A morte de José Roberto Alencar, um grande repórter, deixa o mundo mais pobre. Mas não empobrece o jornalismo: o jornalismo tinha ficado mais pobre já há algum tempo, ao permitir que um repórter como Alencar se afastasse das redações. Para a cúpula do jornalismo, ele não passava de um chato: era um repórter que queria, vejam só, fazer reportagens. Queria sair da cadeira, sair da Redação, usar o telefone apenas para marcar os contatos, ir até o local dos fatos para reportá-los, buscar a pauta na rua, descobrir novos acontecimentos, contar as histórias do dia a dia. Um pentelho. Competente, mas pentelho.
Salário nunca foi a maior preocupação de Alencar. Não foi este o problema que o levou tantas vezes a pedir demissão (exceto quando os atrasos ultrapassavam sua imensa tolerância). O que o afastou de muitos empregos foi uma equação simples: se eu sou um repórter e a empresa não quer reportagens, que é que faço por aqui? E o problema, também aí, não eram os custos da reportagem: Alencar sempre foi um repórter econômico. Costumava sair em seu velho jipe, com o pé embaixo, e muitas vezes nem se lembrava de cobrar a gasolina. Dormia o mais perto possível dos fatos – às vezes em hotéis, mas também em pensões, na casa de alguém, ou na zona. Magro daquele jeito, não era com comida que gastava: cerveja e a baixa gastronomia dos botecos o mantinham de pé.
Alencar morreu, e é nele que falamos. Mas o jornalismo está cheio de repórteres excelentes, longe da imprensa porque querem fazer reportagem. Esperaremos que morram para só então reconhecê-los em belos obituários?
Indispensáveis
Quem estuda jornalismo, ou gosta de boas reportagens, não pode perder dois dos livros de José Roberto Alencar: Sorte e arte e Muita sorte e pouco juízo. Ambos são de leitura agradável e mostram como se conta uma boa história. [Ver ‘Morre um repórter contador de histórias‘]
A culpa é nossa
De acordo com o presidente Lula, a imprensa brasileira merece críticas por relacionar áreas turísticas do país a casos de violência. Isso, acredita o presidente, inibe o crescimento do turismo no país.
Está certo, como de hábito a culpa é da imprensa.
Mas nenhum repórter lembrou ao presidente que cada jornal deste país publica semanalmente uma seção de Turismo – de uma página a vários cadernos – e invariavelmente com a visão mais positiva possível: as matérias são sempre feitas a convite. As viagens, portanto, são ótimas, sem exceção. O serviço de bordo é incomparável, as poltronas do avião são largas e há espaço para esticar as pernas. O hotel é sempre aconchegante, luxuoso mas não opressivo, com delicados toques de requinte. É confortabilíssimo, tem serviço impecável, funcionários altamente treinados – perto o suficiente para atender-nos a um sinal, longe o suficiente para não nos incomodar quando queremos intimidade.
Se não há mais viagens turísticas, sr. presidente Lula, não é por causa da imprensa: é apesar dela. E, cá entre nós, está bem na hora de termos uma discussão sobre isso: se matérias de Política, de Economia, de Música, de Show têm um viés crítico, por que as de Turismo têm de ser a favor e valer como jabás?
Olha o tiro!
Atenção às declarações do ex-ministro José Dirceu (puxa!, quase escrevi ‘ex-primeiro-ministro’) no Congresso Nacional de Metalúrgicos: ‘Nunca foi tão possível como agora democratizar os meios de comunicação, introduzindo regulação e concorrência no setor’.
Por incrível que pareça, a imprensa passou batida não apenas por essa declaração, mas por outra de igual gravidade: a que qualifica de ‘um grande erro’ a atitude do presidente Lula de ‘subestimar o poder da mídia’, e garante que os veículos de informação ‘são o verdadeiro partido de oposição no Brasil’.
Pois é: por coincidência, o PT andou apoiando a aniquilação da única rede de TV da Venezuela que fazia oposição ao governo.
Bateu, pagou
O fato não é incomum: o jornal recebeu aceitou como boas as informações que recebeu de fontes oficiais e tratou como culpado alguém que no máximo poderia considerar suspeito. Mas a conseqüência foi incomum: a vítima, o juiz Ali Mazloum, processou o jornal e ganhou 500 salários mínimos a título de dano moral, mais a publicação da sentença no jornal e em seu site.
Há um debate interessante entre jornalistas que vem desde o caso da Escola Base. Muitos acham que, se autoridades acusam, os veículos de comunicação podem aceitar sua palavra como boa. Se a acusação for falsa, culpadas são as autoridades, não a imprensa. Este colunista discorda: a acusação pode ser noticiada, mas não assumida. Deve ficar claro para o consumidor da notícia que o repórter e o veículo não colocam o peso de sua credibilidade ao lado dos acusadores.
Lembremos a ditadura militar, colegas. Não houve nenhum caso de tortura e morte que não tivesse autoridades jurando (e, muitas vezes, com apoio de parte da imprensa) que o perigoso elemento tinha se evadido e morrido em combate.
Definição definitiva
Frase do juiz que deu a sentença, comentando o comportamento do jornal condenado: ‘Na tentativa de produzir jornalismo investigativo, um importante instrumento da democracia, o jornal caiu na inconseqüência e na leviandade’.
Reflexão
Renan é um homem poderoso, Mônica Velloso é uma mulher muito bonita, apresentou um telejornal da Globo, tem múltiplos contatos em Brasília, mas, apesar de tudo, a pauta continua valendo: por que a maior revista do país antecipou sua edição, de maneira a coincidir com uma audiência da Vara da Família, e deu duas capas ao caso? E que levou sua maior concorrência a entrar pesado do outro lado, a ponto de chamar o advogado da jovem de Dr. Pinóquio?
Disse, mas não disse
O presidente da Infraero, brigadeiro José Carlos Pereira, disse na CPI que há risco de apagão, nos próximos anos, no transporte de cargas. Logo depois, em conversa com os jornalistas, disse que não era bem assim.
Este colunista bem que gostaria de saber se há ou não há risco de apagão no transporte de carga aérea. Vale a CPI ou vale a entrevista?
Boa notícia
Dois dos grandes portais de internet, UOL e iG, tomaram quase simultaneamente iniciativa semelhante: criaram o cargo de ombudsman, com a função de representar, dentro da empresa, os interesses dos leitores.
Na verdade, o ombudsman é uma necessidade maior na internet do que nos veículos tradicionais: as notícias se espalham em alta velocidade, a qualquer hora, e é preciso ter com quem conversar. Mais: é preciso existir alguém com acesso ao alto comando para evitar que as disputas por furos e precedências levem à queda do nível da informação.
E eu com isso?
É claro que você, caro colega, aumentou seu consumo de Frontal ou Lexotan. A venda de máscaras para ajudar o sono certamente cresceu – bem como a daquelas máscaras para vedar totalmente a luz. Mesmo assim, como poderíamos dormir tranqüilos antes de saber que, segundo um site americano, Paris Hilton tem distúrbio de déficit de atenção? Ou que Britney Spears não gosta do contato de ex com sua mãe?
Algumas notícias preciosas:
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‘De microvestido, Cláudia Raia cai na farra em gravações’**
‘Jessica Alba conta que seu primeiro beijo foi traumático’**
‘Diego Alemão vai badalar na SPFW sem Íris’**
‘Eduardo Moscovis é recebido com frutas na boca em exposição’**
‘Pamela Anderson não tem medo de ficar quarentona’Curioso: a moça ainda não é quarentona?
As voltas que a língua dá
Há três títulos preciosos nesta semana – daqueles que nos levam a relê-los, analisá-los, buscar nuances. Se não for assim, como entendê-los?
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‘PF devassa contas do pai de afilhado de Lula**
‘Relator não descarta ouvir mãe de filha de Renan em processo’E um superior a todos estes:
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‘Fibras alimentares na prevenção de problemas intestinais em pacientes crônicos é debatido no Ganepão’Os grandes títulos
Esta é uma temporada rica: nela, atribui-se a uma empresa o dom da visão (‘Boeing vê 28.600 aviões nos próximos 20 anos’). E, como é uma empresa de alta tecnologia, que visão precisa! Nada de aproximações, nada de concessões: 28.600, nem um a mais, nem um a menos.
Em outro caso, responsabiliza-se o Vaticano pela ‘nomeação’ de novos santos – quando o Vaticano apenas inclui nos seus cânones, ou ‘canoniza’, aquelas pessoas que acredita, satisfeitos determinados critérios, santificadas por Deus.
O grande título da semana, entre tantas coisas notáveis, é porém invencível:
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‘China prende dupla que contratou cego para projetar ponte que caiu’Tem uma história, fala de corrupção, de tragédia – tem até uma leve sugestão pornô. Não poderia ser outro.
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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados