Às 6 da tarde, a TV já reprisa os melhores lances da partida. Os blogs esportivos, que acompanharam todo o jogo pela internet, publicam as entrevistas e perspectivas de cada time. No rádio, os comentaristas se revezam (e, em seguida, correm para as mesas-redondas da televisão).
Doze horas mais tarde, depois de uma noite de sono, quando o consumidor de notícias pega o jornal, está lá a manchete: ‘Corinthians vence e garante o título’. Nada além do que todos sabiam desde muito antes de ir dormir.
Não vale apenas para o esporte: valeu para a eleição de Obama, para o terrorismo na Índia, para as eleições municipais no Brasil. É um problema: quantas vezes, ao olhar um jornal, a gente pensa que pegou a edição anterior?
Nos anos gloriosos do Jornal do Brasil, Alberto Dines mandou instalar uma TV na redação. Não, não era para acompanhar as notícias (e, com o barulho que na época havia nas redações, isso nem seria possível): o objetivo era lembrar aos jornalistas que a TV já tinha dado a informação. O jornal deveria aprofundá-la, hierarquizá-la, colocá-la no contexto. Esta continua sendo a função do jornal (e cada vez mais, com a infinidade de informações distribuídas por rádio, TV e internet). Se o jornal não serve para isso, não serve para nada.
Antigamente, informação era rara e cara. Hoje, é abundante e barata; mas só vale a pena se for possível entendê-la, buscar suas causas, prever seus efeitos.
Há inúmeras explicações para a queda de circulação dos jornais (que, no Brasil, chegaram alguns anos atrás a mais de 1 milhão de exemplares aos domingos, e hoje não atingem a metade disso): fala-se no fim das promoções, das ofertas especiais, dos brindes que valiam mais que o valor da compra. Mas deve-se pensar também em outra hipótese: a de que os consumidores de notícias deixem de comprá-los porque se tornaram menos necessários.
As faces da informação
Uma ou outra coluna de jornal fala de blogs; é pouco, considerando que o crescimento da internet é explosivo e atinge boa parte do público dos jornais. E quase não se fala de hoax, a falsa notícia de internet que, exatamente por não ser desmentida, circula livre, difamando reputações e prejudicando muita gente.
Entre as múltiplas mentiras difamatórias espalhadas pela internet, há fotos de uma casa extremamente luxuosa, principesca, de propriedade atribuída a uma personalidade brasileira. É a mesma foto que circula na Europa, só que lá é atribuída a Robert Mugabe, o ditador de Zimbabwe. Há a história de uma fazenda-modelo, com rebanho de primeira linha, que teria sido vendida por um tradicional pecuarista ao filho de um político. O proprietário da fazenda existe e já desmentiu que a tenha negociado – mas esse desmentido não foi encampado por nenhum veículo de comunicação, o que faz com que a mentira continue circulando. Há rumores ridículos a respeito de operações bancárias que não ocorreram, e que levantam dúvidas sobre atitudes do governo.
Por que os meios de comunicação mais responsáveis não podem investigar essas histórias e desmenti-las, quando falsas? Ou, se confirmadas, aprofundar as denúncias e apresentar a história inteira, devidamente documentada? Se os jornais comentam novelas de TV, se as emissoras de rádio comentam os jornais, por que fingir que a internet pertence a um outro mundo, que deve ser ignorado?
A mentira e seus efeitos
Esta é uma história fantástica: a história do Babaca de Porto Alegre, e de como uma advogada conceituada, discreta, estudiosa, de repente se viu jogada no meio de uma tremenda confusão, causada por uma mentira de internet. Vale a pena ler: está aqui. E, em outro link aí contido, mais histórias de hoax, as mentiras da internet que os jornais nem se preocupam em conhecer e desmentir.
As histórias do Babaca
O termo ‘babaca’ já teve conotação chula, especialmente no Sul (no Nordeste, seu significado era outro). E, nessa época, chegou ao Jornal da Tarde, em São Paulo, o jovem jornalista mineiro Fernando Morais – hoje, o mais festejado biógrafo do país. Mais ou menos ao mesmo tempo, chegou o pernambucano Fernando Portela, de belíssimo texto, língua bífida e que trata dos dentes no Instituto Butantã. Os dois eram conhecidos como ‘Fernando’. E o Fernando mineiro passou a chamar o Fernando pernambucano de Fernando Babaca, alegando que no Nordeste ‘babaca’ queria dizer ‘xará’. Portela devolveu o apelido – que, na devolução, pegou. Por algum tempo, Fernando Morais era o Babaca.
Mas ficava chato, naquele tempo de poucos telefones, berrar ‘Babaca!’ quando a ligação era para ele. Pior ainda quando sua mãe, distintíssima senhora mineira, recatada e finamente educada, estava do outro lado da linha. Ele virou então ‘Fernando B.’ Ou Bê, para os íntimos.
O Bê costumava reforçar o orçamento fazendo matérias para o ‘Suplemento Feminino’ do Estado de S.Paulo – especialmente, o que estava muito na moda naquele tempo, a coluna do que era ‘in’ e do que era ‘out’. Certo dia, escreveu que ‘out’ era dona Yolanda Costa e Silva, esposa do ditador de plantão, general Costa e Silva. Até aí, tudo bem. O problema é que ele escrevia um monte de colunas e elas iam sendo publicadas uma por domingo. Veio o Ato Institucional nº 5, a ditadura envergonhada se transformou em ditadura escancarada, e aí saiu a matéria com dona Yolanda na coluna de ‘out’. Assinatura: Fernando B.
O diretor de Redação do Estadão, Oliveiros S. Ferreira, esplêndido jornalista, homem de gigantesca cultura e muito bom de didática, foi então chamado a depor por algum daqueles ínclitos milicos empenhados em salvar a Pátria da corrupção e da subversão, e cheios de teorias mal lidas a respeito das conspirações antinacionais. O Oliveiros sabia como tratar essa gente: explicou, com toda a singeleza, que quando a coluna foi escrita era permitido criticar a mulher do presidente; portanto, não tinha sido por mal. O milico entendeu, mas implicou com um detalhe: se o autor da coluna se chamava Fernando Gomes de Morais, por que ‘Fernando B.’?
Não, Babaca era impensável: seria a prova que o milico queria de que a imprensa estava contaminada por idéias exóticas e malsãs e pronta para corromper nossa juventude ingênua. Oliveiros pensou rápido: ‘É B. de bobo. Sabe, a gente na Redação acha que ele é bobo e o apelido pegou’.
A explicação também pegou.
E veja como são as coisas: no momento mais feroz da ditadura brasileira ele escapou. E foi na Espanha redemocratizada, há poucos dias, que o Bê acabou sendo detido no aeroporto, confundido com um traficante português. Pode?
Notícias de fora para dentro
Por falar em suicídio jornalístico, o noticioso online Pasadena Now, da Califórnia, EUA, demitiu seus cinco repórteres e contratou seis operadores de call-center, indianos, residentes e domiciliados na Índia. Todos, claro, falam excelente inglês; nenhum é jornalista. Lêem os blogs e sites de Pasadena, os press-releases, a agenda das autoridades; acompanham o noticiário de TV via internet; conversam por Skype ou e-mail com as pessoas indicadas pelo pauteiro, e escrevem o noticiário.
Ridículo, não é? Mas não é muito diferente do que acontece em certos países, em que estagiários de primeiro ano de Jornalismo são colocados na chefia de noticiosos de internet, sem qualquer supervisão, e em que os boletins das agências noticiosas entram direto na tela, sem nenhuma leitura ou revisão. Há um caso curiosíssimo, de uma agência que transmite em espanhol e aqui faz uma tradução meia-boca, antes de enviar seus boletins para entrada automática em portais noticiosos diversos. Com freqüência é preciso imaginar o que estava escrito em espanhol, retraduzir e só então entender o que é que quiseram dizer com aquilo.
Em resumo, vale tudo para poupar salários. E, é óbvio, não vai dar certo.
Culpada ou inocente
O Ministério Público Federal de São Paulo decidiu processar a Rede TV! pelas entrevistas com a menina Eloá e seu namorado Lindemberg, que a seqüestrou e matou. É um caso muito interessante: este colunista, em sua época de editor, não permitiria que entrevistas assim fossem divulgadas. Mas a Rede TV! tinha o direito de divulgá-las, por que não? Se a polícia, que cercava o prédio onde estavam seqüestrador e seqüestrada, não impediu a aproximação de repórteres, não cortou a luz e ainda permitiu que uma refém libertada voltasse ao cativeiro, por que a rede não poderia, exceto por uma questão de ética, divulgar as entrevistas?
Há outro fato que merece ser analisado: por que só a Rede TV!? A Globo e a Record ficam fora por que motivo? Se este colunista se lembra bem, só a Bandeirantes não participou do circo dos horrores.
A morte e a morte da Tribuna da Imprensa
A Tribuna da Imprensa, importantíssima na história de nosso jornalismo, fechou por falta de dinheiro. Segundo Hélio Fernandes, diretor do jornal, a culpa é do ministro Joaquim Barbosa, do Supremo Tribunal Federal, por adiar o julgamento de uma ação contra a União por prejuízos sofridos durante a ditadura. Com o dinheiro da indenização, Fernandes pretendia manter o jornal aberto.
É triste; mas a Tribuna da Imprensa já tinha morrido outras vezes. Morreu quando Carlos Lacerda, seu fundador e motor, a vendeu ao empresário M. F. do Nascimento Brito, dono do Jornal do Brasil, que não conseguiu desenvolvê-la; morreu outra vez durante a ditadura, quando Hélio Fernandes – que era um ótimo repórter, aguerrido e cheio de fontes – teve seu acesso à publicidade barrado por ordem do governo. Da democratização para cá, a Tribuna da Imprensa não teve oportunidade de recuperar o tempo perdido: renovar as máquinas, formar uma equipe competitiva, montar uma máquina de vendas, tudo custava mais dinheiro do que era possível levantar. Talvez o ministro esteja efetivamente demorando mais do que o habitual para tomar uma decisão; mas, de qualquer forma, é injusto responsabilizá-lo sozinho por um problema que já vinha há tantos anos.
Chapa branca
Estar no poder deve ter suas compensações: ser chamado de doutor, andar sempre com um séquito de amigos de infância (alguns dos quais o conheceram há dois ou três meses), usar carro oficial com chofer. E, naturalmente, receber títulos, medalhas, comendas. Este colunista, acostumado a Mercedes com chofer, acha essas coisas meio esquisitas; e sempre acreditou que esta seria a opinião corrente entre os colegas jornalistas.
Não é: Franklin Martins, ministro da Comunicação, arrastou seus dois metros de altura de Brasília para São Paulo, espremidos naquelas poltronas de avião que o ministro Nelson Jobim tinha prometido ampliar, para receber o título de Personalidade do Ano em Relações Públicas. Não, Franklin não é RP: sempre foi jornalista. Mesmo assim, agradeceu o prêmio, ‘sentindo-se gratificado por ter sido esse um reconhecimento ao esforço deste governo em valorizar a Comunicação e de o fazer em prol do Brasil’. Aliás, nada como estar no governo para obter reconhecimento público por seus méritos nos mais diversos setores.
Como é mesmo?
De um grande jornal:
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‘Bancos dispensam mais de mil funcionários em três meses’Na matéria: ‘entre setembro e novembro, houve 774 demissões. Se for acrescentado o banco (…), que demitiu 200 na sexta-feira passada, o número sobe para quase mil’.
O número está errado, mas é preciso convir que ‘mais de mil’ dá título melhor que ‘quase mil’. Claro que, por esse critério, também seria possível falar em ‘cem mil’. Mas não é aqui que vamos dar essa idéia.
E eu com isso?
Há muitas denúncias sobre as urnas eletrônicas. Mas a solução simples é ignorada: testá-las na presença dos denunciantes. Ou as urnas são à prova de falsificação, e todo mundo tem de calar a boca, ou não são, e devem ser modificadas. Mas o pessoal prefere ficar em silêncio, esperando que todos esqueçam.
É como as velhas operações da Polícia Federal: muito estardalhaço, muita algema, muita TV. E depois, cadê o resultado dos inquéritos? Há operações já com um bom tempo de casa, e, coitadas! – parecem ter sido esquecidas.
Mas há coisas de que ninguém esquece: a vida dos famosos, por exemplo (até porque, se esquecerem, eles deixam de ser famosos). O noticiário é incessante:
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‘Justin Timberlake diverte-se jogando golfe’**
‘Com flor no cabelo, Elba Ramalho janta com amigas’**
‘Gwen Stefani troca fralda do filho em um parque de Los Angeles’**
‘Dado Dolabella aparece com moto diferente da que Luana deu’**
‘Brad Pitt curte tarde de motoqueiro nos EUA’**
‘Claudia Jimenez dá selinho em Paulo Vilhena na festa da ex’É claro que, na sala de espera do dentista, o assunto não será a velha operação da Polícia Federal. Por que não o novo namorado da antiga estrela?
O grande título
Uma excelente safra, de grandes jornais e importantes portais noticiosos. Comecemos com um que permite várias leituras:
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‘MP pede R$ 1,5 mi à Rede TV! por entrevista’Não, nada de pedidos indevidos: o MP quer é multar a Rede TV! em R$ 1,5 milhão pelas entrevistas que fez no caso do seqüestro de Santo André.
Outro que também permite várias leituras:
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‘Órgão quer examinar esgotos para avaliar drogas’Há sempre uma certa malícia na cabeça das pessoas, não é mesmo? Mas imaginemos que o tal órgão consiga penetrar nos esgotos e encontre drogas. Considerando-se o tamanho da rede de esgotos, como identificar sua origem?
E, sempre o preferido deste colunista, o título que precisa de intérprete:
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‘Roubo de privada termina com helicóptero’Deve fazer sentido, se a gente conhecer a história toda. E é uma delícia imaginar a filmagem da cena.
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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados