Há muitos e muitos anos, nos tempos da TV a lenha, um diretor de jornal aconselhava seus subordinados a não contratar mulheres para a Redação. ‘Por mais feia que seja, a gente acostuma e acaba namorando. Dá galho’.
Na verdade, não era exatamente ‘namorando’ a palavra que ele usava. Mas mulher em Redação, fora do Suplemento Feminino, era raríssima.
Faz muitos e muitos anos, mas hoje, nos tempos da internet, o preconceito continua de pé. Este colunista, que em sua longuíssima carreira colecionou desafetos, nunca foi chamado de feio (o que seria a mais pura verdade), nem sofreu críticas à sua elegância no vestir (o que seria também absolutamente correto). Mas vá uma mulher contrariar a opinião de alguém: é feia. É prostituta. É sapatão. É mal-amada.
Um caso recente exemplifica o clima reinante em nosso avançado e liberal entorno jornalístico. A jornalista Marli Gonçalves, 32 anos de carreira, citada no Google em sete páginas, militante feminista e da luta contra os preconceitos, ousou criticar a candidata Marta Suplicy, do PT, pelo anúncio em que perguntava se o prefeito paulistano Gilberto Kassab, seu adversário, era casado e tinha filhos. Mandou o e-mail com suas criticas, assinado, com telefone e endereço eletrônico, a uns 30 amigos. Na internet, o e-mail se multiplicou e gerou mais de mil respostas. A maior parte foi favorável; algumas, bem poucas, desfavoráveis. Sem problemas: a polêmica é boa, areja as idéias e faz parte da profissão. Houve pessoas que, discordando, mantendo suas posições, acabaram forjando laços de amizade com Marli.
Só que uma parte das desfavoráveis continha linguagem e comentários que deixavam claro que lugar de mulher, quando fora da cozinha, é na cama ou no tanque, ou talvez varrendo o chão. Pensando e escrevendo, jamais.
Trecho de mensagem enviada por uma mulher, que se disse professora: ‘Talvez lhe falte um marido, ou quem sabe um amante, ou até quem sabe uma namoradinha? Ah! Talvez não, mas um bom tanque de roupa pra lavar, isso com certeza lhe acalmaria os ânimos…’
Outro trecho, de um jornalista: ‘Posso afirmar com convicção que a tal de ‘Marli Gonçalves’ – nome de guerra de piranha – não existe. Só idiotas podem imaginar que o e-mail é verdadeiro’.
Já pensou se este colunista que vos escreve, deixando emergir seus instintos mais primitivos, pergunta se a jornalista criticada por acaso seria xará da mãe do malcriado?
Do mesmo jornalista: ‘Marlizão’. Se é mulher e solteira, só pode ser gay, não é mesmo? Já os homens podem ser solteiros, e são chamados de ‘bons partidos’.
De uma mulher: ‘rugas, pobre, e gorda, cheia de celulite, uma bagaceira horrorosa, parece uma bruxa’. ‘Se a jornalista com todo o jeitão de baranga (…)’, ‘é uma mulher horrorosa, de cabelo branco, barriguda, bunda e peito caídos (…)’
Uma dúvida: por que as mulheres, quando expressam sua opinião, são criticadas pela aparência física? Por que a mulher, quando discorda de alguém, é logo chamada de prostituta? Deve ter havido este tipo de questionamento sórdido em Fortaleza, contra Luizianne Lins e Patrícia Saboya, ou em Natal, contra Micarla de Souza e Fátima Bezerra, ou em Porto Alegre, contra Maria do Rosário e Manuela d’Ávila. Só contra as duas, claro: seu adversário José Fogaça é homem, está livre desses ataques.
Zé Luiz, definitivo
O blog de José Luiz Teixeira definiu com perfeição o caso de Santo André, em que Eloá foi morta e Nayara saiu ferida.
‘Fiquei impressionado com a precisão cirúrgica da polícia paulista.
‘Conseguiu arrombar a porta, invadir o apartamento e retirar de lá o seqüestrador, são e salvo, sem um arranhão.
‘Impressionou-me também o fantástico show da morte promovido pelas emissoras de televisão em busca de audiência, e o número absurdo de `autoridades´ querendo aparecer.
‘A partir de um determinado momento, por exemplo, quem passou a dar entrevista no Hospital de Santo André não foi mais a diretora da instituição, mas o secretário de Saúde daquele município.
‘Mas o que me deixou mais impressionado, mesmo, foi a cobertura da mídia depois da morte cerebral da menina Eloá Cristina.
‘Não bastava mais acompanhar os personagens envolvidos no episódio: o sequestrador, as vítimas e os policiais envolvidos na operação de salvamento do assassino.
‘Agora, as equipes de TV, em nervosos comboios, passaram a seguir pelas ruas da cidade os órgãos retirados do corpo de Eloá, carregados dentro de sacolas térmicas.
‘Repórteres, cinegrafistas e fotógrafos acompanharam o transporte do coração, pâncreas e rins, de Santo André até o Hospital Beneficência Portuguesa, no bairro da Aclimação, em São Paulo.
‘Um terceiro grupo correu atrás dos pulmões, levados para o Instituto do Coração do Hospital das Clínicas, no bairro de Cerqueira César.
‘Enquanto isso, outro corre-corre para não perder de vista o fígado da menina no trajeto de Santo André até o centro da capital paulista, na Santa Casa de Misericórdia.
‘Até ontem à tarde ainda não se sabia o destino das córneas. Mas logo, logo, saberemos, pois atentas equipes estavam de plantão para descobrir seu destino.
‘Os restos mortais foram enterrados no cemitério de Santo André, com transmissão ao vivo e a presença mórbida de uma multidão de anônimos.
‘Com um sensacionalismo nunca visto antes neste País, a mídia cobriu todo o processo de dilaceramento de Eloá Cristina. Literalmente.
‘A Imprensa deixou, também, aparecer suas próprias vísceras, durante uma cobertura que, definitivamente, não condiz com o que se convencionou chamar de função social da Imprensa.’
O verdadeiro culpado
A imprensa, sem dúvida, errou por excesso: o que havia ali era uma tragédia, não um espetáculo. A polícia, sem dúvida, errou em muitos procedimentos: seu objetivo não era ser personagem do espetáculo nem pensar no que a opinião bem-pensante diria de seus atos, mas salvar a vida das duas reféns.
Mas nem a polícia nem a imprensa, por mais que tenham errado, são culpadas pelo que aconteceu. O culpado, e isso não pode ser esquecido, é o namorado assassino, é Lindemberg Fernandes Alves. E, por favor, não venham com histórias de surto ou acesso de loucura. Ele premeditou o crime: arranjou a arma, comprou muita munição, levou tudo escondido nas roupas para dentro do apartamento.
A polícia pode ter errado, mas está do lado do bem. A imprensa errou, mas com boa intenção. Lindemberg fez o que queria: sem ele não haveria tragédia.
Os nossos problemas
Não foi a imprensa que matou Eloá, embora tenha contribuído para dificultar a missão da polícia. Mas, entre os múltiplos erros dos meios de comunicação, está Marcos do Val – o tal agente da SWAT com poucos quilos a menos do que este colunista – que deu um monte de entrevistas como especialista em resgates e depois, descobriu-se, não era exatamente o que dizia. Não é a primeira vez que isso acontece (já houve um ‘herdeiro da Gol’ gastando a rodo num evento, já houve um ‘professor Macena da FGV’ que publicava artigos nos jornais), mas com essa exposição deve ser a primeira vez.
Tudo bem, no calor da hora comete-se algum erro. Mas levar a mais da metade da população brasileira um especialista em resgate que não é especialista em resgate é um erro grave demais. Falhou a checagem – falhou tudo.
Como é mesmo?
Do blog de um colunista famoso, a respeito do senador Eduardo Suplicy, do PT paulista: ‘prolixo senador tucano do PT’.
E eu com isso?
A Bolsa recua, o pessoal que queria o dólar caro agora quer o dólar barato, aquela marolinha que era ‘problema do Búchi’ já custou boa parte das reservas internacionais do Brasil. Mas há outro mundo possível:
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‘Johnny Depp é pego comendo chapéu em gravação’**
‘Keanu Reeves janta acompanhado em Londres’**
‘Kate Moss chega a show em carro milionário com calça suja’**
‘Carro quebrado leva multa por excesso de velocidade’Essa coisa de multa tem muitas histórias. A melhor que este colunista conhece é a do carro que foi entregue pela fábrica ao revendedor em determinada data e vendido alguns dias depois. Pois não é que o comprador foi intimado a pagar um monte de multas do tempo em que o carro ainda não tinha sido fabricado?
O grande título
Há dois excelentes espécimes:
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‘Pais de noivos separados – Como organizar uma cerimônia religiosa’Parece que a frase deveria ser construída de outro jeito – digamos, ‘pais separados de noivos’.
E o melhor da semana:
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‘Córnea transplantada é usada há 123 anos’Será que o pessoal não tem condições de encontrar uma córnea mais nova?