Se, como destaca o professor Afonso de Albuquerque, as formas narrativas empregadas no jornalismo ultrapassam a explicação dos eventos noticiados, ‘constituindo também um recurso importante do qual os jornalistas se valem para legitimar a sua própria autoridade descritiva dos fatos e interpretativa dos fatos’, o que a rádio CBN apresentou na quarta-feira (5/8) é um exemplo lapidar de como a mídia nativa trafega com desenvoltura do seu ofício original para o espetáculo mambembe, sem qualquer noção do ridículo.
Comentando a palestra do presidente Luíz Inácio Lula da Silva para empresários argentinos e brasileiros, em Buenos Aires, Heródoto Barbeiro e Miriam Leitão demonstraram que espirituosidade em matéria informativa requer talento que os dois não têm.
Entre encontrar o equilíbrio, esclarecendo ao ouvinte o que aconteceu, e praticar um humor de gosto duvidoso, a escolha pela vulgaridade lhes pareceu o caminho mais apropriado. Três eram os alvos: Lula, sua colega argentina, Cristina Kirchner, e o presidente venezuelano, Hugo Chávez. Um trio que, como reza a linha editorial dos veículos em que trabalham, merece desqualificação permanente. Nada de ironia fina, com informações subentendidas, tiradas inteligentes que revelem argúcia, brilho e preparo intelectual. Afinal, quando se trata de liderança latino-americana que destoa do velho receituário, o grotesco é licença poética de ‘boas’ redações. Não seria diferente na rádio que ‘toca notícia’.
Circo global
Uma declaração de Lula e o encontro trilateral com Chávez, não previsto oficialmente, serviram de pretexto para uma sucessão de tiradas de duplo sentido. Gags jornalísticas, quem diria, ao melhor estilo Casseta & Planeta.
O que segue abaixo é um novo formato de jornalismo humorístico, que parece desconhecer a linha tênue que separa o bom-humor da pilhéria grosseira. Um dueto ‘neocon’, com insinuações de duplo sentido.
Heródoto – Bom dia, Miriam.
Miriam – Bom dia, Heródoto, bom dia, ouvintes.
Heródoto – Miriam, o que você acha dessa declaração do presidente?
O áudio traz um trecho da fala do presidente Lula: ‘Do ponto de vista do crescimento econômico, por que Deus nos fez grudados, por que coloca um homem e uma mulher juntos? Para que cada um olhe para um lado? Não, é para se olharem’. Heródoto retoma a conversa:
– Será que nós estamos falando de casamento, Miriam?
Miriam – Pois é, que coisa intensa, né? Uma declaração intensa do presidente Lula, né? Porque Deus nos fez grudadinhos…
Heródoto – (risos)
Miriam – Aí chegou um terceiro que não foi convidado. Isso é que foi chato, isso é que foi muito…
Heródoto – (risos)
Miriam – …muito chato.
Heródoto – (risos)
Miriam – Tava rolando o maior ‘climão’. Aí chegou o Hugo Chávez. Cara, esse cara não tem simancol!
Heródoto – Não tem, né? (risos) Tamos aqui. Olha nós aqui outra vez.
Miriam – Pois é, esse já atrapalhou vários encontros bilaterais.
Heródoto – Ah, então o que faremos do nosso casamento argentino?
Daí pra frente, a jornalista resolve falar ‘sério’. Ou seja, ataca a idéia de criação de um Gasoduto do Sul, de uma empresa aérea trilateral, e reclama que Chávez terminou por atrapalhar um diálogo ‘mercado-mercado’.
Desce a lona do circo global. Há um momento que do ridículo não existe retorno. É quando o estúdio radiofônico se transforma em picadeiro.
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Professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), Rio de Janeiro