Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O mundo visto pela ótica francesa

Primeiro foram os árabes com a al-Jazira, criada no emirado do Catar há 10 anos para difundir um ponto de vista alternativo sobre os acontecimentos do mundo, concorrendo com os anglo-saxões, que dominavam a informação 24 horas através da BBC e da CNN. Em 15 de novembro de 2006, al-Jazira se internacionalizou ainda mais com a AJE (Al-Jazira English), versão em língua inglesa do canal que funciona em árabe há uma década [ver ‘O sinal `encorajador´ da Al-Jazira em inglês‘].

Agora é a França que entra em grande estilo na informação globalizada com France 24, a rede internacional de informação inaugurada na quarta-feira (6/12). Com o novo canal que pretende divulgar o ‘olhar francês’ sobre a política, a cultura e a economia do mundo, al-Jazira, BBC e CNN ganham um concorrente de peso.

France 24 estreou com uma grande festa na Place de la Concorde. É, antes de tudo, a última realização do governo Chirac, que preparou cuidadosamente essa nova presença francesa na mídia mundial durante vários anos. A ‘CNN à la française’, como se referia a ela a mídia francesa, é fruto da obstinação de Chirac e nasceu como uma parceria público-privada: tem capital da TF1, privada, e da empresa pública France Télévisions.

Código de ética

O presidente Jacques Chirac sabe muito bem que a França só pesará nas decisões de um mundo globalizado quando puder influenciar na mídia mundial através desse ‘olhar francês’. Os valores da França são expressos em iniciativas como o discurso de Dominique de Villepin nas Nações Unidas, em 2003, quando o então chanceler defendeu a prevalência do direito internacional sobre a força e manifestou a oposição de seu país à invasão do Iraque, defendendo posições diametralmente opostas à ‘guerra preventiva’ da dupla Bush-Blair. Com France 24, esses valores certamente terão mais espaço de afirmação na mídia televisiva global.

Chirac alimentava há muitos anos o sonho de uma ‘CNN à la française’. Este é o último grande ato de seu mandato que termina em maio do ano que vem. Para 2007, a verba pública de financiamento do novo canal é de 86 milhões de euros, soma considerada ridícula por profissionais experientes, se comparada aos orçamentos da CNN International, BBC World ou al-Jazira.

No dia da inauguração, Chirac fez questão de cumprimentar alguns dos 170 jornalistas de 30 nacionalidades e idade média de 30 anos que serão responsáveis pelas 24 horas de notícias. Todos os jornalistas de France 24 assinaram um código de ética em que se comprometem a ‘destacar a diversidade de opiniões e de pensamento, promover o debate, o confronto de idéias e de visões, a tradição da cultura e da arte de viver à francesa’.

Em breve, também em árabe

No dia-a-dia, France 24 se beneficiará de parcerias com a Agência France Presse (AFP), Radio France International (RFI) e também das reportagens feitas por France Télévisions e TF1. O fato de utilizar o trabalho de outros órgãos de comunicação já existentes despertou a ira e movimentos de greve em sindicatos ligados a France Télévisions.

O direito de greve e a força dos sindicatos são justamente aspectos dessa ‘visão francesa’ do mundo de que France 24 quer ser a expressão. Trabalhadores em greve lutando por seus direitos são marca registrada de uma França social ameaçada cada vez mais pelos avanços da ideologia neoliberal, encarnada pelo candidato a presidente Nicolas Sarkozy.

France 24 se pretende uma alternativa à visão triunfante do pensamento único anglo-saxão. A rede francesa de informação 24 horas por enquanto só pode ser sintonizada em inglês e francês, mas vai falar árabe no verão europeu de 2007. Na França, o canal é disponível a cabo, por satélite; e por ADSL na Europa, no Oriente Médio e na África.

A nova emissora poderá ser vista em Nova York e em Washington, na sede dos principais organismos internacionais como a ONU, o FMI, o Banco Mundial e nas televisões dos hotéis das grandes cadeias. Segundo os dirigentes, ela tem potencial de atingir, de início, 80 milhões de lares – ou 190 milhões de telespectadores.

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Jornalista