Ligue a TV: notícias fresquinhas, com imagens. Vá à internet, nos portais noticiosos: notícias em cima da hora, praticamente em tempo real, com fotos, links para reportagens relacionadas, filmes já disponíveis no YouTube. Tem seus erros, suas imprecisões, suas distorções, mas nada é velho. Ligue o rádio: notícias instantâneas, o mais rápido meio de comunicação que existe (isso, claro, quando não estão fazendo recortagem e repercutindo notícias de jornal). Tudo de graça, na faixa, a leite de pato, ‘de grátis’. Você se informa sem botar a mão no bolso.
O jornal já custa dinheiro – e, para quem o lê diariamente, é caro. Que é que publica? Com mais de 24 horas de atraso, a notícia da tragédia do voo 447. Ou, seis horas depois do jogo, que os mais interessados acompanharam pela TV ou pelo rádio, com direito a comentários, melhores momentos, entrevistas, várias reprises dos gols, o jornal traz o resultado e uma matéria magrinha, magrinha.
Por que o jornal publica, por exemplo, a notícia de que um avião caiu, coisa de que todos já tomaram conhecimento? Antigamente, dizia-se que era para efeitos históricos; para o arquivo. Ou seja, privilegia-se o leitor do ano 2020 em detrimento do leitor de hoje – cujo único direito é pagar por notícias velhas quando já as teve, de graça, quando eram novas.
Nos tempos em que o Jornal do Brasil era o modelo dos jornais brasileiros, o diretor Alberto Dines mandou colocar uma TV no meio da Redação. Não tinha grande serventia para informar: com o barulho das redações, naqueles tempos, ninguém ouvia o som da TV. O objetivo era mais amplo: lembrar aos jornalistas que aquilo que eles estavam escrevendo para ser lido no dia seguinte já tinha sido divulgado pela TV – e que sua tarefa, portanto, era estar sempre um passo à frente da notícia (e aí entrava a coordenação da notícia, com a participação do excelente Departamento de Pesquisa, com a busca de gente que pudesse acrescentar algo ao assunto, com side-stories que a TV não podia dar).
Hoje, quando os jornais estão em luta pela sobrevivência, quando um empresário poderoso no setor como Rupert Murdoch afirma que o papel está com os dias contados na difusão de notícias, quando até o símbolo maior da indústria jornalística, o The New York Times, é obrigado a pegar dinheiro emprestado no mercado para manter-se em atividade, a imprensa escrita diária precisa redefinir sua posição: justificar, para os leitores, o preço do exemplar. Se é para dar notícias velhas e cobrar por isso, o consumidor vai preferir notícias novas de graça.
Escondendo os fatos
Enquanto aqui se falava em ‘avião desaparecido’, na França já se admitia a tragédia do voo 447. Enquanto o ministro da Defesa do Brasil falava em ‘restos dos sobreviventes’, e o nosso presidente garantia que encontrar a caixa-preta do avião em alto mar, a dois ou três quilômetros de profundidade, é fácil para um país que localiza petróleo a seis mil metros abaixo do nível do mar, o presidente da França e seus porta-vozes foram rápidos em admitir que não havia esperanças de encontrar sobreviventes; e assinalaram a dificuldade de localizar a caixa-preta numa região em que o fundo do mar é montanhoso, levando-se ainda em conta que as baterias que sinalizam a posição do equipamento têm duração limitada.
Resultado: o centro do noticiário sobre o desastre foi a França, não o Brasil. E os franceses não fizeram nada de excepcional: apenas, com a discrição recomendável num caso que envolve vidas humanas, deram as notícias de que dispunham, ao tempo que os brasileiros tentavam dourar a pílula – sabe-se lá para que, considerando-se que mais cedo ou mais tarde teriam de engolir suas cápsulas de falsa esperança.
Por que esconder os fatos? Lembranças da ditadura – quando nem surto de meningite podia ser noticiado?
Ainda não é o momento, mas seria recomendável que um órgão de imprensa republicasse, no final do caso, as múltiplas esquivas e informações erradas de funcionários públicos brasileiros interessadíssimos em impedir, sabe-se lá por que motivo idiota, que os brasileiros soubessem o que de fato havia acontecido.
Bis repetita
O caso do voo 447 da Air France não foi o único em que se tentou esconder a verdade da população. Um bom jornalista lembrou, em mensagem na internet, o caso recentíssimo do problema ocorrido na usina atômica de Angra 2. Houve contaminação radiativa de alguns funcionários; houve o rumor de que a usina estava vazando. A direção da usina, em vez de explicar rapidamente o que estava acontecendo, preferiu soltar um daqueles comunicados incompreensíveis, escrito em jargão de engenheiros nucleares, e a população de Angra, temendo um desastre como o da usina de Chernobyl, da antiga União Soviética, que vazou e contaminou uma ampla região, entrou em pânico. Só alguns dias depois a empresa se dignou a escrever um comunicado em português corrente, dizendo que o problema se limitava a poucos funcionários que manusearam uma peça e que a usina continuava funcionando em condições normais.
Por que sonegar informações à população? Certamente não é para evitar pânico – pois o pânico surge exatamente quando a população percebe que as informações estão sendo sonegadas. Ou seria só a Síndrome do Chefete – já que o cavalheiro tem algum poder, por que não demonstrá-lo?
Resposta, mais ou menos
O direito de resposta existe: basta contratar um advogado, pagá-lo, ir à Justiça, lutar em várias instâncias e, se tudo der certo, alguns anos depois o atingido pela artilharia da imprensa conseguirá sua resposta. Tudo bem que ninguém mais vai lembrar do assunto, que o prejuízo à imagem já foi causado, que ninguém é capaz de recolocar no tubo a pasta de dente que saiu; mas o direito de resposta existe. Existe também a responsabilidade ética dos meios de comunicação de oferecer ao consumidor de notícias o direito imediato de resposta – mas consegui-lo depende dos mais variados fatores, inclusive o humor do editor naquele dia.
Há um caso interessantíssimo rolando na imprensa: um simpósio internacional foi duramente criticado por um articulista de prestígio de um grande jornal. Um participante do simpósio, professor e também dono de grande prestígio, mandou carta de resposta, contestando o articulista.
Depois de mais ou menos um mês, e de muita insistência, o jornal decidiu publicar a carta, mas só na edição online, embora o artigo tivesse saído na edição em papel. Era pegar ou largar. Pegaram, com base na teoria do mal menor: antes a publicação envergonhada, contida, do que a luta na Justiça, cara e demorada.
Com isso, perde o jornal. Uma polêmica entre dois nomes de prestígio é ponto de venda. A perspectiva de encontrar no jornal um entrechoque de idéias, um panorama de pensamentos diversos, de visões diferentes do mundo, estimula o leitor a buscá-lo com mais frequência. E, cá entre nós, por que não?
Sugestão para a Copa
No meio das picuinhas, das brigas pessoais, das ciumeiras, das divergências político-esportivas, há uma voz sensata estudando a Copa do Mundo de 2014 e as melhores maneiras de realizá-la, de tal maneira que os investimentos em estádios e infraestrutura sirvam não apenas para o período da disputa, mas contribuam para o desenvolvimento do país. Não é questão de concordar ou não, mas de levar em conta uma análise baseada em números reais e elaborada por um especialista que trabalha há algumas dezenas de anos em planejamento: Jorge Hori.
Importante: ele não trata apenas de Copa. Preocupa-se com uma série de outros assuntos. Mas já visitou todas as sedes e tem estudos sobre custos e benefícios de cada investimento – inclusive os chamados ‘estádios verdes’, com reduzido impacto sobre o meio ambiente. Veja aqui.
As manias que temos
De vez em quando, aparecem novas expressões que ficam velhas rapidamente, de tanto que são usadas.
1.
Jogador de futebol não está machucado, nem contundido. Está ‘lesionado’.2.
O caro leitor não deve usar nada à vontade, nem usar tanto quanto queira. Deve ‘abusar’.3.
Ninguém mais diz, nem afirma, nem declara. Se o repórter não gosta delas, as pessoas ‘admitem’, ou ‘insistem’, ou ‘tangenciam’. Se o repórter lhes é indiferente, elas ‘comentam’. Se o repórter é amigo, ‘disparam’, ‘desfecham’. Se o repórter acha que defendem algo ridículo, elas ‘acreditam’. Algumas, que o repórter acha engraçadas, ‘divertem-se’.4.
Aos 60 anos, as pessoas deixam de ter nome. Se forem atingidas por um carro, o texto será ‘idoso é atropelado’, ou ‘sexagenário escapa de acidente’, ou ‘aposentado sobrevive’.5.
Ninguém gosta ou prefere. As pessoas ‘não abrem mão’. Fica assim: ‘se você quer um carro econômico, mas não abre mão de um motor potente’, ou ‘se você se preocupa com uma dieta equilibrada, mas não abre mão do chocolate’, ou ‘se você pretende se aposentar cedo, mas não abre mão de seu padrão de vida’. Vale para qualquer assunto. Como no item 2, abuse do lugar-comum.6.
E, claro, promoção de aniversário já era. Agora é assim: ‘a empresa X faz aniversário e quem ganha o presente é você’. O engraçado é que esta fórmula foi criada originalmente pelo publicitário Alex Periscinoto quando trabalhava no Mappin, nos tempos em que o Esperidião Amin tinha cabelo e o José Múcio não tinha. Faz mais de 50 anos. Está certo que o Alex Periscinoto é um dos maiores publicitários que já houve no Brasil, mas até agora ninguém conseguiu criar outro slogan?
Como…
Erro de digitação, erro tipográfico, isso é coisa que sempre aconteceu em imprensa. Já houve pelo menos dois jornais que tiveram de recolher parte da edição, por erro tipográfico muito visível, em tempos mais pudicos: um, quando se referia em manchete de página ao Marechal da Vitória, Paulo Machado de Carvalho; outro, num anúncio de página inteira de Colchões de Mola. Esses erros é que deram a uma rua no Rio de Janeiro o apelido de ‘Quase-quase’: a rua Bulhões de Carvalho, em Copacabana.
Erro de digitação acontece. Normalmente não se leva muito a sério. Mas por estes dias houve dois muito engraçados, que merecem registro:
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‘Tensão entre as Correias’Era ‘Coréias’ – vai com acento, mesmo, porque Coreia fica muito esquisito.
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‘Em Minas Gerais, dois himens foram assassinados’Tadinhos!
…é…
De um grande jornal:
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‘Serra vence Dilma quando os nomes dos candidatos são apresentados’Estudando bem, dá para entender: na pesquisa não-estimulada, quando não há apresentação de nomes, Dilma e Serra estavam em empate técnico. Mas é preciso conhecer toda a mecânica da pesquisa saber do que se trata.
…mesmo?
De um importante portal noticioso:
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‘Ao lado de Angela Merkel, Obama visita campo de concentração’Na foto, Obama coloca uma flor na placa em homenagem aos mortos. Está sozinho – sem seguranças, sem membros da comitiva, sem papagaios de pirata. E, naturalmente, a primeira-ministra alemã Angela Merkel não está na foto.
E eu com isso?
Tudo na vida tem utilidade, nem que seja para servir de mau exemplo. Lendo as notícias de celebridades, por exemplo, aprendemos muito:
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‘Na falta de banho, Brad Pitt usa lenços umedecidos’E aprendemos, lendo notícias a que muita gente não dá valor, não apenas lições de vida diária, mas também noções de ciência – que talvez nem tenham para nós muita utilidade prática, mas conhecimento é conhecimento.
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‘Gene humano muda tom de voz em camundongo’E as demais notícias, que utilidade prática terão?
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‘Rodrigo Santoro e Usher vão a festa de joalheria nos EUA’**
‘Fábrica transforma ator Daniel Craig em picolé em Londres’E há coisas intrigantes:
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‘Gwyneth Paltrow aparece em programa de TV com óleo nas pernas’**
‘Papagaio rouba passaporte e parte em fuga na Nova Zelândia’**
‘Jovem pede ajuda da polícia para roubar carro na Espanha’É cultura geral, gente. Aprendemos até que pessoas famosas vivem como todos os demais cidadãos:
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‘Mel Gibson faz compras em mercado de Malibu’**
‘Bruce Willis e Demi Moore vão à formatura da filha’**
‘Cameron Diaz apresenta novo namorado para a mãe’E sabemos que, com todos os avanços que já houve, o preconceito subsiste:
‘Homem dirige de calcinha e meia-calça e é preso’
O grande título
O ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, criou um título imbatível:
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‘`Tem gente querendo tirar picanha do Carlinhos´, diz Minc’Sua Excelência, o ministro, está assustado, mas não tem motivo. A tal picanha parece já ter passado do ponto.
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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados