A série é divertidíssima: um repórter do CQC se apresenta a políticos em evidência como especialista em marketing político, e sugere como devem se portar, o que devem dizer, como fingir que trabalham, coisas do tipo. Os políticos, sem exceção, obedecem imediatamente. E o programa põe no ar as ordens do ‘especialista em marketing político’ e a maneira como os políticos as cumprem.
É humor ou jornalismo? É humor, porque é engraçado, é feito para fazer rir; e é jornalismo, por mostrar a verdade que tantas vezes se esconde por trás da atitude pública. Pede-se que um parlamentar abra pessoalmente a porta de casa, ‘para mostrar que é igual a todos’, que receba a reportagem ‘falando ao telefone’, e apareça no ar como ‘quem estava trabalhando’, que finja dar ordens a um grupo de assessores, exibindo sua capacidade de delegar tarefas. Eles obedecem.
O CQC, como o Pânico, tem forte tendência a ultrapassar certos limites, o que não é bom; mas, ao mesmo tempo, é exatamente essa tendência, essa ousadia, que abre novas possibilidades de captação de notícias. Idéias como a de entregar uma medalha de prata a quem tirou o segundo lugar no segundo turno são inovadoras, tanto que ainda não é possível saber se são ofensivas ou apenas engraçadas; mas, de qualquer forma, revelam o estado de espírito do perdedor com muito mais precisão do que as perguntas tradicionais da reportagem tradicional.
O exercício de um mandato eletivo está longe de ser (ou deveria estar longe de ser) um caminho suave, com lindas paisagens e riachos murmurantes. O exercício de um mandato eletivo exige capacidade de rebater dificuldades, de manter-se equilibrado diante de desafios, de suportar adversidades. Quem não for capaz de manter o bom-humor diante de uma provocação de jornalistas-humoristas talvez não tenha condições de conter-se diante de problemas reais.
É tudo muito novo, mas a experiência pode dar certo. Vale a pena acompanhá-la e torcer para que tenha êxito. Por que a notícia não pode nos divertir?
Jornalistas fora 1
Sidney Rezende, bom jornalista, tradicional âncora do noticiário da CBN, foi demitido. Lamentemos pelo bom colega, lamentemos sua falta no rádio, nós que nos acostumamos a ouvi-lo, mas, se há motivos para lamentação, não os há para protestos. A emissora acredita que, sem Sidney Rezende, poderá apresentar um trabalho melhor. Se cumprir suas obrigações de praxe, estará tudo resolvido, do ponto de vista legal e formal.
Mas que o Sidney Rezende faz falta, faz.
Jornalistas fora 2
Rui Martins, bom jornalista brasileiro que vive há décadas na Suíça (está fora há tanto tempo, tão afastado do país, que aceitaria até um terceiro mandato para o presidente Lula), também entrou na polêmica da demissão de Sidney Rezende: lembra que foi correspondente da rede CBN na Europa e acabou demitido sem explicações. Mariza Tavares, da CBN, contesta: diz que Rui Martins era free-lancer e que mudanças ocorridas na programação tornaram seu trabalho desnecessário. Rui volta à carga: acredita que tenha sido afastado por pressões políticas. Mas fazer essa afirmação não é seu objetivo: propõe que os jornalistas tenham algum tipo de garantia contra demissões imotivadas, exatamente para que exista algo que contrabalance as eventuais pressões, políticas ou econômicas.
Jornalistas fora 3
O presidente da Câmara, deputado Arlindo Chinaglia, do PT paulista, pediu à BandNews que demita o jornalista Cláudio Humberto (por favor, poupem-se de desmentidos: há testemunhas). O comandante supremo da Rede Bandeirantes, Johnny Saad, nem deixou a conversa chegar ao final: não aceita pressões, e pronto.
Johnny tem toda a razão: se alguém tem motivos para acusar Cláudio Humberto, que faça as acusações abertamente. Pedir a cabeça de jornalistas, aproveitando a circunstância de ocupar temporariamente algum cargo importante, é algo que não pode ser aceito. Infelizmente, esta é uma prática disseminada, vinda de todos os setores do espectro político; mas, venha de quem vier, é covarde.
Querida entrevistada
Notável a entrevista da professora Maria Victoria Benevides sobre a vitória de Gilberto Kassab (DEM), em São Paulo. Notável por três motivos: primeiro, porque o entrevistador parecia tão engajado quanto a entrevistada nas teses dela; segundo, porque não constava, na matéria, que a professora é importante quadro do PT, com ampla participação na vida do partido. E, terceiro, por sua conclusão: parece que Kassab ganhou as eleições porque assim determinaram os eleitores.
Imprensa feia e bobona
Pegou a moda de falar mal da imprensa, como se os meios de comunicação fossem os responsáveis por tudo, da falta de saneamento básico à eleição de candidatos que não são os preferidos de quem faz a crítica. Um dos itens mais interessantes é o que atribui aos veículos a capacidade de sumir com notícias que sejam do interesse de seus críticos – e não faz mal que a notícia tenha saído em todos os lugares. É como a demissão de Alexandre Garcia da Rede Globo, que teria ocorrido depois de ele ter falado mal do governo, e sem que ninguém se tenha dado ao trabalho de noticiá-la. O fato de Alexandre Garcia continuar na Globo, aparecendo todo dia no vídeo, não faz a menor diferença.
A última que ocorreu foi a agressão a um jornalista da Folha de S.Paulo por partidários da candidatura do prefeito (reeleito) José Fogaça (PMDB), de Porto Alegre. Alguém deu um empurrão no repórter, ou um tapa, e as coisas ficaram por aí. Imediatamente saíram a campo os teóricos da conspiração, garantindo que ‘o fato foi blindado pela mídia’, e que só seria divulgado ‘se os agressores fossem do PT’.
Bom, este colunista viu a notícia em vários portais da internet e numa meia dúzia de jornais. E, se não fosse assim, como teria tomado conhecimento dela?
O buraco do metrô
E, já que estamos falando em aproveitamento político de certas situações, e em meios de comunicação que decretam o que é certo e errado, o bom jornalista Mauro Bastos (um dia este colunista ainda conta como é que ele foi morar em Londrina) lembra uma história exemplar. Na área onde seria construída uma estação do metrô paulistano, abriu-se um imenso buraco, morreu gente, ficou claro que ali havia sido cometido um erro de porte (ou uma série de erros de porte). Em última análise, o responsável era o governo paulista, que na época da contratação do consórcio que construiria a linha era dirigido pelo tucano Geraldo Alckmin. Mas, antes de qualquer investigação, os meios de comunicação deram amplo espaço a um engenheiro militar que, do alto de um helicóptero, decretou que a causa do acidente era a qualidade do concreto.
Até poderia ser – embora fosse difícil avaliar o concreto visto lá do alto. Mas, dois dias depois, o cavalheiro foi preso: não era engenheiro, não era militar. Era apenas um maluco doido por fama. Aliás, era também estelionatário. E ninguém, nem repórteres nem empresas, pediu desculpas aos consumidores de notícias.
Preconceito
Não, não vamos abandonar o assunto. Apesar dos avanços incontestáveis, embora haja hoje muitas mulheres trabalhando na imprensa, ainda há forte carga de preconceito no noticiário. Ninguém, por exemplo, fala do charme de qualquer ministro do Supremo; mas fizeram questão de falar do charme da ministra Ellen Gracie Northfleet. O que se espera da mulher, em primeiro lugar, é que seja elegante. Depois, se houver algo a mais, ótimo.
Tania Nisi, leitora desta coluna, manda um bilhete citando notícia, num importante portal de internet, a respeito da apresentadora Luciana Gimenez. De acordo com a informação, Luciana Gimenez usava roupas provocantes. E vinha o complemento: ‘O maridão, claro, estava junto, para mostrar que a beldade tem dono’.
‘Em resumo’, conclui a leitora Tania Nisi, ‘é assim que as mulheres são tratadas pela imprensa e pela população em geral: objetos, com direito a donos. É triste, mas é assim.’
Como é…
Título de um grande portal de notícias da Internet:
**
‘Homem é assassinado e aguarda identificação do corpo’Este, sim, é um bom cidadão: tem paciência. Não é só porque está morto que vai embora sem sequer esperar a identificação do próprio corpo.
…mesmo?
De um importante boletim noticioso:
**
‘A (…) esclarece população quanto ao manuseio correto de ovos’Não, nada demais. Deve ser a malícia que habita em todo jornalista.
E eu com isso?
Dia de eleição americana, crise galopando pelo mundo, Bolsas oscilando, dólar flutuando. É muita preocupação! Mas o mundo pode ser mais suave:
**
‘Cauã Raymond é flagrado de aliança na mão esquerda’**
‘Madonna tem encontro com suposto affair’A propósito, que será um ‘suposto affair’?
**
‘Nos EUA, rosto de Barack Obama vai parar em abóbora’O Brasil está à frente: aqui, já faz muito tempo, houve cara de político que foi parar em chuchu.
O grande título
Bons concorrentes – bons e variados. Temos o título estilo índio de cinema:
**
‘Autoridade Palestina querer mediação do Brasil’Há o título incompreensível:
**
‘Ladrões ´´levam´` praia da Jamaica sem deixar pistas’E há o grande campeão:
**
‘São Paulo vence bota fogo e alcança Grêmio’É aquele que a gente sabe o que o redator quis dizer, só que ele não disse.