticar os homens. Não é o tipo de trabalho que faço. Gosto de falar do mundo feminimo e do mundo visto através das mulheres. Em ‘Curvas perigosas’, aprofundei essa idéia ao máximo. O livro é uma visão de mundo aos olhos das mulheres. Não apenas uma visão do universo feminino, mas uma visão do universo em geral. Acho que homens e mulheres são mais parecidos do que nós mesmos pensamos. Não enquanto forma de ser, mas sim enquanto a expectativas, desejos, necessidades verdadeiras. Creio que somos bastantes parecidos nisso e que queremos as mesmas coisas. Meu foco em ‘Curvas Perigosas’ é nesta visão de mundo que nos rodeia, homens e mulheres, com uma ênfase maior na sociedade atual, no consumo, na moda, nas manias contemporâneas, que são iguais para homens e mulheres. Depois, há muita coisa sobre homens e mulheres porque me diverte, é engraçado fazer este trabalho, mais por diversão do que por crítica verdadeira, por curiosidade. Me parece curioso como os homens e as mulheres sejam tão diferentes em pequenas coisas, mas acredito que no fundo somos muito parecidos.
Em ‘Curvas Perigosas’ parece que você tem a intenção de não proteger o universo feminino como um universo especial, mas de apontar também as maluquices todas.
Não me identifico com a idéia de que o universo feminino é tão especial, não gosto quando escuto mulheres dizendo que somos seres difíceis de compreender, como uma fada que flutua em suas intuições. Não concordo com essa idéia, que me parece equivocada, que afasta homens e mulheres porque cria um mistério feminino que provoca medo no homem: medo do desconhecido, da distância, desse mistério insondável. Creio que nós mulheres não somos tão misteriosas. Sempre me digo que gosto dos homens que têm irmãs porque eles desmistificam essa idéia, sabem como são as mulheres no cotidiano e no universo doméstico. Não gosto de pensar na mulher como uma deusa intocável e estranha, insatisfeita, a quem ninguém consegue fazer feliz, inacessível, com um mundo tão profundo…Acho que existem homens e mulheres profundas, homens e mulheres idiotas e que é preciso acabar com essa idéia de que a mulher é tão especial. Todas as mulheres especiais acabam sozinhas. (risos) São tão especiais que ninguém pode estar perto delas, ninguém consegue ser tão especial como elas.
A emancipação feminina fez mal aos homens?
Os homens estão num momento de mudança há bastante tempo, querem acompanhar as mulheres, ajudá-las. Minha experiência é que casais tratam de ajudar-se. Cada vez mais os homens cuidam dos filhos, de levá-los a escola, dar banho, dar de comer, fazer compras. A divisão de tarefas é cada vez maior, sobretudo entre gente inteligente, preparada e culta que está no mundo do trabalho. De todo modo, é verdade também que nós mulheres fazemos mais coisas do que os homens, historicamente, fazemos muito mais coisas. Há um trabalho fora de casa e outro dentro de casa, e nós mulheres fazemos os dois. Mesmo quando temos uma empregada, somos chefes dessa empregada. Somos empregadas de outros chefes e chefes de nossos empregados, mas é trabalho. E sempre nos preocupamos com o homem que temos ao lado, com a nossa mãe, a família. As mulheres são muito responsáveis.
Só a maternidade já é uma responsabilidade enorme…
As mulheres são maternais mesmo quando não têm filhos. Não é preciso ter um filho para ser maternal. Somos maternais em nossas relações de casal, de trabalho. É alguma coisa que vem com as mulheres e da qual eu gosto, assim como gosto de homens protetores. Gosto dos homens vulneráveis mas também gosto que sejam protetores, gosto de me sentir protegida ao lado de um homem. E gosto que levem minhas malas pesadas.
Essa experiência de ser muitas coisas ao mesmo tempo é mais feminina. Você acha que os homens tendem a ficar mais presos a um só lugar?
É cultural. Os homens custam a assimilar que a mesma mulheres pode ser mãe e puta, tudo na mesma pessoa, e que pode ser as suas coisas muito bem. Graças a cultura judaico-cristã, que divide entre anjos e demônios, mães e putas. Mas acho que não é assim, e que se pode ser as duas coisas. Os homens também podem ser protetores e vulneráveis, uma coisa não exclui a outra, são momentos diferentes de uma mesma pessoa.
‘Mulheres Alteradas’ e ‘Curvas Perigosas’ são um exercício de rir de si mesmos, de não se levar tão a sério. Os homens também precisam rir mais de si mesmos?
Certamente sim. Os homens não têm autocrítica, foram culturamente educados para viver a autocrítica como um defeito, e ficam inseguros quando são criticados. Se alguém os critica, sentem-se rejeitados. Pensam ‘não me queres mais’. ‘Sim, te quero, mas você está gordo.’ Nós mulheres estamos acostumadas a ser criticadas, temos muito mais resistência à críticas, e sempre pensamos em como podemos ser melhor. Quando alguém te critica, em vez de pensar ‘não’, dizemos ‘sim’, faço isso, posso melhorar. Para os homens seria muito libertador poder ter mais autocrítica, eles não viveriam tão mal.
E não se levar tão a sério…
Exato. Pensar que podem ser boas pessoas e bons homens com muitos defeitos, que os defeitos não falam mal de uma pessoa, falam que é uma pessoa, é um ser humano. Os homens não riem de si mesmos, os homens estão muito voltados para as coisas de fora: o mundo do trabalho, do dinheiro, do esporte, da televisão, da política. E falam desses assuntos. Nós mulheres falamos muito de coisas pessoais, do que se passa conosco, o que é muito saudável para não ficar doente. Os homens estão cheios de úlceras, vivem tomando pastilhas antiácidas porque têm tudo no estômago, porque guardam tudo para dentro. Não digo que chorem todo o tempo porque não gosto de ver os homens chorar. Acho ótimo que os homens chorem, mas não na minha frente. (risos) Que façam como as mulheres, que se trancam no banheiro para chorar.
A que você atribui uma grande resistência que existe na sociedade em relação ao feminismo?
Suponho que em algum momento da história, depois dos anos 1970, o feminismo se tornou muito radical, excessivamente radical, e se afastou das mulheres. O feminismo é o movimento político mais importante do século 20 quanto às mudanças que promoveu na sociedade. Sempre digo que é preciso ter muito cuidado quando as mulheres dizem ‘não sou feminista’ porque, se não fosse o feminismo, estaríamos todas passando e lavando roupa. É muito importante dar ao feminismo o papel histórico que ele tem. Depois houve um excesso de movimentos de mulheres, algumas ressentidas, outras loucas ou exageradas, fascistas a respeito do que era ser mulher. Ser feminista tem a ver com a igualdade dos sexos, igualdade de direitos, e nesse sentido é importante ser feminista. Mas ‘feminista’ é uma palavra que se tornou antiquada, seria preciso inventar uma palavra nova.
A palavra ganhou um estigma?
Sim, deveria se inventar uma palavra nova para definir a mesma coisa, um sinônimo mais moderno, mais cool, que uma menina de 20 anos, com seu I-Pod, seu piercing, pudesse dizer: ‘Sou feminista!’, sem sentir-se a Rainha Vitória ou a Rosa de Luxemburgo. Mas acredito que intelectualmente, conceitualmente, a idéia de feminismo é importante, a idéia de igualdade entre o homem e a mulher, igualdade de direitos e oportunidades. Porque ainda que pareça que somos iguais, ainda não somos iguais. O homem ganha mais pelo mesmo trabalho, o que significa que essa tarefa não está terminada. Penso a mesma coisa sobre os homens, que deveriam lutar por licença paternidade. Isso seria realmente igualar-se às condições da mulher. Os homens deveriam batalhar para ficar em casa quando nascem seus bebês, me parece que eles também desfrutariam muito de um direito como esse.
Quais são seus planos no mercado brasileiro? O que vem depois de ‘Curvas perigosas I e II’?
Trabalhei quatro anos nesses livros. Nesse momento estou me dando um ano sabático para me distanciar da minha obra e também para poder pensar, em termos criativos, o que quero fazer. Não gosto de ser uma bola de neve, fazendo uma coisa atrás da outra. Para mim, ‘Curvas perigosas’é o ponto mais alto do meu trabalho e de tudo que vinha fazendo em ‘Mulheres alteradas’ ou ‘ Superadas’. Tudo que tinha para dizer, tudo que aprendi escrevendo, disse em ‘Curvas perigosas’, que para mim encerra uma etapa de falar de homens e mulheres. Acho que com esse trabalho cheguei ao mais profundo que poderia dizer sobre esses assuntos. Não poderei fazer livros de humor e de homens e mulheres melhores do que esses dois. É um trabalho conceitualmente muito profundo e sólido.
Há quanto tempo você trabalha?
São 25 anos de trabalho. Comecei a trabalhar aos 17 anos. Sou dessas pessoas que pensam que quanto melhor você é, menos tem que trabalhar, ao contrário dessas pessoas que quanto melhor estejam, mais trabalham. Já tive épocas de ter sete trabalho, mas precisava de dinheiro. Agora que me pagam bem, prefiro fazer meu trabalho melhor e não produzir muitas coisas para estar em toda parte, com 10 séries diferentes em 10 revistas. Agora também tenho vontande de parar um pouco para pensar o que eu gostaria de fazer de verdade. Quando se tem essa possibilidade e esse privilétgio de poder fazer o que quer, tem-se o dever de pensar muito bem e dizer ‘o que eu gostaria de fazer’. E aí a resposta é: ‘Não sei, não me ocorre nada!’ (risos)’
SEXO NAS BANCAS
Santiago P. Fusco
‘De bons jogadores as bancas de junho estão mais abarrotadas que os gramados alemães, todos se escoiceando em busca da glória. A ‘Vip’ e a ‘Sexy’ aproveitaram o clima de Copa do Mundo para usar o mesmo truque (com resultados diferentes, como veremos): escalar não uma, não duas, mas todo um time de moças bonitas. Toca daqui, recebe dali, o jogo coletivo até que é bacaninha. Acontece que, como na Alemanha, neste torneio em que as épicas batalhas profissionais dão lugar às peladas – com trocadilho, claro – a diferença também é feita por craques. Sempre foi. Quando o jogo embola, quando os bocejos ameaçam entrar de carrinho na excitação do voyeur, precisamos daquele jogador fabuloso, de primeira classe, dono de qualidades imponderáveis e capaz de criar com uma quebrada de cintura uma jogada que nos transporte para muito além da realidade banal. É por isso que o troféu Sexo nas Bancas do mês vai para a ‘Playboy’, que humilha os adversários com sua camisa 10, a atriz Angelita Feijó. Cracaça. Fenômeno. Faz pensar em Vladimir Nabokov cantando sua ninfeta, agora com uma sílaba a mais: An-ge-li-ta.
A quarta sílaba deve ter entrado aí para deixar claro que Angelita está longe, muito longe de ser a ninfeta sugerida por sua rima nabokoviana. Pelo contrário, é craque veterana de outras Copas, e cumpre reconhecer, a bem da verdade, que já esteve sob holofotes mais brilhantes: hoje lhe cabe um papel menor – em fase de crescimento, me informam os adeptos da nossa brava teledramaturgia – na novela ‘Belíssima’. Mas nada disso tem a menor importância. Basta a morena Angelita pisar no gramado com seu corpão de quinze palmos, dentes e músculos, cabeleira ao vento, para as arquibancadas começarem a tremer. Arfar. Babar. Fogos buscam os céus e uma chuva de papel picado vem beijar o chão que ela pisa. Dá vontade de cantar: ‘Ah, sou brasileiro, com muito orgulho, com muito amooo-oor!’.
Por que tanta comoção? Acontece que Angelita é craque. Só isso. Craque não tem idade, embora possa lançar mão de um siliconezinho – o equivalente da operação de meniscos? – para corrigir os efeitos do tempo. E daí? Murmura-se pelos cantos, na redação da ‘Playboy’, que as fotos do ensaio de capa deste mês precisaram de menos retoques digitais que as das meninotas de vinte anos que passaram por aquele Photoshop. Pode acreditar, leitor escaldado: num clima sadomasô ultralight, o trabalho do fotógrafo Valério Trabanco é campeão. Destaque para as fotos em que An-ge-li-ta está de joelhos ou agachada no chão: há muito tempo não se via uma mulher que interagisse tão bem com o assoalho (de tacos) ou com o tapete (persa). Sério. Agora, hors-concours mesmo é o fotão em página dupla em que a morenaça se debruça, literalmente, sobre a câmera – sobre você, leitor. Mais do que posar, aqui ela pousa. Os seios se oferecem às mãos em concha. A boca sorri desfocada. A trilha sonora muda de repente: ‘Que bonito éééé…!’
Porque é mesmo. Tem tanto talento, Angelita, que chega a ofuscar dois outros craques que ajudam a tornar a ‘Playboy’ de junho uma edição imperdível: a grega Anastassia Peraki, com seus olhos verdes cor de bola de gude, e um jogador cujos atrativos são puramente intelectuais, mas não menos desfrutáveis – mestre Ivan Lessa escrevendo, de seu exílio londrino, sobre os 60 anos da invenção do biquíni. É um massacre.
Mas será que não há outros craques nessa competição? Há. O problema é que acabam tendo atuações discretas, claramente abaixo de seu potencial. A atriz Famke Janssen, de ‘X-Men’, ganha oito páginas na ‘Romano’. A holandesa Famke é espetacular, dona de uma beleza inteligente, misteriosa, estranha. Bate um bolão, sem a menor dúvida, mas dela a revista nos oferece apenas uma entrevista e uma série de fotos de salão. Faltou fazer aquilo que me ocorreu pela primeira vez, quase em forma de obsessão, quando vi a atriz na pele de Jean Grey no primeiro ‘X-Men’: levar Famke para a cama, testar seus poderes mutantes.
Outro exemplo de potencial mal explorado é Daniella Cicarelli na ‘Trip’. Como no caso de Famke, a revista nos oferece uma entrevista e pouco mais. Está certo que conversar é bom, coisa e tal, mas o que ganha Copa do Mundo é bola na rede. Passo então as páginas da ‘Trip’ com uma certa ansiedade, em busca de seu já tradicional – e sempre bem-vindo, a ponto de no mês passado ter conquistado o troféu Sexo nas Bancas – ensaio meio amadorístico com aquela menina anônima e muito novinha. Infelizmente, até nesse consagrado departamento das divisões de base a ‘Trip’ de junho joga na retranca. Craque no esplendor da forma, mesmo, só o Ronaldinho Gaúcho da entrevista e da capa invocada, caríssima, com ‘tecnologia lenticular’ – aquela em que a imagem muda dependendo do ângulo de visão.
A bonita Ticiane Pinheiro da ‘UM’, se talvez ainda não possa ser chamada de craque, exibe boa técnica, apesar do excesso de roupa que é tradicional na revista. Filha da ‘garota de Ipanema’ Helô Pinheiro e recém-casada com o publicitário Roberto Justus, Ticiane não faz feio: deve ter chamado a atenção dos olheiros.
Deixei para o fim as palavras prometidas sobre os ‘times de beldades’ montados por ‘Vip’ e ‘Sexy’. Algumas das meninas são muito bonitas de fato, e não duvido que brilhassem se fossem escaladas num esquema tático diferente, como estrelas da companhia. Não é o que ocorre, porém. Na ‘Vip’, são nove de biquíni e meião, cada uma representando a torcedora de uma grande seleção da Copa. Emocionante? Hmmm. Na ‘Sexy’, são cinco e se desdobram – às vezes literalmente – para esquentar o clima da partida. Aqui não falta nudez: longe disso, sobra, abunda. O problema é o tom meio desesperado, de apelação mesmo, do ensaio de J.R. Duran. O que se pretende lesbian chic acaba sendo apenas lesbian brega.’
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