Poucos problemas são tão difíceis de resolver quanto aqueles em que os dois lados têm razão.
A Petrobras tem razão, ao decidir publicar em um blog, na íntegra, as perguntas que recebe da imprensa e as respostas que deu – como é notório, ‘o outro lado’ é frequentemente utilizado apenas como cobertura para uma reportagem parcial, e o direito de resposta é negado e castrado com notável constância. Cabe às vítimas o direito de reagir, mostrando ao público o seu lado da verdade.
A imprensa tem razão, ao protestar contra a publicação de questionários a respeito de matérias que ainda não foram publicadas. Primeiro, as matérias talvez nem sejam publicadas: muitas vezes, por falta de substância, vão para a ‘cesta seção’. Segundo, há a ruptura de uma relação de confiança, quando a empresa informa ao mercado noticioso qual a pauta de um determinado meio de comunicação. E cria-se um clima ruim quando uma matéria planejada deixa de ser divulgada: o que vai circular na praça é que alguém, ou algum interesse, vetou a tal reportagem. Esse tipo de rumor é extremamente comum: pois não circula na internet, há anos, o trecho da notícia que provocou a demissão de Alexandre Garcia da Rede Globo? O fato de Alexandre Garcia não ter sido demitido e continuar trabalhando normalmente na Globo simplesmente não é levado em conta por quem divulga o boato. E a ‘entrevista censurada’ de Carlos Vereza a Jô Soares? Foi ao ar na íntegra, muita gente a viu na TV (inclusive este colunista), mas continua sendo distribuída na internet como ‘entrevista censurada’.
Poucos problemas são tão difíceis de resolver quanto aqueles em que os dois lados têm razão. Mas há como resolver este impasse, se houver boa-fé: basta que a Petrobras aguarde a divulgação da reportagem. Neste caso, tem dois caminhos: ou publica sua versão no blog apenas se julgar que a reportagem foi tendenciosa, ou publica de qualquer jeito. Mas é uma questão de calendário e relógio: primeiro é divulgada a matéria que provoca o incômodo, e em seguida sai a resposta – que pode até ser devastadora, mas quem terá coragem de contestá-la se amparada em fatos?
Problema multiplicado
Haja o que houver no caso da Petrobras, os meios de comunicação terão de preparar-se para reações idênticas de várias fontes. Hoje, abrir um blog é fácil e barato; caro e difícil é dar credibilidade a este blog. Uma grande empresa não terá qualquer dificuldade em montar seu próprio esquema de divulgação, para reagir, publicando a sua versão da verdade, sempre que se julgar injustiçada. E, caso se ampare habitualmente em fatos, construirá a sua credibilidade, às custas da credibilidade da parte dos meios de comunicação que publicar más reportagens.
E os casos são muitos: há repórteres que esperam o fim do horário comercial para telefonar à empresa, exigindo informações imediatas que demandariam pessoal e pesquisa – e, como todos já foram para casa, só poderiam ser dadas no dia seguinte (aí sai a frase ‘nenhuma fonte da empresa foi localizada’, ou ‘Fulano de Tal, intitulando-se segurança, disse que não saberia onde encontrar os diretores’). Outros pesquisam acusações durante semanas e ligam para o alvo, empresa ou pessoa física, duas horas antes do fechamento, pedindo que respondam a todas aquelas questões que levaram tanto tempo a levantar.
E haverá também, claro, jogo sujo de todos os lados. A Petrobras, por exemplo, foi acusada de colocar seu blog no estrangeiro, para fugir às leis brasileiras. Não é bem assim: o blog da Petrobras está no WordPress, um dos lugares onde é mais simples abrir um blog. Embora o WordPress seja internacional, não é nisso que se pensa ao criar a coluna: em tempos de internet, as fronteiras são muito tênues. Certamente a escolha do domínio não se deveu à intenção de fugir à lei.
Mamãe, encolhi a tiragem
Houve tempo em que, quando o editorial do Estado de S.Paulo usava frases como ‘estávamos em nossa fazenda, em Louveira’, todos os seus leitores sabiam que o autor do texto era o dr. Julinho (Júlio de Mesquita Filho, o lendário comandante da Casa), e que ‘nossa fazenda’ se referia à família, não à empresa. Era uma relação pessoal entre o jornal e seus leitores – e, embora fosse especialmente forte em algumas empresas, existia em todas. O crescimento da população, a profissionalização dos veículos, mudanças diversas reduziram esta relação (hoje em dia, por exemplo, seria difícil imaginar um Adoniran Barbosa indo à tarde à Rádio Eldorado para bater um papo, tomar café e tirar uma soneca). Erros de várias partes esgarçaram esta fidelidade mútua. E a imprensa, olímpica e imperial, não tem se mexido para restabelecer não apenas seus vínculos emocionais com os leitores, mas também sua credibilidade, que vem sendo incessantemente atacada.
Com notável frequência, a imprensa é criticadíssima por defeitos que não tem. É o famoso ‘por que ninguém fala de tal assunto?’, insinuando que o poder político e/ou econômico bloqueia a divulgação de determinados temas. Na verdade, quem fala isso tomou conhecimento do assunto exatamente pelos meios de comunicação, e é pelos meios de comunicação que continua se informando. Há leitores furiosos porque a imprensa falou muito do caso amoroso de Renan Calheiros ‘e não mencionou’ o affaire do futuro presidente Fernando Henrique. Na verdade, há mais de 300 mil referências no Google ao caso de Fernando Henrique. Será mesmo que a imprensa tratou pouco do assunto? Será que, fortemente partidarizados, muitos leitores tendam a achar-se sempre injustiçados?
Nos fatos citados, a imprensa cumpriu seu dever; o que se pedia era uma overdose, que acertadamente não ocorreu. Mas seria importante verificar por que existem leitores tão irritados; e buscar um meio de alcançá-los.
Está certo que a queda de circulação dos jornais tem a ver com o preço, com a internet e seu noticiário gratuito, com a reciclagem dos veículos, para que de manhã não pareçam já velhos. Mas não é só isso: o sentimento de orgulho por não acreditar na imprensa se dissemina, e é preciso combatê-lo. Sem a livre divulgação de notícias, protegida do patrulhamento, não há democracia que resista.
Envelheceu, virou manchete
Por falar em notícia velha logo de manhã, um excelente exemplo é a manchete ‘Brasil entra em recessão’: na verdade, o título se refere ao levantamento do último trimestre de 2008 e do primeiro trimestre de 2009. Em outras palavras, a manchete de junho se refere a algo que ocorreu em março.
Por favor, poupem as explicações: a análise demora, ‘recessão’ é um termo técnico, etc., etc., etc. Manchete de quatro meses atrás é meio muito. E engana o leitor, que espera que o jornal seja o retrato do dia, e não apenas uma photographia em sépia envelhecida na parede.
O critério do cifrão
Excelente jornalista, um dos melhores locutores do país, assíduo leitor desta coluna, Mário Lima toca num ponto-chave do esporte atual: muitas emissoras de TV, preocupadas em não fazer propaganda de graça, cortam logotipos e nomes de patrocinadores, especialmente de esportes olímpicos, mas também de futebol. Tiram o boné do atleta, evitam mostrar sua camisa, fazem supercloses, incômodos para o telespectador e para o entrevistado (ninguém resiste a um superclose). ‘Mas o patrocínio’, lembra Mário Lima, ‘é fundamental para o sucesso de qualquer iniciativa. Não adianta esconder os patrocínios e dar declarações de incentivo às empresas para que invistam no esporte olímpico.’
‘Entretanto’, prossegue Mário Lima, ‘não há cortes na Fórmula 1. Lá aparecem todos os patrocinadores. Reparou? Qual a razão?’
O corte e o não-corte
Coisas semelhantes acontecem também nos noticiosos. Quando há um incêndio, por exemplo, não se menciona a empresa. Mas, quando há uma greve, o entrevistado não é protegido, não fala com aquela voz de pato e o rosto esfumaçado: ele aparece abertamente, sem idéia das consequências que pode sofrer. O gari fala mal da empresa e perde o emprego – por que, então, não é protegido?
Boa leitura
Wladyr Nader, escritor de excelente qualidade, jornalista de primeiro time, está de volta: na quarta-feira, 17/6, das oito à meia-noite, autografa A Vida é Sempre Assim às Vezes. Nader fala da ditadura militar e da dupla norma de administração por ela criada: uma para os amigos, outra para o público em geral. O personagem se deixa arrastar pela vida e aceita os benefícios de ser adepto do regime. O livro é bom. Aliás, é difícil encontrar algum texto de Wladyr Nader que não seja bom.
Local: restaurante Soteropolitano, rua Fidalga, 340, São Paulo. Arte Escrita Editora e Livraria, 245 páginas, R$ 15.
Boa diversão
Mônica Soutello, jornalista que marcou época em Veja e outras grandes publicações, apresenta ‘Lamartine Babo em Audição Comentada’ (uma espécie de sarau, às 19h30, na Livraria da Vila, Alameda Lorena, 1.731, São Paulo). Lamartine, divertidíssimo, com músicas e letras esplêndidas, capaz de compor os hinos de todos os grandes clubes cariocas (e também do América, para o qual torcia) surge por inteiro, apresentado por Mônica e excelente conjunto. Ingresso, R$ 35.
Dizem que Lamartine quis também compor os hinos dos clubes paulistas, mas esbarrou na falta de rima para Corinthians. Não deve ser verdade: no hino do América (‘hei de torcer, torcer, torcer, hei de torcer até morrer, morrer, morrer, mas a torcida americana é toda assim, a começar por mim’), não há rima para América. E no hino do Corinthians a rima é fácil: Corinthians rima com Glória.
Grande reportagem
Uma das melhores reportagens dos últimos tempos, ‘Os anti-heróis – o submundo da cana’, de Mário Magalhães e Joel Silva, publicada na Folha de S.Paulo, ganhou o Prêmio Helder Câmara de Imprensa, da CNBB, Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. ‘Os anti-heróis’ recebeu mais seis prêmios. A reportagem ‘A roda-viva da cana’, do jornal Porantim, também recebeu o Prêmio Helder Câmara de Imprensa, contando o aliciamento de índios menores de idade para trabalhar em canaviais – um trabalho exaustivo até para adultos fortes.
Como…
Vicente Alessi, do jornal AutoData, lembra mais uma série de palavras esquisitas que substituíram o vocabulário corrente nos textos jornalísticos. ‘Oportunizar’, por exemplo. Ou ‘gugar’ – isso mesmo: é sinônimo de pesquisar, o que muita gente limita hoje ao Google.
Este colunista agradeceu ao Vicente Alessi a contribuição à coluna e quis parabenizá-lo. Ou congratulacioná-lo, por que não? O caro colega não imagina o vocabulário que ele é capaz de utilizar ao receber estes cumprimentos.
…é…
Não é a primeira vez que se fala deste assunto, mas regência e concordância parecem andar mal das pernas na imprensa. Referindo-se a um político que mudou de legenda, diz o texto: ‘O governador o pediu para não sair do partido’. Certamente o governador não lhe cumprimentaria mais, nesse caso. Numa entrevista, a pergunta é: ‘(Fulana) pressionou-lhe para rever a decisão (…)?’ A resposta bem que poderia ser algo como ‘o ministro não a deu resposta’.
Pronomes e vírgulas são espalhados pela matéria mais ou menos como sal na comida: pega-se uma pitada, sejam quais forem os grãos, e está ótimo.
Em outros textos, há preciosidades como é ‘discutível os métodos’, ‘a subserviência (…) não podem ser esquecidas’, ‘seleções melhores planejadas’. Deve ser de propósito: um amigo desta coluna sempre concorda o adjetivo com o artigo, e ambos discordam do substantivo. Mas ele tem a desculpa de ser húngaro.
…mesmo?
De um grande jornal, relatando fato acontecido nos Estados Unidos:
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‘EUA: policial dá choques em idosa de 72 anos’Se já disse a idade, por que o ‘idosa’?
Uma visão diferente
Saiu num grande jornal:
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‘Falta de lazer turbina novelas no interior’Entre as cidades do interior, estão citadas Florianópolis, Salvador e Recife. Deve ser efeito do aquecimento global.
E eu com isso?
Aparentemente, são notícias superficiais, apenas o frufru da sociedade. Mas muitas vezes são educativas: quando é que o caro colega esperaria saber que…
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‘Panda com `gravidez oculta´ surpreende em zoo na Tailândia’**
‘Elizabeth Taylor diz que teve alta do hospital pelo Twitter’**
‘Britânica de 3 anos desperta do coma cantando Abba’Este colunista jamais desconfiou da capacidade curativa do grupo sueco.
E há informações importantes sobre os hábitos pouco conhecidos de pessoas muito conhecidas:
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‘Rodrigo Hilbert faz exercícios no Rio de Janeiro’**
‘Mário Frias se diverte na praia com mulher e papagaio no Rio’**
‘Sandy vai ao shopping com o marido no Rio’**
‘Murilo Rosa mata a sede com suco em posto de gasolina’É novidade: este colunista, por exemplo, vai ao posto para encher o tanque.
E há as grandes surpresas:
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‘Michael Jackson é flagrado com cabelos brancos’Era a última coisa que faltava ficar branca!
O grande título
Boa safra, embora os três selecionados pertençam à mesma espécie, daqueles que, em certas mentes pervertidas, podem ser maliciosamente interpretados:
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‘Lucielle toma susto ao descascar a berinjela’As gírias mais famosas se referiam a frutas e raízes. ‘Berinjela’ deve ser gíria nova.
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‘Elano prevê rival atrás’Está certo, os rivais da seleção têm perdido todas. Mas que o outro sentido é mais divertido, isso é.
E o melhor título, que saiu na página de propaganda de uma grande loja de internet:
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‘O que aprendi com Bruna Surfistinha a partir de R$ 22,90’Calma: este é apenas o preço da autobiografia da jovem.
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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados