Um dia desses, provavelmente em meados de novembro, a indústria automobilística brasileira produziu o veículo número 3 milhões – isto só em 2008. É um recorde absoluto, um feito a ser comemorado: em termos de produção, o Brasil encostou na França, ou até ultrapassou-a (neste caso, será o sexto maior produtor do mundo); e aproximou-se da quinta colocada, a Coréia.
Talvez a notícia tenha saído na grande imprensa; mas muito, muito discretamente, e não, como seria de esperar num momento em que a esperança se faz necessária (e no fim de ano, em que é quase obrigatória), com o destaque que merecia. Este colunista só a encontrou numa revista especializada, a AutoData.
Dizem as regras do jornalismo que boa notícia não é notícia. É verdade; mas dizem também as regras do jornalismo que notícia é o inusitado. Num momento de crise profunda, quando baqueiam símbolos universais do poderio industrial, um recorde de produção, pelo inusitado, é notícia.
Deve-se contextualizar tudo, claro; deve-se mostrar que neste fim de ano a produção já não mantém o ritmo dos primeiros dez meses. Mas não se pode esquecer o que é bom, apenas porque a realidade do momento indica que o bom momento foi o ápice de um processo que talvez não continue (ou, copiando Caetano Veloso, que talvez continue; ou, quem sabe).
Há mais motivos para que uma notícia como essa seja destacada. A GM, a Chrysler, a Ford passaram o ano perdendo dinheiro – fora os anos anteriores em que se dedicaram à mesma atividade. A indústria automobilística brasileira ganhou dinheiro. E, além do destaque, valem as informações paralelas: por que as empresas que perdem lá fora no Brasil estão ganhando.
O complicado, ao constatar a falha da imprensa, é imaginar a politização que as patrulhas ideológicas farão do problema. É aquela conspiração, entende? Aquela reunião diária dos donos de meios de comunicação de todo o país, sob o duríssimo comando de Ali Kamel, que todos pensam que é funcionário de uma empresa mas, na verdade, é o patrão de todos os patrões, para decidir o que publicar e o que ocultar, entende? É para derrubar o Lula, entende?
Mas pior do que imaginar esta cena é pensar naquilo que provavelmente aconteceu: ninguém prestou atenção no fato importante. E quem prestou atenção não percebeu que o fato era importante.
Pobre notícia
Elio Gaspari costuma dizer que a notícia, quando chega à Redação, abre a porta bem devagar, discretamente, para que ninguém a note. Entra em silêncio, procurando não ser percebida. Pois, se perceberem que uma notícia está chegando, boa parte da equipe se mobilizará para botá-la para fora a pontapés, fechando a porta em seguida para que não se atreva a voltar.
Isso acontece. E acontece muito mais vezes do que se possa imaginar.
Contagem tripla
Mais um réveillon, mais milhões de pessoas nas ruas e praias – mais gente do que há no país, com certeza; mais gente do que cabe nas ruas e praias, com mais certeza ainda. E o engraçado é que, no chutômetro, o pessoal agora deu para brincar com números quebrados: neste ano, a Avenida Paulista, em São Paulo, teve 2,4 milhões de participantes, contra 2,3 milhões do ano passado.
Deve ser ótimo para arrancar melhores patrocínios, coisas desse tipo. Acontece que o réveillon acontece em parte da Avenida Paulista, não na Paulista inteira. E há alguns claros que não podem ser preenchidos com gente: bancas de jornais, entradas para estações do metrô, palanques das autoridades etc. Mas, na Paulista inteira, ignorando-se os obstáculos naturais, não cabem os 2,4 milhões de pessoas.
Vamos fazer a conta juntos: primeiro, faça um quadrado no chão com um metro de lado. Em seguida, coloque seis pessoas dentro dele – um amontoamento total. A Paulista tem cerca de 137.500 metros quadrados. A seis pessoas por metro quadrado, teríamos pouco mais de 800 mil. E, para caberem seis pessoas por metro quadrado, é preciso ter muita gente com o corpo do Marco Maciel e ninguém parecido com o Jô ou o Faustão. Nem com aquelas modelos que usam vestido 34 caberia tanta gente por metro quadrado. E os veículos de comunicação insistem em aceitar a versão milionária. A emissora que patrocina o réveillon, vá lá; o duro é ver que todo o resto da imprensa segue comportadinha os seus números.
Escravos na sombra
No finzinho do ano, o governo federal divulgou a nova lista de empresas flagradas utilizando mão de obra em condições análogas ao trabalho escravo. São 19 empresas, entre elas uma pertencente a um juiz de primeira instância do Maranhão. O curioso é que estas informações, se foram divulgadas pelos meios de comunicação, o foram da maneira mais discreta possível: encontrar a lista de empresas que violam a lei, só no Repórter Brasil (ver aqui)
Há quem condene a nomenclatura ‘trabalho escravo’, embora prevista em lei. Não há, por exemplo, compra e venda de seres humanos. Mas, de qualquer maneira, é trabalho em condições degradantes, em que pessoas afastadas da família e sem condições de proteger-se são tratadas em condições absolutamente aviltantes. Não é admissível que a grande imprensa deixe de acompanhar este assunto e considere que apenas publicações especializadas devem noticiá-lo.
Tratar a imprensa…
O colunista de turfe Marcelo Lefevre, do site Pega Pelo Rabo e da revista TurfBrasil, encontrou em Buenos Aires uma grande delegação do Jockey Club de São Paulo. Irritado, associou o aumento da mensalidade ao custeio da viagem. A diretoria do Jockey disse que a viagem foi paga pelos integrantes da delegação, sem qualquer dinheiro do clube, e prometeu processar o colunista. Até aí, tudo OK: quem se sente ofendido tem todo o direito de recorrer à Justiça.
…a patadas
Mas aí vem a atitude que tem de ser condenada: em nota oficial, a diretoria proíbe a entrada do colunista, por tempo indeterminado, nas dependências do Jockey. Alô, sindicato! Alô, Federação Nacional dos Jornalistas! Desde quando a diretoria de um clube cujo acesso é livre pode proibir alguém de entrar lá? Se este colunista, que jamais apostou numa corrida e sempre tratou cavalos com muita cordialidade, mas mantendo prudente distância, pode entrar no Jockey e almoçar em seu restaurante, por que um colunista de turfe não pode? Os bazares que se realizam no Jockey, e que devem pagar bem pelo aluguel, estão sujeitos a essa ditatorial proibição?
E o presidente do Jockey é advogado.
O outro lado
Neste caso, não houve necessidade de ouvir a diretoria do Jockey: a proibição está anunciada em nota oficial, na página do Jockey Club de São Paulo.
Mãe no meio
A discussão a respeito do Parque Dona Lindu, no Recife, acabou sendo indevidamente partidarizada (e o presidente Lula contribuiu para isso, ao dizer que as elites pernambucanas não queriam homenagear sua mãe por não ter raízes aristocráticas). Na verdade, não foi bem isso: as críticas ao parque se centraram em dois aspectos, um deles referente ao nome, outro ao parque propriamente dito.
1.
O nome. Dona Lindu, por maiores que tenham sido seus méritos, nada tem a ver com o Recife. Viveu boa parte da vida em Crateús, nas proximidades de Garanhuns, e de lá foi para São Paulo. Um parque com o nome de Dona Lindu em São Paulo, Santos (onde também esteve), Crateús ou Garanhuns, tudo bem. Não há discriminação nas críticas, apenas objeções quanto ao local da homenagem.2.
O Parque Dona Lindu não é um parque, como pediam os urbanistas. É um prédio para eventos, sem qualquer tipo de área verde. Não é um lugar onde o morador de Boa Viagem, Imbiribeira, Piedade possa passear e descansar à sombra de uma árvore, ou sentar-se num gramado para seu piquenique. É um projeto de Oscar Niemeyer, de grife – o mesmo Niemeyer que, em São Paulo, capital brasileira do concreto armado, ergueu o gigantesco Memorial da América Latina sem dar lugar sequer a uma folha de grama, uma flor, um arbusto que seja.A imprensa, especialmente a do Centro-Sul, aceitou bem as lamentações do presidente Lula, de que havia injustiça contra sua mãe, e nada falou sobre as críticas reais ao nome e à obra. E quem terá coragem de criticar Niemeyer?
Você faz falta, Tide!
Neste dia 31 de dezembro, morreu o grande Tide Hellmeister, ilustrador de primeiro time (revelado por Murilo Felisberto no Jornal da Tarde), mestre das colagens, artista completo, gente finíssima, bom caráter total. Quando uma editora me propôs o lançamento de um livro, concordei e pedi que eles tomassem todas as decisões com relação a tamanho, diagramação, escolha de tipos, essas coisas. Só queria uma coisa: que o Tide fizesse a capa. E foi a melhor coisa do livro.
Como é mesmo?
De um grande portal de internet:
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‘Felipão fala pela 1ª vez em 2009’E esta coluna sabe exatamente o que ele disse: ‘Feliz Ano Novo!’
E eu com isso?
O período de festas é ótimo para recarregar o estoque de notícias que dão conversa: é aí que o pessoal usa roupas diferentes, ou não usa, aparece de namorada nova, ou está esperando com ‘uma pessoa’ – a maneira mais popular de não dizer qual é o sexo do parceiro esperado.
Houve uma grande fixação em nádegas, roupas íntimas e mau comportamento:
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‘Claudia Ohana deixa bumbum à mostra no réveillon’**
‘Carmo Dalla Vecchia brinca com gato de fã e deixa cueca aparecer’**
‘Mark Wahlberg faz xixi na cerca durante jogo de golfe‘Britney Spears, com certeza, está de novo na moda:
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‘Na primeira foto do ano, Britney Spears aparece arrumadinha no supermercado‘**
‘Após sessão de sexo, Britney faz dieta de `engorda´ para irritar pai’E até coisas corriqueiras valeram notícia:
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‘Viviane Araújo se divertiu no pagode organizado dentro da quadra do Salgueiro, no Rio de Janeiro’**
‘Gerard Butler leva tombo ao falar ao telefone na praia’**
‘Eva Mendes vai ao cinema com namorado assistir a próprio filme’**
‘Diego Hypólito quer encontrar um novo amor’E dois grandes temas para bater papo sem compromisso com qualquer pessoa, até mesmo totalmente desconhecida:
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‘Atriz de `Sex and the City´ vai à Disney com namorada e filhos’**
‘Sobrinha de Gretchen tira duas costelas para afinar cintura’Ou seja, este colunista não é gordo. Apenas tem algumas costelas a mais.
O grande título
Há dois exemplares notáveis nesta semana.
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‘Ivete Sangalo é gente como a gente’O pessoal diz isso porque, logo depois do show que apresentou no réveillon, Ivete foi correndo abraçar o namorado. Mas vá dançar e pular como Ivete, durante mais de uma hora, para ver se fica inteiro como ela.
E este, naturalmente, é imbatível:
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‘Linha Vermelha e Avenida Brasil apresentam lentidão em São Paulo’Só que a Linha Vermelha fica no Rio.
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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados