Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O jogo de sombras

Nada do que o Wikileaks revelou, até agora, tem importância fundamental. Tudo era conhecido, embora não comprovado (e até a comprovação é duvidosa: sabe-se no que os diplomatas americanos acreditaram, mas não se sabe se a versão em que acreditaram é a correta). Mas, no jogo de sombras da política internacional, em que o que vale é o símbolo, os governos reagem como se tivessem sido feridos de morte. Entretanto, vejamos:

1. O Wikileaks, organização jovem e economicamente frágil, é bombardeado de todos os lados – inclusive ilegalmente, por organizações comerciais que supostamente não deveriam obedecer a determinações do governo não amparadas em lei. Mas os jornais que se associaram ao Wikileaks para divulgar os vazamentos nem reclamações ouviram. Os jornais são organizações antigas, respeitadas e sua estrutura econômica é muito mais sólida que a do Wikileaks.

2. Aparentemente, o crime em que Julian Assange poderia ser enquadrado seria o de espionagem contra os Estados Unidos. Mas está sendo perseguido pelo governo sueco por estupro (e, ao que tudo indica, seu crime maior foi não ter usado camisinha durante relacionamentos sexuais consentidos). Pode até ter cometido algum crime, mas não vai ser fácil convencer alguém disso.

3. Políticos americanos o acusam de traição. Bobagem: Assange não é americano, nem funcionário do governo americano. Que diabo de traição é essa?

4. Há, nos EUA e em outros países, quem defenda seu assassínio. Isto é apologia ao crime. E não se fala em processo contra quem propõe o homicídio.

Há muitos e muitos anos, circulava uma anedota a respeito da União Soviética, que liderava o movimento comunista no mundo. Um preso político foi condenado a 25 anos de prisão. Cinco por ter dito que o ditador Josef Stalin era um tirano sanguinário; e vinte por ter revelado um segredo de Estado.

Este colunista não concorda com a tese da transparência absoluta, vê com desconfiança o rompimento da cláusula de confiabilidade de conversas sigilosas, acha que os países democráticos têm mais a perder que os ditatoriais, onde os segredos são mais bem guardados e a polícia não precisa cumprir certas formalidades legais antes de agir. Mas tudo indica que Julian Assange entrou nessa história como o preso político da piada soviética: a maior parte da culpa é por ter revelado como são insossas e sem conteúdo muitas das histórias que o contribuinte americano paga caríssimo para que seu governo as conheça.

 

Quem pode o que

Agora, vamos esquecer um pouco o jogo de sombras e tratar de problemas concretos. A este colunista parece claro que não há uma resposta única e definitiva: cada caso é um caso, o debate é esclarecedor e apaixonante, o tema merece discussões e estudos que se estenderão por muito, muito tempo, e provavelmente jamais chegarão a uma conclusão em que haja consenso.

O eleitor escolheu quem deve, em seu nome, responsabilizar-se por segredos e pela divulgação de segredos. Por que Julian Assange deve substituí-lo nessa função, sem ter tido apoio do eleitorado?

Assange diz, e é verdade, que jornais tradicionais, importantes, acostumados a obter informações sigilosas e a decidir sobre elas, recebem e filtram aquilo que é ou não publicável. OK; mas com isso morre a tese da transparência absoluta. Quem decide se um segredo continua ou não sendo segredo não é mais quem recebeu um mandato popular para isso, nem Julian Assange: é um grupo de repórteres, editores, diretores de empresas jornalísticas. Por mais bem intencionados que estejam, por mais bem informados que sejam, não têm toda a informação de que dispõe o presidente dos Estados Unidos. Nesse ponto, têm mais chance de errar.

E, no entanto, é importante que não sejam tolhidos nessa tarefa, em que atuam como contrapeso do poder (e contam com o apoio da Suprema Corte americana, que no famoso caso dos ‘Papéis do Pentágono’, um grande vazamento de documentos a respeito da Guerra do Vietnã, declarou: ‘Apenas uma imprensa livre e sem amarras pode eficientemente expor fraudes no governo’). O poder traz consigo o germe da corrupção, da fraude, da mentira; é natural, é humano, que um governante faça o que lhe for possível para escapar às consequências de determinadas decisões que tomou. Nesse ponto, qualquer governante multiplica suas chances de agir errado. Ninguém, até hoje, fez esse trabalho de se contrapor ao poder com mais eficiência do que a imprensa livre.

Vazadas as informações, a imprensa é obrigada a estudá-las, aprofundá-las, publicá-las. E os donos do segredo que tratem de guardá-lo melhor. Com as verbas de que dispõem, é difícil entender como não fazem um serviço muito mais bem feito. Aliás, não é difícil de entender, não.

 

As fontes, as fichas

O tema vale muito debate, que levará a algumas conclusões e a muitos novos impasses. Roger Cohen, colunista do The New York Times (que está entre os meios de comunicação que recebem e publicam os vazamentos do Wikileaks), lembra que, se os contatos dos jornalistas fossem subitamente divulgados, eles perderiam a maior parte de suas fontes.

Dá para ir mais fundo: se alguém divulgar aquelas fichas sigilosas de hotéis e motéis, haverá um terremoto muito maior do que o provocado por Assange – mesmo que ele tenha divulgado a lista dos pesadelos, os alvos que os Estados Unidos mais temem que os terroristas venham a atacar.

 

O poder pode

E, considerando-se que parte do tema acima é a força do poder, uma notícia deliciosa: o Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás deu o prêmio de Personalidade do Ano ao… ao… ao presidente da Petrobras, Sérgio Gabrielli. E a imprensa dá a notícia como se fosse a coisa mais normal do mundo – como, por exemplo, se o Movimento al Socialismo boliviano desse o prêmio de Personalidade do Ano ao presidente Evo Morales.

 

E como o poder pode!

Lembra daquele cavalheiro baixinho, que em todos os filmes e fotos aparecia ao lado da presidente eleita Dilma Rousseff? É gente importante: o senador Magno Malta, do PR do Espírito Santo, recém-reeleito. É tão importante que foi indicado pelo Comitê Central da Paz para o Prêmio Nobel da Paz, e homenageado em seguida não só por isso, mas também ‘por sua atuação em defesa da família, da juventude e dos valores imateriais da sociedade brasileira’. E pensar que a imprensa praticamente não deu a notícia! Se bem divulgada a homenagem, já pensaram na multidão em frente ao Centro Empresarial Rio, local do prêmio, e nas infindáveis filas de cumprimentos ao possível futuro Nobel brasileiro?

 

Perseguição e loucura

Kafka só é pior por um motivo: em O Processo, o personagem K. não sabe por que é processado. A jornalista Tatiana Vasco sabe por que está sendo processada – só que o processo não tem sentido. É uma história inacreditável.

Tatiana Vasco, jornalista profissional, formada pela Unisinos, registro no Ministério do Trabalho nº 13.664, está sendo processada por exercício ilegal da profissão. Exercício ilegal, sendo que o diploma se tornou desnecessário por decisão do Supremo Tribunal Federal? E, mesmo assim, tendo ela o diploma?

O fato é que Tatiana anexou ao processo cópia do diploma, do registro, de tudo. E o processo continua. Não estaria na hora de cobrar das autoridades uma posição a respeito do caso, para que deixem a jornalista trabalhar em paz?

 

Boa notícia

Fernando Gabeira está de volta ao jornalismo, agora como colunista de O Estado de S.Paulo. Gabeira é um excelente jornalista, foi brilhante como chefe de Reportagem do Jornal do Brasil, na época em que o JB era o JB e o comandante de tudo era Alberto Dines, escreve magnificamente. Mas o mais importante é que tem sido capaz de trazer novos assuntos e novos enfoques, que levam o leitor a pensar. Um gol do Estadão. Este colunista, que trabalhou com Gabeira no JB e na Folha, sabe que vai dar certo. Benvindo, mestre Gabeira!

 

Má notícia

A Assembléia Legislativa de Santa Catarina quer obrigar os jornais a publicar diariamente fotos de crianças desaparecidas. É ilegal: os jornais não são concessão pública e não podem ser obrigados a publicar uma notícia. É perigoso: serve como precedente para criar novas obrigações, incluindo aquelas de interesse exclusivo dos nobres parlamentares e de seus aliados. E é, como de hábito, uma cortesia com o dinheiro dos outros. Caso o governador Leonel Pavan não se manifeste em 60 dias, o projeto será considerado aprovado. Começará então uma infindável batalha jurídica, como se o Judiciário já não tivesse excesso de serviço.

 

Realidade por dentro

Dois repórteres de primeiro time, que participaram da equipe que fundou a lendária Realidade, preparam-se para trazer de volta a história da revista: no dia 20/12, lançam o livro Realidade Re-Vista (não há ainda informação sobre o local, mas vale reservar a data). José Carlos Marão e José Hamilton Ribeiro destacam o lado irreverente da revista – que chegou a ser apreendida por publicar, numa reportagem sobre parto, algo que o juiz de menores da época julgou indecentíssimo: a foto de um bebê nascendo. Marão e Zé Hamílton tiveram a contribuição decisiva de outra jornalista de primeiro time, Lígia Martins de Almeida, gaúcha pós-graduada no Jornal da Tarde, que cuidou de toda a parte prática do livro.

Para jornalista que gosta de reportagem, não dá para perder.

 

Os olhos de Adoniran

E, para quem gosta de música da boa, o que não dá para perder é o conjunto livro-disco de Adoniran Barbosa, o ‘Trem das Onze – a poética de Adoniran Barbosa’. São lindas imagens de São Paulo dos anos 1930 a 60, num livro de arte de formato grande, mais um CD de Adoniran cantando suas próprias composições. No dia 15/12, Livraria Cultura do Conjunto Nacional, SP. Perder é pecado.

 

Como…

De uma faixa de rua, colocada pelo poder público de São Paulo:

** ‘Em breve esta rua será semaforizada’

Na opinião deste colunista, vão colocar faróis de trânsito. Mas usar palavras como faróis, sinais, sinaleiras, até mesmo o pedante ‘semáforos’, é muito simples: especialista que é especialista não gosta dessa língua que a gente fala. Há alguns anos, as placas paulistanas informavam que havia ônibus na contramão da seguinte maneira: ‘Ônibus no contra-fluxo’. E não adiantou informá-los de que ‘contra-fluxo’ era Modess. Enquanto o diretor de trânsito pedante não saiu do cargo, o contra-fluxo se manteve nas ruas.

 

…é…

De um grande jornal:

** ‘Café da manhã falou sobre setor cosmético’

Os jornais perderam a noção do que é notícia: não deram de manchete aquele que é provavelmente o primeiro café da manhã que desenvolveu o dom da fala.

 

…mesmo?

Também de um grande jornal:

** ‘Lula pede união à bancada do PT para evitar crises passadas’

Como dizia o ministro Pedro Malan, no Brasil até o passado é imprevisível.

 

Um extra merecido

De um release a respeito de uma nova marca de calçados femininos de luxo:

** ‘ (…) traz as Sereias Urbanas para o Verão’.

Beleza! Este colunista é do tempo em que as sereias não tinham pés.

 

Outro extra merecido

Também de release, também de calçados. Veja que delícia:

** ‘Cada modelo tem tiragem limitada e os tamanhos, democráticos, vão do 34 ao 42, passando pelo meio ponto’.

No duro, no duro, os tamanhos não são tão democráticos assim. Nunca se submeteram ao voto popular. E este colunista conhece moças e senhoras que calçam menos do que 34. E mais do que 42.

 

Mundo, mundo…

Há coisas que só acontecem nos Estados Unidos. E coisas que só acontecem no Brasil. Como, por exemplo, essa história magnífica, levantada pelo ótimo portal jurídico gaúcho Espaço Vital:

Um cavalheiro com hemorróidas entrou com ação contra seu convênio médico, que rejeitara o pagamento de uma operação que ele considerava necessária. Diz o cavalheiro que, sofrendo de hemorróidas, vinha recebendo tratamento ‘por médico especialista na área cutânea’. E insistiu: ‘o problema do ora autor somente será solucionado com uma microcirurgia na região cutânea’.

‘Cutânea’, segundo o dicionário, se refere à pele. Provavelmente não era isso a que o autor se referia. Ele talvez chame o especialista em pés de ‘pediatra’.

 

…vasto mundo

Há coisas que só acontecem no Brasil. E coisas que só acontecem nos Estados Unidos (não foi numa luta entre dois boxeadores americanos que um arrancou a dentadas a orelha do outro?)

Pois deu-se que uma americana de 57 anos, que segundo o marido vinha agindo de forma estranha nos últimos dias, ao beijá-lo na boca arrancou-lhe um pedaço da língua. O marido foi para o hospital, onde a língua foi reimplantada (ainda não se sabe se voltará a funcionar). A polícia foi atrás da mulher e encontrou-a feliz, tranquila, cantando músicas de Natal.

Ainda bem que era só um beijo na boca.

 

E eu com isso?

Talvez o ministério seja mais engraçado, mas o pessoal briga demais para pegar o osso, para não largar o osso, para ganhar mais ossos. Talvez o senador Sarney tenha assuntos mais amenos, mas mais cedo ou mais tarde ele acaba nomeando até o zelador do seu prédio. Talvez as fofocas do Wikileaks sejam mais divertidas, mas toda essa perseguição ao autor, toda essa discussão acaba deixando o assunto pesado. E há horas em que é preciso saber o que acontece no grande mundo do frufru.

** ‘Brad Pitt belisca bumbum de Angelina Jolie em première’

** ‘Sem a barba, Cauã Reymond ganha prêmio no Rio’

** ‘Aos 16 anos, Justin Bieber recebe sua quarta biografia’

** ‘Cantora Miley Cyrus fuma com amigos e tem ataque de riso’

Não há dúvida, deve ser um cigarro muito engraçado.

** ‘Luana Piovani espera carona apoiada em bengala’

** ‘Livro australiano indica pitada de sal e pessoa negra em receita’

Não, não era canibalismo: em vez de ‘salt and black pepper’, sal e pimenta do reino, o que imprimiram foi ‘salt and black people’. Tiveram de reimprimir o livro de receitas (dedicado a massas), perdendo US$ 20 mil.

** ‘Thiago Lacerda almoça em churrascaria’

** ‘Homem cede lugar a fura-filas em lotérica e ganha US$ 17 milhões’

A gentileza foi recompensada: ele deixou a senhora passar na sua frente, e comprou o bilhete seguinte, que foi premiado. Tudo bem – mas já pensou no que ele estaria pensando se o bilhete premiado fosse o dela?

 

O grande título

Há para todos os gostos. Começamos com um que, de tanta reviravolta, acabou dando no que deu:

** ‘Candidata a miss morta’

Ou um super-hightech:

** ‘Pen-drive detecta pornografia em computador do namorado’

Algum leitor já sabia que o pen-drive se desenvolveu tanto que anda até namorando?

E o grande título:

** ‘Saia faz tchecas da polícia causarem batidas de carros’

Sem malícia, colega de mente suja! Os colegas jornalistas enrolaram o título até que ficasse bem esquisito, mas a coisa não é tão complicada assim. A polícia tcheca teve a brilhante idéia de simular maior fiscalização do trânsito, com mulheres de papelão vestidas como policiais. Tudo bem – só que o vento levanta as saias, claro. E os motoristas se distraem.

Como dizia o professor Delfim Netto, antes de se transformar em assessor informal do presidente Lula, se o governo montar um circo, o anão cresce.

******

Jornalista, diretor da Brickmann&Associados