Entre a Operação Joelho de Cobra, a Operação Empada Frita, a Operação Abacaxi com Formiga, a Polícia Federal desencadeou a Operação Curupira. A imprensa delirou: além dos criminosos de sempre, os ferozes desmatadores de terras indígenas, havia funcionários públicos envolvidos. E crucificou-os na TV, nos jornais, nas revistas: em vez de proteger a floresta, ajudavam a devastá-la.
O fato é que, como tantas vezes acontece, a história não era bem esta. Um dos funcionários detidos foi algemado e levado de Brasília a Mato Grosso. Lá, atirado numa cela, ficou quatro dias, sem sequer ser ouvido. E aí a Polícia Federal o libertou – não havia nada contra ele. A história é contada com brilho por Elio Gaspari, que completa: a libertação, a notícia de sua inocência, não mereceu de nossa imprensa nem uma pequena porcentagem da ênfase que foi dada à prisão.
É interessante completar o trabalho da imprensa. Que é Curupira? De onde saiu o nome desta operação? Curupira, ou Currupira, ou Caipora, é, na mitologia brasileira, um anão de cabelos vermelhos e dentes verdes, com os pés voltados para trás. Há quem o considere um defensor das florestas; há quem o considere um espírito do mal (o padre Anchieta escreveu este personagem chicoteava pessoas que se perdiam no mato e não lhe davam presentes). Diziam os índios guaranis que, entre outras características, o Curupira costuma comer carne humana.
Deve ser verdade: aliado à Polícia Federal e a nós, da imprensa, que condenamos antes de julgar, o Curupira devora reputações.
Cadê as perguntas?
No programa Roda Viva, o deputado federal Roberto Jefferson lembrou, por instantes, os bons chefes de reportagem: voltou-se para os repórteres e lhes perguntou quando é que iriam iniciar a discussão de temas relevantes. Jefferson conhece os feios bastidores da política e queria falar; os jornalistas pareciam mais preocupados em demonstrar-se escandalizados do que em descobrir novos fatos, a ponto de Jefferson lhes perguntar se estava em uma reunião de freiras. Faltou pauta para cada um dos entrevistadores. E faltou coordenação: cada um, preocupado só com suas perguntas, não notava quando outro conseguia iniciar um bom tema e rapidamente interferia, mudando de assunto. Resultado: Jefferson, ao vivo, não disse nada que Renata Lo Prete já não tivesse publicado nas duas ótimas entrevistas que publicou na Folha de S.Paulo.
O mestre
Mas, cá entre nós, é duro ter de ouvir lições de jornalismo do Roberto Jefferson, não é mesmo? E pior ainda é reconhecer que as lições estão certas.
Refletindo
Um tema que foi pouco abordado pela imprensa, em todo o debate sobre mensalão, caixa 2, financiamento de campanhas, foi o papel da própria imprensa no estímulo à ilegalidade. Existem leis a ser obedecidas nas doações para campanhas eleitorais. No entanto, as empresas que as seguem, e doam abertamente, são punidas pelos jornais: sempre que ganham uma concorrência ou assinam um contrato, surge a notícia de que fizeram doações – como se obrigatoriamente uma coisa levasse à outra. Já as empresas que doam ilegalmente, por baixo do pano, são poupadas de constrangimentos. Claro: dá um trabalhão apurar a ilegalidade e denunciá-la, não é mesmo? Mais fácil é punir quem age dentro da lei.
Mil e uma utilidades
Está fechando a matéria e não tem a lista dos membros da CPI? Não lembra direito a data em que começou? Tente o endereço www.cpineles.com.br, com tudo sobre a CPI do momento – nomes, debates, piadas. Vale a pena. Vale a pena, também, acompanhar os depoimentos ao vivo pelo blog do Ricardo Noblat, sem perder todo o tempo necessário para ouvir intervenções muitas vezes desnecessárias ou imensamente longas. O Noblat acompanha tudo de perto, online, e nos permite ‘assistir’ aos debates sem ter de ouvir aquela quantidade enorme de Vossas Excelências. Endereço: http://noblat.ultimosegundo.ig.com.br/noblat/.
Delícias da imprensa
1.
Num jornal importante: ‘Fazendo o maior sucesso (…) a butique de carne Ready Beef, da Rose Borella. Hoje, a partir das 18h, festival de espaguete’.2.
– Em outro jornal importante, título da coluna de um importante jornalista: ‘Onze varas para onze mil virgens’.3.
– Ainda num jornal importante: ‘O Grupo Paramount Têxteis, com 112 anos de mercado, é hoje o principal (e talvez o único) fabricante de lã fria do Brasil’. Este colunista realmente está velho: é do tempo em que o jornal informaria se a empresa é ou não a única fabricante.Trabalho infantil
Que beleza, a São Paulo Fashion Week! Talvez alguém consiga explicar por que o desfile de uma garota de treze anos, com tudo aquilo que implica – dieta, ensaios exaustivos, horários dos mais difíceis, ambiente que dificilmente se poderia qualificar de saudável – não é condenado como trabalho infantil? Cadê as reportagens que mostrem que o mundo da moda, com crianças vestidas de mulheres adultas e trabalhando o tempo todo, não é só glamour?
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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados