Thursday, 19 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

O fantástico show da morte

Do lado de dentro do apartamento simples em Santo André, SP, a tragédia: duas meninas ameaçadas por um homem armado, que terminaria por matar uma e ferir a outra. Do lado de fora, a festa da imprensa: repórteres, câmeras, celulares, entrevistas ao vivo com o seqüestrador, que a cada instante se sentia mais poderoso, uma celebridade. E transmissões diretas, que permitiriam que o criminoso acompanhasse, minuto a minuto, as manobras da polícia.

A liberdade de imprensa não pode ser limitada: a Constituição não o permite, e represar informações vai contra o interesse do país. Mas liberdade de expressão não significa, por exemplo, que alguém deva gritar ‘fogo!’ num estádio lotado. E liberdade implica responsabilidade. Quanto mais liberdade, mais responsabilidade. Teremos sido nós, jornalistas, ao elevar a auto-estima do criminoso, ao revelar-lhe a cada momento os planos da polícia, co-responsáveis pelo tiro em Nayara e pela morte de Eloá?

Há quase 60 anos, um filme clássico de Billy Wilder sobre a imprensa, A Montanha dos Sete Abutres, com Kirk Douglas, já narrava como pode ser nocivo o envolvimento dos jornalistas com os acontecimentos. Jornalistas devem reportar, não interferir. E colocando no ar, ao vivo, um maluco homicida armado, a imprensa interferiu nos fatos: transformou-o em famoso, inflou seu ego assassino, ajudou-o a se sentir acima do bem e do mal.

Não há ganho de audiência, nem de circulação, que valha a vida de Eloá.



E vai rolar a festa

Se deu certo com um, por que não com outro?

Se o seqüestrador e assassino da namorada virou celebridade (e não por 15 minutos, como é de praxe, mas por mais de quatro dias), pautou as tevês, deu entrevistas ao vivo, por que não seguir seu exemplo?

Outro idiota, este de Minas Gerais, resolveu ficar famoso também: em Ibirité, invadiu a casa da namorada, feriu os pais dela a bala (por que não aprovavam o namoro), e sabe-se lá até onde iria se a polícia não interviesse a tempo.

Esta notícia meio que sumiu no meio da repercussão do assassínio de Eloá. Mas deve manter-se em destaque na cabeça dos jornalistas. Até que ponto temos algo a ver com isso?



O grande Carnaval

Nas proximidades do local do seqüestro, só faltou baiana para fazer pastel e um bom churrasco de gato. E, naquela festa do caqui, que ignorava a tragédia desenhada, até o governo tomou parte, mostrando-se confuso e desorganizado para lidar com a crise. Foi quando o governador José Serra, informado por seu secretário da Segurança, afirmou que Eloá Cristina Pimentel estava morta. A informação só viria a estar certa alguns dias mais tarde. Só que isso não é desculpa: se fosse, poderíamos noticiar a morte de qualquer pessoa a qualquer momento, porque um dia esta informação falsa se transformaria em verdadeira.



A palavra materna

Uma mãe, que nada teve a ver com a tragédia de Santo André, SP, desabafa em mensagem (aqui publicada com ligeiras modificações, para atualizá-la):

‘Peço licença para, como mãe e cidadã, postar uma crítica e um questionamento sobre a cobertura da mídia referente ao seqüestro em Santo André, SP. Além da espetacularização do seqüestro vejo a mídia não estar nem aí com o fato de estar informando o seqüestrador sobre cada passo dado pela polícia.

‘Estou deveras preocupada com a falta de estratégias da polícia e a intervenção irresponsável da mídia. É fato que ele acompanhou os acontecimentos pela TV, após o restabelecimento da energia no apartamento.

‘Se o seqüestrado fosse um filho meu, eu não estaria segura quanto ao desfecho desta história. Pergunto: qual é a responsabilidade da mídia em relação à seqüestrada, se eles pautam diuturnamente o perfil psicológico do sequestrador, dão espaço para alimentar o superego deste com entrevistas (inacreditável como a Polícia não interfere e deixa correr solto, além de permitir que a outra garota retornasse ao apartamento), e o mais crítico: informam cada ação da polícia do lado de fora. Haveria outros responsáveis pelo crime além do seqüestrador?’



Equívocos eleitorais

Os meios de comunicação estão aceitando, como argumentos legítimos de campanha eleitoral, absurdas patranhas que deveriam ser tratadas pelo nome: mentiras, tentativas deliberadas de enganar os eleitores Não é a questão de construir ‘n’ hospitais ou ‘x’ quilômetros de metrô: as promessas podem até ser inviáveis, mas se um prefeito as escolher como prioridades absolutas, deixando de lado todo o resto, até que podem não estar tão longe.

Muitas vezes, a imprensa aceita como argumento tolerável a tentativa pura e simples de tentar iludir o eleitor grudando no adversário alguma característica desabonadora. Nem sempre dá certo: as insinuações de Marta Suplicy, em São Paulo, referentes ao casamento e ao número de filhos do adversário Gilberto Kassab, viraram-se contra ela. Mas resta a lenda de que os problemas enfrentados pela candidatura do PT se devem ao ‘direitismo’ e ao ‘conservadorismo’ de São Paulo.

Besteira: a cidade ‘direitista e conservadora’ já elegeu duas vezes um mato-grossense de fala exótica, Jânio Quadros; uma nordestina petista, solteira e sem filhos, Luíza Erundina; um negro carioca que nunca tinha disputado eleições, Celso Pitta; um filho de imigrantes libaneses, Paulo Maluf; e a própria Marta Suplicy. Terá a cidade mudado, de oito anos para cá? Terá Marta mudado tanto que a cidade direitista e conservadora, que já a elegeu, lhe ofereça agora mais dificuldades?

No Rio, a coisa é pior. Os dois candidatos disseram, em debate, que já fumaram maconha. Mas o candidato governista Eduardo Paes tenta influenciar os meios de comunicação, ensinando-lhes a editar o que foi dito, e informando que ele só experimentou maconha, enquanto seu adversário Fernando Gabeira, sim, é maconheiro.

Às vezes dá certo: Jânio Quadros derrotou Fernando Henrique acusando-o de maconheiro e ateu, e dizendo temer que o adversário ‘incluísse a maconha na merenda escolar’.

A isso se soma um certo descaso da imprensa com relação às pressões oficiais contra Gabeira. Aceitou-se, sem grande escândalo, que o candidato governista usasse o painel eletrônico do Estádio do Maracanã para fazer sua propaganda, à custa dos contribuintes (não terá havido crime eleitoral?); aceitou-se, com certa tranqüilidade, a apreensão de uma Kombi do candidato governista recheada de material apócrifo contra o adversário Gabeira. O Rio precisa ser olhado com todo o carinho pelos meios de comunicação: foi lá que se tentou ‘garfar’ a vitória de Leonel Brizola, com pesquisas falsificadas; é lá que milicianos e narcotraficantes impedem que candidatos não afinados com eles, como Gabeira, procurem votos entre os habitantes de favelas.



Os bons 1

Uma das melhores reportagens dos últimos anos ganhou a 30ª Edição do Prêmio Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos, categoria jornal, violando todos os parâmetros hoje aceitos nas redações: texto longo, com várias páginas, tratando de um tema desagradável, a existência da escravidão nas usinas de cana de São Paulo.

Texto longo, mas que texto! Fotos de gente feia, mas que fotos! Lê-lo foi um prazer. E tomar conhecimento de que em São Paulo acontecem coisas que só imaginávamos possíveis nos grotões do Brasil – até mesmo com a manutenção da linguagem dos tempos da escravidão. Aquele profissional que hoje conhecemos como capataz, por exemplo, no mundo da cana ainda é o ‘feitor’ – como aquele que controlava o trabalho dos escravos.

Os autores: Mário Magalhães, sempre excelente, e Joel Silva. Por publicar a reportagem, por dar-lhe o espaço necessário, por bancar custos que hoje boa parte da imprensa tenta evitar, a Folha de S.Paulo também merece os parabéns



Os bons 2

A Rede Record também está em festa: Arnaldo Duran, Gustavo Costa e a equipe do Jornal da Record ganharam o Prêmio Vladimir Herzog, categoria Documentário de TV. A empresa investiu pesado, mandando uma excelente equipe para o Norte do país. Os jornalistas mostraram histórias estonteantes – por exemplo, o uso de terras federais, destinadas ao assentamento de colonos, para formar novas e grandes fazendas. Algo como 400 milhões de reais foram desviados.



Como…

De um grande jornal, explicando como o Corinthians jogaria na ausência do atacante Herrera: ‘Bebeto deve ser o titular. Ontem ele treinou entre os titulares. Otacílio Neto e Bebeto são as outras opções’.

Bebeto, 30 anos, entrou mesmo no lugar de Herrera. O outro Bebeto, que o jornal aponta como ‘outra opção’, deve ser Careca, 20 anos. Mas como é que o jornal vai distinguir um do outro, se ambos usam camisetas do mesmo time?

A propósito, se é opção, só pode ser ‘outra’. Como ‘planos’ só podem ser para o futuro. É meio difícil planejar o passado. Ou ter como opção exatamente a mesma coisa que estamos fazendo.



…é…

De outro grande jornal: ‘Sete mil querem adotar uma criança no Estado’.

Será que não há outras crianças para adotar?

Há alguns anos, um anúncio clássico dizia que ‘nove entre dez estrelas de cinema’ usavam o mesmo sabonete. Stanislaw Ponte Preta, o grande cronista da época, completou: ‘A décima ganha o suficiente para comprar um sabonete só pra ela’.



…mesmo?

Este é da internet, de um portal importante:

** ‘Bilhete de Bertioga (SP) acerta sozinho na Mega-Sena’

Acertar sozinho, vá lá. Mas como é que o bilhete pretende ir à Caixa Econômica Federal para receber o prêmio?



E eu com isso?

Os candidatos se pegam na luta pelo segundo turno, Marta quer saber quem é que é casado e tem filhos, muita gente quer saber que é que ela tem com isso – mas outro mundo é possível. Veja que paz, que alegria, que bom humor!

** ‘Sutiãs voam em ato por salário melhor’

** ‘Susana Vieira reforça bronzeado com o marido no Rio’

** ‘Dado Dolabela e Luana Piovani trabalham para a chegada de um filho’

Tudo bem: não há quem diga, quando trabalha, que ‘está ralando?’



O grande título

Desta vez é dificílimo escolher, e este colunista não consegue chegar a uma conclusão: você decide.

** ‘Netbooks: canibais jovens e baratos do mercado de laptops’

Claro, alguém deve entender o que é que isso significa.

** ‘Gordura Trans é um dos maus da alimentação moderna’

Há maus que vêm para bens, talvez?

******

Jornalista, diretor da Brickmann&Associados