CARTÕES DO GOVERNO
O escândalo é outro
‘Como faz, pavlovianamente, sempre que suspeitas de improbidade pairam sobre o Palácio do Planalto, o ministro da Justiça, Tarso Genro, atribuiu a onda, que não pára de se avolumar, de revelações sobre o uso abusivo de cartões de crédito estatais a uma operação da imprensa mal-intencionada, para dar assunto a uma oposição silenciada pelos êxitos do lulismo. Foi o que alegou ao ser confrontado com o copioso – e surpreendentemente minucioso – noticiário sobre o que a ex-ministra da Igualdade Racial chamou de ´erros administrativos` nos gastos e retiradas mediante cartão corporativo por funcionários e autoridades da administração federal. Trata-se, desdenhou, de um ´escândalo artificial´. De mais a mais, alegou o ministro, não fosse uma iniciativa moralizadora do presidente Lula – a criação do Portal da Transparência, de livre acesso no site da Controladoria-Geral da União (CGU) -, a mídia não teria a seu alcance, e com essa facilidade, as informações detalhadas dos pagamentos e saques feitos com os 11 mil cartões emitidos pelo governo.
Nesse ponto, Tarso tem toda razão. Pena que ele tenha deixado de combinar com os russos, no caso o chefe, antes de reaquecer as suas críticas à imprensa. Afinal, os meios de comunicação fazem rigorosamente o que Lula incentivou a sociedade a fazer quando do lançamento do portal, em 2005 – ajudar ´no controle e fiscalização` do uso do dinheiro público. Não há nada de artificial, portanto, nem no exercício dessa contribuição nem nos seus resultados. É o governo que deixou o serviço pela metade. Na edição de 13 de janeiro, este jornal revelou, com base no exame dos dados disponíveis no portal, o assombroso aumento superior a 800% dos dispêndios com o cartão corporativo entre 2003 e 2007. Desde então, a massa de fatos e números trazidos ao conhecimento dos brasileiros deixa patente, à parte tudo mais, a extraordinária eficiência desse sistema de agregação de minuciosas informações objetivas, graças à tecnologia da computação, como instrumento do controle e fiscalização de que falava Lula – e que deixou de ser utilizado por quem tem a obrigação de se valer dele em primeiro lugar: o próprio governo.
Escândalo, para recorrer ao termo do ministro da Justiça, não é o produto do trabalho jornalístico que consistiu simplesmente no esquadrinhamento do fabuloso arquivo do Portal da Transparência. É, isso, a incompetência, ou inapetência, de quem de direito na cúpula do aparelho de Estado para passar periodicamente um pente-fino nos gastos declarados, para separar aqueles que respeitam as normas que regem o uso dos cartões corporativos daqueles que as transgridem, e punir os responsáveis, também com o ressarcimento dos cofres públicos. Um governo verdadeiramente comprometido com o manejo escrupuloso do dinheiro alheio – ou seja, não só da boca para fora, a fim de impressionar os incautos – não esperaria a imprensa denunciar o que ele tinha plenas condições de saber a qualquer momento, por estar escancarado diante de si, para só então mostrar-se zeloso guardião da moralidade. Se quisesse, o Executivo teria identificado as grossas irregularidades cometidas pela ministra da Igualdade Racial, Matilde Ribeiro, e agido de acordo com a gravidade do que ela preferiu chamar, complacentemente, ´erros administrativos´.
O mesmo vale para a outra ponta das impropriedades – a do varejo das tapiocas, como a insignificância dos R$ 8,30 que o ministro dos Esportes, Orlando Silva, gastou indevidamente pelo manjar com o seu cartão, ou acima disso, embora não na escala da ex-ministra. É, notoriamente, o caso do servidor do Ministério das Comunicações que, em junho do ano passado, fez o contribuinte bancar os R$ 1.400 pela reforma de uma mesa de sinuca de uso na repartição. O que exaspera é o governo a reboque. Foi preciso que um repórter flagrasse o episódio no portal da CGU, passados sete meses, para o Ministério anunciar a abertura de uma investigação, ao fim da qual se adotarão as ´medidas cabíveis´, com a eventual demissão do sinuqueiro. É de se perguntar quantos malfeitos do gênero ainda aguardam o olhar de um jornalista para merecer a (tardia) atenção do governo da transparência. E quantos portadores de cartões corporativos estatais, na dúvida sobre se podem usá-los para cobrir uma despesa, não se guiam pelo cômodo princípio do ´em dúvida, gaste´. Afinal, de quem é o dinheiro?’
Marcelo de Moraes
Despesas sigilosas do governo dobram em 4 anos e superam R$ 35 milhões
‘O governo federal já gastou R$ 98,7 milhões de 2004 a 2007 em despesas sigilosas, consideradas de interesse da segurança do Estado. Esse tipo de gasto, que inclui contas da Presidência da República, vem aumentando ano a ano. Em 2007, o governo pagou cerca de R$ 35,7 milhões em despesas sigilosas, usando os serviços de 607 empresas. O valor é 42,8% superior ao de 2006 – em que os gastos desse tipo somaram cerca de R$ 25 milhões – e mais que o dobro dos R$ 16,9 milhões registrados em 2004.
Os gastos sigilosos do governo também podem ser feitos com os cartões corporativos, mas não se restringem a eles. Alguns órgãos oficiais, como a Agência Brasileira de Inteligência (Abin), têm boa parte de seus custos protegidos por segredo para garantir a eficiência de suas atividades, consideradas estratégicas para a segurança nacional.
Isso inclui os gastos feitos por seus funcionários com cartões corporativos. Apenas em 2007, a Abin teve despesas sigilosas de cerca de R$ 11,5 milhões com os cartões, mais que o dobro em relação a 2006 (quando somaram R$ 5,5 milhões). O governo argumenta que esse aumento dos recursos usados pela Abin com o cartão foi causado pela utilização de agentes durante os Jogos Pan-Americanos do Rio de Janeiro.
O mesmo tipo de despesa ocorre com outros órgãos com atividade policial ou de inteligência, como a Polícia Federal, por exemplo. Mas há gastos de setores do governo como Casa Civil e o próprio gabinete da Presidência da República, que também são protegidos pelo sigilo.
Na última semana, o ministro do Gabinete de Segurança Institucional, general Jorge Félix, reconheceu que houve um erro do governo ao permitir o acesso a gastos com cartões corporativos de funcionários da Presidência responsáveis por despesas como compra de gêneros alimentícios. A tendência é que a informação sobre esse tipo de gasto seja também vedada ao público a partir de agora.
Os recursos utilizados de forma sigilosa começaram a ter registro no Portal da Transparência, site na internet administrado pela Controladoria-Geral da União (CGU), a partir de 2004. Naquele ano, o total usado sob essa classificação foi de cerca de R$ 16,9 milhões, com pagamentos feitos a 424 empresas. A partir daí, esse tipo de despesa só fez crescer. Em 2005, pulou para R$ 20,9 milhões, com pagamentos para 492 empresas. No ano seguinte, chegou a R$ 25 milhões, com 465 empresas remuneradas. Até alcançar a marca do ano passado, de R$ 35,7 milhões, com 607 empresas.
Segundo a assessoria de imprensa da CGU, existe acompanhamento sobre o tipo de despesa que está sendo feita de forma sigilosa, mesmo que ela não seja especificada no Portal da Transparência.
´As informações sobre despesas sigilosas estão disponíveis no portal apenas em valores globais. O detalhamento dessas despesas consta dos processos de prestação de contas existentes nos órgãos respectivos e disponíveis para órgãos de controle interno e externo´, informa a assessoria da CGU. ´Os órgãos de controle têm acesso a esses dados (incluindo notas fiscais).´
COMPETÊNCIA
A controladoria informa, porém, que não possui esse mesmo tipo de prerrogativa de controle sobre gastos sigilosos feitos por órgãos vinculados à Presidência. Mas garante que mesmo esses gastos são auditados regularmente.
´É importante ressaltar, entretanto, que, no caso dos órgãos vinculados à Presidência, a CGU não tem competência legal para auditá-los, a não ser por solicitação do ministro respectivo. Os órgãos da Presidência são auditados regularmente pela Secretaria de Controle Interno da Casa Civil e pelo Tribunal de Contas da União, inclusive quanto aos gastos protegidos por sigilo´, explica a assessoria.
Sobre o aumento do total de gastos sigilosos nos últimos anos, a assessoria explica: ´A CGU não faz juízo sobre a natureza ou o volume do gasto protegido por sigilo. Esse juízo compete ao próprio órgão que executa a despesa.´
Mas lembra que, ´do ponto de vista de sua legalidade´, essas despesas ´são previstas em lei há muitos anos´. Argumenta ainda que elas não constituem criação do atual governo, ´nem particularidade do Brasil, pois existem em qualquer país do mundo´.’
DEM quer abrir dados secretos
‘Representantes dos partidos de oposição defendem que sejam revelados detalhes sobre os gastos sigilosos do governo. Para o presidente do DEM, deputado Rodrigo Maia (RJ), não é necessário esconder o tipo de gasto feito para preservar ações que sejam de interesse estratégico.
´Sou a favor que se abram todos os gastos sigilosos. É possível que seja revelado que tipo de despesa foi feita sem que se revele o nome do operador. O governo pode fornecer no Portal da Transparência algum tipo de informação que permita pelo menos controle externo feito pela sociedade´, afirma Maia.
O presidente do DEM pretende defender mudanças no sigilo caso seja instalada a CPI dos Cartões. ´Não existe gasto público que não possa ser transparente. Defendo que não haja sigilo nessas despesas feitas pelo governo, seja com o cartão ou de outro tipo.´’
TELECOMUNICAÇÕES
Criação da supertele enfrenta problemas
‘As negociações para a formação da supertele, que pode ser criada pela compra da Brasil Telecom (BrT) pela Oi (antiga Telemar) estão levando mais tempo que o esperado. Um sinal disso é o fato relevante divulgado na quinta-feira pela Oi, a empresa confirmou as conversas e divulgou uma previsão de preço, mas disse que a aquisição ainda não estava fechada. A expectativa do mercado, e de alguns acionistas das operadoras, era que fosse divulgado ainda esta semana um comunicado com uma proposta fechada de aquisição. Ontem, as ações da Telemar caíram 4,59%, enquanto o Ibovespa avançou 0,19%.
Segundo fontes do mercado, as dificuldades vêm de duas frentes: o Banco Opportunity e a presidência da República. O banqueiro Daniel Dantas teria imposto exigências que os outros acionistas acham difícil de cumprir. ´O Opportunity tem sido o mais difícil de negociar´, disse uma fonte que acompanha de perto as negociações.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva estaria preocupado com a repercussão de um decreto presidencial que beneficie a Oi, operadora que fez um investimento milionário na Gamecorp, empresa que tem Fábio Luiz da Silva, um dos filhos do presidente, como acionista.
Interlocutores próximos teriam apontado que Lula teria mais a perder do que a ganhar com uma intervenção direta no processo. Fontes de Brasília, ouvidas pelo Estado, garantiram que o assunto está bem encaminhado. Fontes das empresas, por outro lado, vêem o assunto como ´mais ou menos bem encaminhado´.
Em Brasília, a oposição começa a questionar a formação da supertele. O presidente do PPS, Roberto Freire, e o vice-líder do partido na Câmara, deputado Arnaldo Jardim (PPS-SP), vão se reunir na segunda feira com o presidente da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), Ronaldo Sardenberg, para discutir a eventual fusão da Oi com a Brasil Telecom (BrT).
Jardim questiona o apoio do governo ao negócio e o financiamento que o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) deverá conceder aos controladores da Oi para a compra da BrT.
´A fusão da Oi com a BrT é caso extremamente nebuloso´, afirmou o deputado em nota publicada na página do partido na internet, na qual é informada a data da reunião. Segundo ele, o negócio está sendo tratado nos bastidores e tem mobilizado ´grandes interesses econômicos, ministros, ex-ministros e até familiares do presidente Lula´. Os Democratas planejam questionar na Justiça a aquisição, que consideram ilegal sob o ponto de vista da concorrência.
O mercado aguarda para a próxima semana a publicação de um fato relevante que oficialize a intenção de compra da Brasil Telecom pela Oi. A partir do fato relevante, o Ministério das Comunicações deverá fazer uma consulta à Anatel sobre a viabilidade de se mudar as regras para permitir o negócio. Hoje a legislação proíbe fusões e ações de compra e venda entre concessionárias de telefonia fixa, entre elas a Oi e a BrT.
De forma geral, incertezas têm levado os negociadores a prever todas as possibilidades em jogo, o que alonga o processo de tomada de decisão. Inicialmente, a expectativa dos acionistas era de concluir o memorando na véspera do carnaval. A data acabou sendo adiada para ontem. Em seguida, se passou a trabalhar com a hipótese de anúncio no início da semana que vem e já se espera um novo adiamento.
Na prática, há duas operações em curso. Uma é a de consolidação do controle da TmarPart (dona da operadora Oi) nas mãos do grupos La Fonte, de Carlos Jereissati, e Andrade Gutierrez, de Sergio Andrade. Esses dois acionistas vão comprar participações de sócios no negócio, como o Citigroup, GP Participações e Opportunity.
Ainda nesse processo, os fundos Petros (Petrobrás) e Funcef (Caixa Econômica Federal), que já participam da TmarPart, querem comprar uma parte da fatia do BNDES para aumentar seu peso relativo e poder decisório na nova configuração da controladora.
Em seguida, a operadora Oi planeja comprar o controle da BrT, representado pelos fundos de pensão Previ (Banco do Brasil), Petros e Funcef, Citigroup e Opportunity. A idéia inicial é manter a BrT como uma controlada da Oi. Uma eventual fusão entre as duas operadoras ficaria para o futuro.
Há sócios que estão decididos a deixar as empresas em jogo, como a GP Participação, que quer sair a TmarPart, e o Citigroup, que quer vender suas fatias na controladora da Oi e na BrT. Estes dois sócios não estariam aceitando condições novas, como cláusulas de reversibilidade, que levariam as negociações à estaca zero.
O BNDES planeja reduzir sua participação no capital da TmarPart, mas compensará essa diminuição com um instrumento híbrido de renda fixa e variável.
Segundo uma fonte ligada à operação, o sistema de renda variável se dará pela valorização da nova empresa que será formada a partir da compra, e não sobre a holding da Oi.’
TECNOLOGIA
BitTorrent quer repetir na TV a revolução da internet
‘Os sistemas de troca de arquivos – que permitem aos internautas baixarem programas, jogos, música e vídeo uns dos outros – geram hoje a maior parte do tráfego da rede mundial. A empresa alemã Ipoque analisou o uso da internet em cinco regiões do mundo e descobriu que as trocas de arquivo vão de 49% do volume de dados no Oriente Médio a 84% no Leste Europeu. Em inglês, os sistemas de troca de arquivos recebem o nome de peer-to-peer, ou P2P.
Com mais de 160 milhões de usuários em todo o mundo, o BitTorrent é hoje a tecnologia de P2P mais popular da internet. E seu criador, o programador americano Bram Cohen, de 33 anos, quer levá-la para além do computador. Na visão dele, o BitTorrent pode se tornar a base de distribuição de vídeo para o aparelho de TV. Haveria troca de vídeos entre telespectadores, e não só internautas.
´Podemos trazer grande valor aos fabricantes de conversores (set-top boxes), oferecendo, ao mesmo tempo, conteúdo para seus usuários e tecnologia de distribuição para seus downloads´, disse Cohen, co-fundador e cientista-chefe da BitTorrent Inc., em entrevista por correio eletrônico. A idéia seria ligar uma conexão de banda larga no equipamento que recebe os canais de televisão, e baixar vídeo diretamente da internet, sem precisar de um computador.
A empresa já tem um programa de roteadores certificados. Os roteadores são os equipamentos que controlam o fluxo de informações na internet. ´Estamos trabalhando em acordos para termos mais presença em equipamentos de armazenamento de dados na rede e set-top boxes no futuro´, explicou Cohen.
Surgido em 2001, o BitTorrent revolucionou a troca de arquivos na internet. Sistemas anteriores permitiam que o internauta baixasse um arquivo de uma única fonte por vez, o que muitas vezes dificultava o acesso. Com o BitTorrent, quanto mais popular um arquivo, mais rápido se torna baixá-lo. O internauta recebe trechos do arquivo de várias pessoas ao mesmo tempo, o que garante um desempenho melhor. No lugar de se conectar a servidores, como em outros produtos, o usuário precisa encontrar links dos arquivos, chamados de torrent, na internet. Cohen já definiu o BitTorrent como ´uma ferramenta de software de peer-to-peer que se integra harmoniosamente com a web´.
ESTRATÉGIA
O BitTorrent transforma o cinema e a televisão da mesma forma que o Napster (um sistema anterior de P2P) revolucionou o mercado da música. Cohen afirmou que não imaginava esse impacto quando desenvolveu o software. ´Quando escrevi o BitTorrent pela primeira vez, quase não havia vídeo transferido pela internet, pela simples razão que, antes do BitTorrent, não era economicamente viável fazê-lo´, explicou o programador. ´Criei o BitTorrent como uma ferramenta mais genérica possível, capaz de manipular qualquer tipo de arquivo. Então, ele suporta bem os vídeos.´
O Napster foi um sucesso entre os usuários, mas acabou sofrendo uma avalanche de ações judiciais das gravadoras, por causa da pirataria. O BitTorrent usou uma estratégia diferente: a empresa fechou acordos com grandes empresas de comunicação e entretenimento, como Fox, Paramount, Sega, Warner e MTV. Em seu site só existem links para conteúdos legais, apesar de os internautas também usarem a tecnologia para trocar arquivos piratas.
Segundo Cohen, foi um ´desafio` para empresa fechar os acordos com grandes grupos de mídia. ´Quando começamos a falar com as empresas de comunicação, muitas pessoas previram que elas iriam nos processar´, disse. ´Levou algum tempo para convencê-las de que agíamos com boas intenções.´
Para o criador do BitTorrent, a grade de programação, em que a emissora determina o horário das atrações, tem seus dias contados. ´No futuro, o vídeo não será distribuído pelo meio tradicional conhecido como ?televisão?, que permite assistir somente o que acontece no momento, mas será transferido pela rede´, afirmou Cohen. ´As pessoas poderão assistir o que quiserem, desde o começo, a qualquer momento e em qualquer lugar.´
A empresa ainda não possui parcerias com empresas brasileiras, mas tem interesse em formá-las. Ele fez recomendações a grupos de mídia tradicional: ´Todos deveriam se preparar para a mudança inevitável da distribuição online. As empresas de cabo deveriam dar ênfase à sua infra-estrutura baseada no protocolo de internet (IP, na sigla em inglês), e as companhias de comunicação deveriam traçar sua estratégia de distribuição em rede.´’
TELEVISÃO
O senhor da novela das 7
‘Em geral, quem ouve o autor Silvio de Abreu dizer – e ele diz isso sempre – que não se importa tanto com o ibope de suas novelas, torce o nariz, duvida. Mas é que depois de 30 anos escrevendo folhetins, ele garante que audiência é uma coisa, sucesso é outra, bem diferente. Nessa tese, os mais de 50 pontos podem vir de uma maneira quase que por comodismo do telespectador – a trama pode demorar, mas acaba engrenando. ´Quando a novela é um sucesso, você percebe nas ruas, na venda dos produtos que ela anuncia, no corte de cabelo que as mulheres copiam, tudo. Ela sai da televisão. E quando ela não faz sucesso, fica lá. As pessoas até vêem, mas falam mal, não gostam´, explica o autor.
Silvio tem 15 novelas no currículo, fora as minisséries e programas especiais. Está consolidado como um peso pesado da teledramaturgia, e tem, claro, sucessos e fracassos para citar. Mas se fosse para exemplificar sua tese sobre a diferença entre sucesso e audiência, nada melhor do que lembrar de Guerra dos Sexos, que completa 25 anos em junho. A repetição incontável daquela cena de café da manhã, em que Fernanda Montenegro e Paulo Autran, irmãos na história, atiram comida um no outro é a prova do que é fazer sucesso.
Com Guerra dos Sexos, Silvio lançou uma nova onda na televisão, a de que as novelas, especialmente da faixa das 7 horas, não precisam ser sempre tão dramáticas, podem ser leves e divertidas – e que a comédia não tem de ficar confinada a um núcleo ou personagem. Deu certo, muito certo. Tanto, que a fórmula passou a se repetir no horário que, agora, é tido como problemático e com um público difícil de agradar.
É nesse contexto que Silvio volta a uma novela das 7 horas, Beleza Pura, que estréia no dia 18, desta vez como supervisor de texto – da novata Andrea Maltarolli. Ele reconhece que o horário tem problemas, mas prefere falar ao Estado sobre o tema em geral – a crise das mocinhas, a classificação etária e a perda da emoção.’
Alline Dauroiz
Bôscoli na Cultura
‘A música independente ganhará, em breve, mais espaço na TV aberta. O músico João Marcelo Bôscoli, filho de Elis Regina e dono da gravadora Trama, terá um programa na Cultura, com novos talentos e um bloco dedicado aos artistas independentes, nos moldes do programa Trama Virtual, do Multishow.
Quem está por trás do projeto é o coordenador do Núclo de Música da TV Cultura, Fernando Faro, criador do clássico Ensaio. Nesse novo trabalho, Faro se encarregará da supervisão.
Outra novidade na emissora, também encabeçada por Faro, é o retorno do programa Móbile, criado por ele em 1962. Originalmente, a atração misturava música e texto.
Segundo o coordenador, a idéia é fazer do programa uma colagem, de maneira desordenada. ´Já gravamos um piloto, que tinha Toquinho tocando baixo e uma dupla de bailarinos clássicos, dançando ritmos populares, como maracatu e frevo´, conta.
A Cultura ainda não fechou sua grade de programação, mas as novas atrações estão previstas para irem ao ar em abril.’
CARNAVAL
Compêndio de um camarote
‘Como sou um folião que tem samba nas rodas, freqüento o sambódromo de São Paulo, o Pólo Cultural e Esportivo Grande Otelo, desde a sua inauguração. Me dei conta, neste ano, que posso ser considerado uma lenda viva na avenida. Conheci todas as edições do camarote da Prefeitura. Visitei-o durante a administração Erundina, Maluf, Pitta, Marta e Serra-Kassab. Sou a autoridade para escrever um compêndio e traçar comparações.
1) Camarote Erundina. Como a mesma inaugurou a obra a toque de caixa (e é a única socialista de verdade), havia lama e tinta fresca tanto no caminho do folião como no do conviva VIP. Então se descobriu: que cerveja que nada, em São Paulo, vai pegar é o camarote da Prefeitura, com amplo espaço a céu aberto e ao lado do recuo da bateria. Detalhe constrangedor: atrasaram o desfile, para que um grupo de petistas históricos se manifestasse pelos 530 metros da avenida, com faixa e tudo, contra a Guerra do Golfo. Até eu vaiei.
2) Camarote Maluf. Decoração sem grandes destaques, afinal, muitos ali estavam com processos de improbidade ou fugindo da polícia. Se algo relevante aconteceu, foi bem acobertado ou negado.
3) Camarote Pitta. Estranhamente, com uma armação de madeira no canto, para Nicéia e suas amigas. Os convivas podiam circular livremente. Foi o convite mais fácil de se descolar. Foliões não sambavam com os braços para cima, preocupados com suas bolsas e carteiras. Havia grande concentração de políticos com problemas na Justiça (Escândalo das Propinas).
4) Camarote Marta. Surpreendentemente, o mais luxuoso de todos, com bufê Casa Fasano. Dividiram o espaço em duas alas, VIP e VIPdoVIP, ou VIPolitiburgo, em que barravam com truculência os intrusos. Era para a elite deslumbrada do PT, antigos militantes de esquerda que agora comandavam o País. Indicava-se que o lulismo deixava de ser socialista. Mas, que se faça justiça: foi o camarote mais animado. Uma belezura. Alta concentração de paparazzi.
5) Camarote Serra-Kassab. O mais PPP (Parceria Pública-Privada). Bancado pelos patrocinadores da festa, duas empresas públicas e uma cervejaria. Comida? Poderia ser menos pública e mais privada. Decoração? Ousadíssima. Estilo boate Love Story com material reciclado. Eficiência do estacionamento aos acessos. Claro, estava lá Andrea Matarazzo, o fecha boates-postos-bares-e-estacionamentos ilegais! Animação? Bem. Compare o pique da família Suplicy com o da Kassab.
Será que haverá um dia o Camarote Soninha, com uma galera descolada, espalhada em almofadões, curtindo um samba maneiro, na boa, ao redor de fogueiras, fazendo um luau?
Os não propensos a dizem que, quem viu uma escola de samba, viu todas. Heresia. Como também não é justo afirmar que reggae é tudo igual, que só há uma música punk, e as outras são variações desafinadas, que funk carioca só tem dois temas, pegação e pegação com consciência social, que o esquisito numa ópera é a mocinha magrela se apaixonar pelo gordo que dá mais atenção ao lenço do que à mulher, ou que todo político é ladrão. Generalizações são injustas.
Ao vivo ou na telinha, o carnaval evolui, cria diferenças, distancia-se de outras manifestações. Ou você já viu duas comissões de frente iguais?
O que não muda, e é atração à parte nas transmissões da tevê, é o cansaço dos seus profissionais, contra o que lutam até o amanhecer, que embebeda os apresentadores durante a fatigante jornada pelo universo dos desfiles. Nem os mais experientes escapam. Chico Pinheiro anda contido. No passado, era mais divertido o seu empenho para se manter acordado, com frases desconexas. Lecy ´Comunidade` Brandão exibe a sua habilidade em conhecer os apelidos dos membros importantes das escolas de samba. Maurício Kubrusly entregou o segredo dela no sábado de carnaval. Ou foi na sexta? Lecy carrega um caderno em que anota os nomes e apelidos dos envolvidos, nas suas visitas periódicas aos barracões e comunidades.
´Salgueiro, Portela e Mangueira abriram o carnaval de São Paulo´, disse Kleber Machado, lá pelas 4 h de domingo. Ou foi da segunda? O locutor representa o nicho masculino, herança do inconfundível Fernando Vanucci, que exalta sem cerimônia a mulher brasileira, grupo que agüenta até o amanhecer para vê-las (isto é, a maioria) e… exaltá-las.
´Essa daí esperamos que não esteja em extinção´, disse ele sobre uma passista anônima da Portela, traçando uma analogia com o enredo da escola, que suplicava pela salvação do planeta. Eventualmente, uma das musas ganhava o logotipo: um avião. Ainda se compara uma mulher bonita a um avião? Do jeito que anda o caos aéreo e o serviço de bordo das companhias aéreas, não seria melhor compará-las a um busão leito expresso?
Mas quem se destacou foi Maria Augusta Rodrigues, artista plástica e professora da UERJ, que comenta para a Globo os desfiles cariocas com Haroldo Costa e Dudu Nobre. Ela lembra os bons polemistas, como Paulo Francis e Barbara Heleodora, que falam o que pensam, provocam, não criam floreios, não fazem média e alimentam o debate. ´A Portela está parada.` ´Este carro é muito colorido, enjoa.` ´A alegoria da Mangueira é bonitinha, mas se fosse menor daria o mesmo efeito.´
Fiquei fã da comentarista, que destoa da camaradagem, que alguns chamam de espírito carnavalesco. Não é apenas mau humor com procedência. Ela elogia também. E entende.
Um comentário seu ´abrilhantou` (para usar uma palavra presente em 90% dos sambas-enredo) o debate no 3º Congresso de Engenharia do Entretenimento, organizado pela UFRJ: ´O chão do sambódromo do Rio de Janeiro é inclinado para a esquerda, para escorrer a água de chuva. Não levaram em conta que os carros alegóricos, desta forma, deslizam. Faltou o comprometimento e conhecimento dos engenheiros, arquitetos e especialistas envolvidos com a obra, sobre o desfile de carnaval.` Como a pista de um aeroporto familiar.
Comentário nada a ver. Sabe como o mangueirense Chico Buarque se livra dos paparazzi que infernizam as suas caminhadas vespertinas pela orla do Leblon? Vai sempre com a mesma roupa. Malandro. Assim, fica difícil para o fotógrafo provar ao editor que a nova foto não é uma antiga. Perdeu, playboy!’
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