Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

O jabuti, o condor e os urubus

Um dos livros mais importantes dos últimos anos, Operação Condor – o sequestro dos uruguaios, do jornalista Luiz Cláudio Cunha, está entre os finalistas do 51º Prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro, na categoria Reportagem. Merece: é uma história fascinante, que prende o leitor até a última página. E, mais do que isso, é uma história real. Ninguém, nem o escritor de imaginação mais fértil, poderia ter inventado um roteiro tão cheio de crimes e de horror.


O livro narra o sequestro do casal uruguaio Lilian Celiberti e Universindo Díaz, em companhia de uma criança, seu filho. O sequestro foi cometido em cumplicidade pelas polícias uruguaia e brasileira, no âmbito da Operação Condor, que coordenava as ações de repressão de todas as ditaduras militares latino-americanas. Estávamos em novembro de 1978 – faz mais de 30 anos.


O livro de Luiz Cláudio Cunha, um sucesso de público, foi lançado há quase um ano, em novembro de 2008. E, passado o tempo, este livro se mantém, infelizmente, atual. Um torturador uruguaio cuja extradição foi pedida pela Argentina e está em prisão domiciliar no Brasil, circula livremente, sem que ninguém o incomode (e, embora tenha recebido o benefício da prisão domiciliar por encontrar-se debilitado, foi capaz de dar longas corridas, em boa velocidade, para fugir dos fotógrafos).


O Movimento de Justiça e Direitos Humanos do Rio Grande do Sul pede providências e encontra ouvidos surdos. E há pelo menos um caso, cuja documentação foi exibida a este colunista, em que policiais brasileiros agem abertamente no Uruguai, com a colaboração de policiais uruguaios. É a volta da Operação Condor. Isto aconteceu há poucos dias. As ditaduras militares se foram, mas deixaram sequelas.


Character assassination


Nos últimos dias, um filme do YouTube mostra a cantora Vanusa, numa cerimônia, cometendo uma série de erros ao cantar o Hino Nacional. Houve ampla e rápida repercussão nos meios de comunicação: de indignação ‘pelo desrespeito a um símbolo da pátria’ a comentários sobre ‘a cantora bêbada’, ou até a elogios, vendo ‘uma atitude de protesto’ de Vanusa. Mas:


1. A notícia é velha. Aconteceu em março e foi divulgada no final de agosto como fato recente.


2. Quem disse que Vanusa estava bêbada? Uma das versões é essa, efetivamente; mas há outra versão do caso, de que a Vanusa teve lapsos causados por remédios. Não há por que privilegiar uma versão em detrimento da outra, exceto por um fato notório: jamais, em sua carreira já longa e pontilhada de sucessos, Vanusa apareceu bêbada num espetáculo. Sempre cumpriu seus contratos, jamais criou problemas, sempre respeitou seu público. O retrospecto está a seu favor.


3. E vamos parar com essa história de desrespeito aos símbolos da pátria porque alguém cometeu erros no Hino Nacional. Só quem for capaz de fazer uma análise lógica dos versos de Osório Duque Estrada terá o direito de criticar os outros – porque repetir estrofes mecanicamente, sem saber o que significam, não tem nada a ver com respeito aos símbolos nacionais.

 


Dedo-durismo, que horror!


A propósito, a moda das delações e patrulhamentos está pegando, e isso é péssimo. Aquela história do casal que denunciou o turista porque beijou a filhinha, que coisa triste! Como disse o Ricardo Kotscho, bater pode, beijar não? Por que esse pessoal não vai tomar conta da vida deles? Aí acabam acontecendo linchamentos públicos como o que tentaram contra Vanusa, ou patrulhamento contra os jornalistas que entrevistaram o Cabo Anselmo, porque não fizeram as perguntas que os patrulheiros gostariam de fazer, ou ataques pessoais a um craque como Kaká porque ele se considera melhor do que Maradona.


Este colunista acha que Kaká é bom, mas Maradona foi melhor. Mas muito pior do que Kaká se comparar a Maradona é Maradona se comparar a Pelé – aí a distância é fenomenal. E não é por isso que se vai atacar pessoalmente o craque argentino, nem menosprezar o belíssimo e eficiente futebol que exibiu.

 


Internet, livre ou não


Não faz muito tempo, um importante homem de negócios recomendou a um prestador de serviços que, quando lhe mandasse um e-mail, telefonasse para avisar sua secretária. Reforçou: sem o telefonema, ela nem abriria o correio eletrônico. Quanto a ele, não adiantava tentar comunicar-se por este sistema. Ele não sabia, nem queria, mexer em computador. Se sua secretária julgasse que a mensagem era importante, ela a imprimiria e encaminharia a ele.


Este é o problema principal na regulamentação do uso de internet para fins eleitorais: políticos em geral, com algumas exceções (que brincam de Twitter, que acompanham o noticiário online), não têm a menor idéia do que seja internet. Imaginam que seja algo como uma TV e, portanto, deve ficar sujeita à mesma regulamentação da TV.


Comecemos então pela TV: a regulamentação que há hoje é antidemocrática, incentiva a corrupção e faz com que as mensagens dos partidos e candidatos reais chegue mal ao eleitor. Ao tratar igualmente candidatos desiguais, ao abrir espaço para qualquer partido e candidato, incentiva as legendas de aluguel. E dificulta os debates, por querer colocar na mesa uma multidão de candidatos, a maior parte dos quais quer apenas dizer ‘alô, mamãe’ em frente às câmeras.


Agora, passemos à internet. A primeira diferença com relação à TV é que as emissoras são concessões públicas, enquanto a internet é livre. A TV dispõe de um número limitado de canais, enquanto na internet o número de ‘canais’ é praticamente ilimitado. A TV exige empresas fortes, capazes de bancar investimentos pesados; a internet exige gastos muito pequenos do cliente. TV jamais é individual; internet pode ser individual. TV sempre tem patrão. Internet pode dispensar esse luxo.


Como, então, tratar a internet como se fosse TV? A experiência de Barack Obama, que conduziu uma campanha brilhante, barata e pioneira pela internet de nada valeu? Poderia valer – mas como mostrar o que é internet a um político que considera a máquina de escrever mecânica um símbolo avançado de modernidade?

 


A lei e a pena


Hoje em dia, está em vigor uma lei de 1997, que proíbe rádio, TV e demais veículos de difusão eletrônica de ‘veicular propaganda política ou difundir opinião favorável ou contrária a candidato, partido, coligação, a seus órgãos ou representantes’. OK, esta é a lei (e, se quisermos mudá-la a tempo de pegar a eleição do ano que vem, o prazo fatal é 3 de outubro).


E se alguém quiser descumprir a lei? Rádio e TV são empresas: podem ser suspensos, podem ser multados, podem ter as concessões cassadas. E o internauta, como segurá-lo? Imaginemos que alguém vá a uma lan house e dispare propaganda eleitoral. Depois, é só ir a outra lan house e continuar o trabalho. Não será possível coibi-lo – ainda bem! Imaginemos que se forme um grupo com esse objetivo, alternando os lugares de emissão. Imaginemos mais: que alguém se instale em outro país. E daí?


Daí que a lei pode punir o candidato ou partido que se beneficiar da propaganda. Ótimo: quem quiser eleger Dilma vai para o exterior e faz propaganda para Serra. Só que não daria certo, porque quem quiser eleger Serra fará a mesma coisa em favor de Dilma. E a confusão estará implantada.


Nenhuma lei funciona se não houver condições de punir quem a violar. Se nem os aiatolás do Irã conseguiram bloquear Twitter e internet, que farão no Brasil nossos aiatolás sem cabeça e sem turbante?

 


O blog e o clone do blog


Um bom exemplo da criatividade dos internautas e de sua capacidade de superar obstáculos é o Blog do Planalto, onde o presidente Lula expõe suas opiniões. Por algum motivo, o governo decidiu que no Blog do Planalto não haveria comentários. Em dois dias o problema estava resolvido: a jornalista Daniela Silva e o consultor de internet Pedro Markun criaram um novo blog, com os mesmos textos do Blog do Planalto, mas com espaço para comentários. E os internautas queriam fazer comentários, sim: dezenas de comentários no primeiro dia, praticamente sem divulgação.

 


Os briguentos


Barbara Gancia, sempre ótima, transcreve o desabafo de uma internauta irritada com a falta de espaço para comentários no Blog do Planalto. A jovem considerava que o fato era ‘muito grave’.


Não, não era grave. Como disse a própria Barbara, ninguém é obrigado a gostar de um blog, a lê-lo, a comentá-lo. E, como mostra a nota acima, era facílimo resolver o problema, trocando a irritação e a patrulha pela irreverência competente.

 


A função da TV


Uma assídua leitora desta coluna enviou-nos um comentário que recebeu a respeito da programação de TV de domingo (30/8). O comentário, altamente crítico aos critérios de programação da Rede Globo, lembrava que, enquanto o Fantástico dava destaque ao reaparecimento de Belchior, a Record entrevistava Maurício Norambuena, sequestrador do publicitário Washington Olivetto, e a Bandeirantes apresentava o Cabo Anselmo – um dos estopins do movimento militar de 1964, quando liderou a Revolta dos Marinheiros, e delator confesso de grande número de seus companheiros de luta armada contra o regime, que foram presos, torturados e mortos. Completa o internauta: ‘Das duas uma: ou não sei mais o que é notícia ou então a Globo está com um problema sério na editoria de telejornalismo’.


O comentarista tem e não tem razão. Em termos puramente jornalísticos, as entrevistas com Maurício Norambuena e o Cabo Anselmo são muito melhores que o reaparecimento de Belchior – que, aliás, nem tinha sumido, já que cansou de ser fotografado durante o período de sumiço ao lado de pessoas conhecidas como José Sarney (e há quem diga que, quando tira o bigode, faz frila de presidente da Bolívia). Talvez valesse a pena, no caso do Cabo Anselmo, buscar fora dos quadros da Bandeirantes um especialista na luta armada daquele período – como Jacob Gorender, autor de Combate nas Trevas, ou alguém com conhecimentos desse tipo. Mas o tema, com ou sem especialistas, é fascinante.


Entretanto, estamos falando de domingo á noite. Há ocasiões em que a gente tira os sapatos, afrouxa o cinto e quer ouvir apenas piadas de português, de preferência velhas, que é para não ter de pensar. A Globo sabe disso, tanto que aos domingos não há Jornal Nacional. E deve estar certa, porque continua na liderança de audiência.


Quanto a este colunista, a opção foi outra: as mesas-redondas de futebol. Quer coisa melhor no domingo à noite do que assistir a debates sobre o Corinthians?

 


E a verdade?


Um blog acusou o senador Álvaro Dias, do PSDB paranaense, de querer contratar uma empresa americana de auditoria para analisar a Petrobras e dar-lhe subsídios para a CPI que deveria estar ocorrendo no Congresso.


Um comentarista disse que o próprio senador confirmou a denúncia. Vejamos a tal confirmação, transcrita pelo próprio internauta: ‘Não. Deve ser algum equívoco de divulgação. Recebemos algumas propostas de trabalho. Não há definição de contratação’.


Paixão ideológica é como toda paixão: transforma a Susan Boyle em Beyoncé.

 


Como…


De um grande jornal, entrevistando um grande empresário:


** ‘Não necessariamente eu estou ganhando dinheiro nisso. Previamente não há cálculo se isso é financeiramente retornável ou não’.


Provavelmente ele quis dizer que não sabe se vai dar lucro.

 


…é…


De um grande jornal especializado:


** ‘Santander Brasil registra venda na SEC e dá 100% de tag along’


Não é difícil entender. SEC é Securities Exchange Comission, uma espécie da Comissão de Valores Imobiliários dos Estados Unidos. E tag along é tag along.

 


…mesmo?


De um pequeno jornal do Rio:


** ‘Funcionários da Rioluz morrem eletrocutados’


Eram funcionários da Rioluz, é verdade; e morreram, é verdade. Mas morreram quando o guindaste em que estavam caiu. Não houve eletricidade envolvida.

 


E eu com isso?


Estamos bem no quesito funções fisiológicas. O presidente Lula recomendou que os apartamentos populares tenham varanda, para que os maridos flatulem em paz, sem que as esposas reclamem. O presidente Barack Obama disse que é ele que limpa a sujeira do cachorro da família. Embora a gente imagine o tamanho do exército de empregados da Casa Branca, sabe também que o presidente americano não iria inventar histórias, não é mesmo?


E há muitas outras notícias sem as quais, hoje em dia, não é possível viver.


** ‘Japoneses pagam para acariciar coelhinhos’


** ‘Fábio Assunção não desgruda de celular no aeroporto’


** ‘Atriz Charlize Theron lava a fachada de sua casa em Malibu’


** ‘Com vestido vermelho, Susana Vieira faz compras em padaria’


** ‘Ashton Kutcher pensa em deixar a barba crescer’


** ‘Xuxa leva o cachorro ao shopping’


** ‘La Toya Jackson não dá dinheiro para mulher na rua’


** ‘Em Los Angeles, não ter carro pode engordar’


** ‘André Gonçalves toma café e vai à banca de jornais’

 


O grande título


A concorrência é feroz:


** ‘Acirra-se a disputa pela `picanha azul´’


A luta já é grande. E adivinhe quando alguém souber do que se trata!


Ou, no mesmo setor de ‘um dia entenderemos’, misturado com Ecologia:


** ‘Queda corre risco de se perder em nuvem de fumaça’


Não é tão difícil: significa que, se não tomarmos cuidado, a parte da Amazônia que não foi derrubada nos últimos meses pode ser destruída nos próximos.


Ou, nos mesmos quesitos:


** ‘Artesãs de Marajó mostram fibra de tururi em Paris’


Admita: você não andou pensando em bobagem?


Temos o setor de pura adivinhação:


** ‘Tablóide afirma que Macaulay Culkin é pai do caçula de Michael Jackson’


E o título mais sensacional da semana:


** ‘Dinheiro velho será reciclado e vai virar adubo’


Já faz tempo que os sucessivos governos vêm fazendo isso com nosso dinheiro. Mas é a primeira vez que confessam.

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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados