A campanha eleitoral de verdade é a que se inicia agora: o horário gratuito de TV, que mostra aos eleitores o rosto dos candidatos, suas propostas (ou falta de propostas), que permite comparar uns aos outros. Há quem não goste; há quem prefira, como este colunista, ver o jogo do Corinthians; há quem prefira as emoções da novela. Mas novela e futebol nos agradam ou irritam no curto prazo. O resultado das eleições nos afeta no longo prazo: teremos melhor transporte, ou não, teremos melhor trânsito, ou não, teremos melhor uso do dinheiro público, ou não, dependendo do prefeito que ajudarmos a eleger.
Que é que move tantos veículos de comunicação, que é que move tantos jornalistas a criticar com tanta força o horário gratuito? Tudo bem, o horário gratuito não é perfeito – mas o que é perfeito? Há demagogia, sim; demagogia que continuaria existindo sem horário gratuito, e sem que o eleitor tivesse o direito de olhar o rosto do candidato, de acompanhar visualmente seus eventuais acessos de insinceridade. Há promessas absurdas, sim; há má-fé, sim. Só que nada disso acabaria com o fim do horário gratuito.
Talvez alguns colunistas, alguns nomes de grife se sintam ofendidos com o contato quase direto do eleitor com o candidato, tornando menos importante aquilo que consideram seu direito sagrado, de achar que comandam, por trás das telas de seus computadores, o pensamento dos votantes. Bobagem? É: candidatos apoiados por um líder carismático, como o presidente Lula, já perderam eleições. Mas é uma bobagem piedosa: deve ser difícil comprovar que a orientação tão boa que oferecem é rejeitada pelo eleitor desobediente, que quer votar nos candidatos que escolher e não nos que escolherem para ele.
Empresas gigantescas, com produtos conhecidos e líderes de mercado, não economizam verbas para anúncios da TV. Será que propaganda na TV é boa para sabão em pó, refrigerantes, jornais, livros, e inútil apenas para candidatos?
Guerra à imprensa 1
Este colunista tem pouquíssimas informações sobre o site Novo Jornal, retirado do ar pelo Ministério Público de Minas Gerais, acusado de difamar autoridades estaduais e federais e o procurador-geral de Justiça, Jarbas Soares. O site, com base no slogan do MP, ‘O que você tem a ver com a corrupção?’, acrescentava o nome do procurador e perguntava a respeito de algum tema polêmico.
Aceitemos, para argumentar, que o site esteja inteiramente errado. Mesmo assim, retirá-lo do ar vai contra a liberdade de imprensa garantida pela Constituição. Que o responsável pelo site seja processado pelo que publicar, nos termos da lei. E, se condenado, sejam-lhe aplicadas todas as sanções legais. Mas depois do julgamento, e não antes.
Ou ficamos na história de Alice no País das Maravilhas, onde a Rainha de Cartas determinava que os suspeitos fossem condenados e depois julgados.
Guerra à imprensa 2
O prefeito tucano de São José dos Campos (SP), Elias Cury, prometeu ao jornalista Lano Brito que irá indenizá-lo pelo absurdo ataque à sua emissora de rádio. Prometer, prometeu; mas o dinheiro não saiu até agora. E um ‘maçaneta’ do prefeito procurou o dono da rádio para saber se a nova torre não pode ser mais baratinha.
Recordando: um grupo de fiscais da prefeitura se apresentou na rádio de Lano Brito e o informou de que o prédio e a torre seriam demolidos, por irregularidades. Lano Brito pediu alguns instantes para buscar toda a documentação. Os fiscais não esperaram: enfiaram as marretas e as máquinas na torre e no prédio da rádio. Claro que foi um engano: o fato de a rádio fazer oposição ao prefeito não deve ter tido influência nenhuma na violência. E a indenização? Um dia desses, com certeza, vai acabar saindo.
Eles e nós
A mistura entre policiais e repórteres é ainda mais grave do que parece. Um jornalista importante de Brasília recebeu de um colega um cartão de visita com os seguintes dizeres:
Fulano de Tal
Repórter
Polícia Federal
Talvez o colega queira apenas esclarecer sua área de atuação. Mas este colunista nunca viu um cartão de visita de algum companheiro com o esclarecimento ‘limpeza urbana’, ‘necrológio’ ou ‘lavagem de dinheiro’.
Nós e eles
César Cielo é um grande nadador e ganhou o prêmio máximo dos Jogos Olímpicos, a medalha de ouro. Mas quem ganhou o prêmio foi ele: não foi o Brasil, não foi o telespectador (aliás, se ele dependesse do Brasil para ganhar a medalha, não teria nem chegado à Olimpíada: precisou mudar-se para os Estados Unidos, onde treina há três anos, para melhorar seus tempos e seu estilo). Diego Hypolito não ganhou a medalha. É pena; fez por merecê-la. Mas quem ficou sem a medalha foi ele, não foi o Brasil, não foi o telespectador. Transformar a Olimpíada em vitrine da Pátria do Atletismo é mais do que falso: é ridículo.
Na concepção original dos Jogos Olímpicos modernos, nem há classificação por país. Os prêmios são as medalhas. Mais tarde, com a Guerra Fria, inventou-se um sistema de pontos a ser atribuídos a cada uma das medalhas, para permitir a comparação entre os países de cada bloco ideológico.
De qualquer forma, é bom lembrar que Jade Barbosa, como ginasta, exibe suas qualidades pessoais, não as do Brasil. Torcemos por Jade, claro; torcemos por Daniela Hypolito e por Daiane dos Santos, mas não é por nós, e sim por elas, que buscam sair-se cada vez melhor.
É difícil ouvir coisas do tipo ‘esse é de bronze, mas o sorriso é de ouro’. Sorriso de ouro tinha o bicheiro de Nélson Rodrigues. Ao contrário dos atletas brasileiros que foram às Olimpíadas, este não era gente fina.
Os números, os números!
Jornalista, com raras exceções, não gosta muito de números: se gostasse, teria prestado vestibular para alguma coisa na área de Exatas. Mas não precisa exagerar.
Em reportagem sobre a arrecadação de campanha obtida pelos candidatos à prefeitura paulistana, um importante jornal diz que o maior arrecadador foi o prefeito Gilberto Kassab (DEM), candidato à reeleição. Atribui-se a informação ao TSE, Tribunal Superior Eleitoral: Kassab levantou R$ 2.649.900, sendo R$ 6.500 em doações de pessoas físicas e R$ 340.400 de pessoas jurídicas. Tente fazer a conta: não bate de jeito nenhum.
Mas as coisas não param por aí. Marta Suplicy, do PT, levantou R$ 780.778,08, sendo R$ 10 mil de pessoas físicas e R$ 330.915 de pessoas jurídicas. É mais difícil fechar essa conta do que ganhar a eleição.
Como é mesmo?
A gente cresce ouvindo falar bem de algumas emissoras estrangeiras, muito melhores e mais sérias do que as daqui. Aí surge a internet e a gente pode ver o que é que esse pessoal escreve. Vixe!
Numa única notícia, sobre a contusão da égua do cavaleiro Álvaro Affonso de Miranda Neto, o Doda, que o tirou dos Jogos Olímpicos, diz o portal da famosíssima emissora internacional:
‘É muito duro. Ainda não caiu a minha fixa‘. (…) ‘A égua deu um mal jeito (…)’, ‘uma coisa que (…) vai estar curado‘.
Vai ver que nos tempos da Segunda Guerra Mundial a lendária emissora era diferente.
Como é…
Frase do noticiário do blog de um grande jornal:
**
‘Excluindo-se o Canadá, a Petrobras é, nas Américas, a empresa que mais perdeu valor de mercado desde 20 de maio’Terá o Canadá virado uma empresa? Terão empresas canadenses perdido mais valor de mercado que a Petrobras? Nesse caso, por que não identificá-las?
…mesmo?
Notícia de um jornal importante:
**
‘Guido Mantega convidou seus antecessores vivos para um seminário (…) em Brasília’Que será que o ministro tem contra seus antecessores falecidos, para negar-lhes o convite?
E eu com isso?
O excelente jornalista Adib Muanis, da TVTem (SP), envia-nos o seguinte bilhete:
‘Segunda-feira 11, Rússia mandando bomba e bala pros lados da Geórgia, Olimpíadas bombeando, o ministro Tarso Genro querendo punir torturadores, mas nada, na minha opinião, foi mais importante do que ficar sabendo pela Internet que irmã de Britney passeia com a filha.
‘Foi um alívio no meu dia, devo dizer.
‘O mundo tem salvação, concluí’.
O mundo tem salvação:
**
‘Brad Pitt sai com calça furada’**
‘Yasmin Brunet namora em lanchonete do Rio’**
‘Matthew McConaughey vai enterrar placenta do nascimento de filho’**
‘Rodrigo Santoro dá uma circulada pelos Jardins’**
‘Pouco sol: Selma Blair exibe não-bronzeado de biquíni em Hollywood’**
‘Fátima Bernardes e William Bonner fazem compra em shopping carioca’O grande título
Não há competição possível:
**
‘Pingüim norueguês com patente militar é promovido’Um pingüim, ave do Pólo Sul, num país nórdico. Uma ave que nem sequer se defende mas possui patente militar.
Deve ter algum sentido.
******
Jornalista, diretor da Brickmann&Associados