Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O avanço do arbítrio

1. Um deputado, Donisete Braga, é acusado por promotores de participação num homicídio. Motivo: registros da empresa telefônica mostram que, no dia do homicídio, seu celular utilizou torres localizadas perto da região onde ocorreu o crime.

Tudo muito bom, tudo muito bem, mas seria o homicídio o único motivo que levaria um cavalheiro, discretamente, à região citada? Os cavalheiros que lêem esta coluna sabem que, muitas vezes, outros cavalheiros vão discretamente a lugares que normalmente não freqüentam, e detestam quando este fato é divulgado.

A questão é que o fato foi divulgado e a imprensa toda o publicou. Como se defender – contando a verdade?

2. Trinta e oito dias depois dos fatos, o jovem Gil Rugai, suspeito de assassinar o pai e a madrasta, foi submetido a uma ressonância magnética no pé. A ressonância indicou, segundo a promotora que o acusa, que foi ele que, 38 dias antes, deu um ponta-pé na porta.

Eis por que nos ufanamos de nosso país: estamos na vanguarda mundial da ressonância magnética. Quem imaginaria que, no dia 1º de junho, uma ressonância magnética pudesse informar o que seus pés fizeram em 23 de abril? Notável! Os americanos e ingleses devem estar babando de inveja.

Se quebrar as coisas em casa é prova de homicídio, este colunista não entende por que tanta gente ainda está solta. Quem nunca pisou no rabo do gato, se assustou e caiu em cima do controle remoto da TV? A única diferença é que ninguém nos obriga a fazer ressonâncias magnéticas de 38 em 38 dias. Seríamos um prato cheio para a imprensa!

3. Um dos acusados de pertencer à Máfia dos Vampiros teve a casa vasculhada pela polícia. Um dos valiosos bens apreendidos foi uma perua Saveiro 1986 – que, de tão velha, nem paga mais IPVA.

Isso, segundo nossos jornais, é prova de enriquecimento ilícito.

Este colunista nunca ouviu falar do referido cavalheiro, não sabe se é culpado ou não e não tem a menor intenção de entrar no mérito do caso. Mas, se roubou e com o dinheiro sujo comprou uma Saveiro 1986, precisa mesmo ir para a cadeia. Não sabe nem o que fazer com o dinheiro roubado.



O tempo passa

Quem, há não muitos anos, seria capaz de imaginar uma batatada dessas? Pois um notável cientista brasileiro, entrevistado por uma notável publicação, conta que tentaram ‘caçá-lo’ na época da ditadura militar. Mas outro cientista o apadrinhou e só por isso não foi ‘caçado’.

Lembrete: um cidadão era cassado, e não ‘caçado’, quando naquela época lhe tiravam os direitos políticos. A perda de cargos eletivos e a suspensão de direitos políticos chamava-se ‘cassação’. Ou seria ‘caçação’?



Discriminação

Os jornais dizem que a Inglaterra deteve o ímã Abu Hamza al Masri, líder islâmico, a pedido dos Estados Unidos. A notícia, porém, está errada: ele foi preso pela suspeita ser líder terrorista. Sua religião não tem nada a ver com isso. Ele teria sido preso se fosse católico, baha’i ou judeu.

A imprensa precisa tomar cuidado com a discriminação: ‘islâmico’, ‘muçulmano’ ou ‘maometano’ não são sinônimos de ‘terrorista’. Os islamismo é uma religião respeitável e, se alguns de seus seguidores derivaram para o terrorismo, não deve ser responsabilizada por isto.

A propósito, qual a religião de Fernandinho Beira-Mar?



Invejar é preciso

Pois vejam: pela primeira vez, este colunista está com inveja dos brasileiros que moram fora do Brasil. Nossos jornais publicaram a notícia de que vai surgir uma nova TV estatal, a ser paga, naturalmente, com nosso dinheiro, e que terá a nobre missão de levar aos patrícios que não têm o privilégio de viver em solo verde-e-amarelo o noticiário da TV Senado, TV Câmara, TV Justiça e a Voz do Brasil.

Eles não devem se agüentar de ansiedade! Assistir ao vivo aos discursos de Pauderney Avelino, ver online a nova cor dos cabelos e bigodes do senador José Sarney, ouvir em real time o último discurso de Eduardo Suplicy, assistir aos debates do baixo-clero da Câmara dos Deputados… o difícil é esperar por tudo isso!

O mais curioso é que a imprensa publicou a notícia como se fosse uma coisa normal, sem nada de ridículo, sem nada que indique desperdício do dinheiro público. Imagine-se vivendo no Japão, nos EUA, na Alemanha, na Itália: sua maior vontade não seria ter a TV Senado à disposição, para matar as saudades da Pátria amada?

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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados Comunicação; endereço eletrônico (carlos@brickmann.com.br)