Friday, 27 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

O ódio dos covardes

Millôr Fernandes, gênio brasileiro, certa vez definiu Chico Buarque de Holanda como “unanimidade nacional”. Não era bem assim: os militares que ocupavam o poder o detestavam (embora, numa letra memorável, o próprio Chico lembrasse que a família dos ditadores estava no seu fã-clube: “Você não gosta de mim/ mas sua filha gosta.”).

E não eram só os militares. Muitos anônimos, pelo anonimato sentindo-se protegidos, usam agora a internet para agredir o compositor. Chico até se assustou: pensava que gostavam dele, de repente se sentiu detestado. Crítica, tudo bem: este colunista, por exemplo, admirador que remonta aos tempos de “Pedro Pedreiro”, não se deu ao trabalho de decorar nenhuma das músicas do último disco de Chico, e já não gostava de “Morena de Angola”. Mas o que surge nos comentários anônimos na internet não é crítica à composição: é ódio ao compositor.

É um ódio curioso. Não é crime detestar Chico Buarque ou qualquer outra pessoa. Por que, então, buscar a proteção do anonimato? Para poder falar besteira sem se justificar, para baixar o nível ao máximo, para vomitar em vez de dizer. Pior: para poder expressar, também, opiniões racistas, homofóbicas, odientas, tentando menosprezar ou destruir tudo o que é diferente.

Um caso interessantíssimo está acontecendo nesse instante: 1.200 assinantes de um portal de internet cancelam suas assinaturas, como protesto pela omissão do portal diante de manifestações de ódio racial. A eleição da representante de Angola para Miss Universo provocou um terremoto de revolta racista, e o portal simplesmente se omitiu, como se não tivesse nada com isso.

Culpa do público? Em boa parte, sim: o ser humano tem, ao lado de qualidades notáveis, defeitos que são difíceis até de imaginar. Mas a maior parte da culpa é dos responsáveis por blogs e portais, mal-intencionados ou simplesmente preguiçosos, que não fazem a moderação dos comentários e abrem seu espaço para qualquer maluco disposto a gritar “fogo” num estádio lotado em nome daquilo que considera “liberdade de expressão”.

Este colunista recebe todos os dias dezenas de mensagens que se referem a personalidades públicas de maneira indecorosa. Outras criticam cidadãos conforme o país ou região em que nasceram, ou a religião que praticam, ou a própria falta de religião. Este tipo de mensagem tem seu próprio nicho: a cesta seção.

 

Por onde andamos

Só como exemplo, uma exortação pelo twitter:

** “Pegue a tua espingarda, mire e atire na coluna de um homossexual!”

Agora, pergunte ao provedor, ou empresa que cuida do twitter, quem é o criminoso, de que número ele está ligando, quais são as identificações que oferece. Este colunista é capaz de apostar um picolé de chuchu diet como esses dados não estão disponíveis.

 

Bom ou mau, é racismo

Uma notícia excelente: o aplicativo para Iphone Judeu ou não judeu – que apresenta uma lista de judeus famosos – gerou tantas críticas na França que a Apple o retirou de sua loja virtual. A notícia é excelente por vários motivos:

1. A religião, etnia ou cultura de uma pessoa não é assunto público;

2. Esse tipo de lista é, por definição, reducionista. Conforme o caso, conforme a intenção dos organizadores, a lista vai para o bem ou para o mal. É como se uma lista de brasileiros incluísse o professor Adib Jatene, a professora Mayana Zatz, Pelé, Zico, e esquecesse Marcola e Fernandinho Beira-Mar (ou, ao contrário, lembrasse Sarney, Renan, Jader Barbalho, e esquecesse Pedro Simon).

3. Quem é judeu? Karl Marx, por exemplo, está na lista agora banida da França. Marx cultivou o cristianismo, depois o ateísmo, e seu pai era judeu convertido ao protestantismo. João Ramalho, que não está na lista francesa, era provavelmente judeu (e, casado com Bartira, filha do cacique Tibiriçá, colaborou para que o padre Anchieta pudesse desenvolver seu trabalho em São Paulo). Albert Einstein tinha uma frase notável: “Se minhas teorias estiverem corretas, os alemães vão dizer que sou alemão e os franceses vão me considerar cidadão do mundo. Se estiverem erradas, os franceses dirão que sou alemão e os alemães que sou judeu”.

4. Há judeus notáveis em diversos campos do conhecimento. Há judeus notáveis na formação da Máfia americana.

5. Para que é que servem listas como essa? Talvez este colunista seja um pessimista total, mas não consegue imaginar nada que não seja ruim.

Um detalhe engraçado: o presidente francês Nicolas Sarkozy, católico, entra na lista como judeu.

 

Murdoquismo em ação

Antes de Rupert Murdoch e seu falecido News of the World, o alemão Bild, que circula até hoje, se notabilizou pela busca incessante do mais baixo e sórdido jornalismo marrom. Havia isso também no Brasil; e Alberto Dines, criador do termo “jornalismo marrom”, combateu essas publicações, cuja matéria-prima era a exploração do escândalo e a busca descarada da chantagem, até derrotá-las.

Hoje, a bordo do noticiário paparazzo, esse tipo de jornalismo espúrio ameaça voltar. Um jornal do Rio fez o que pôde para conseguir uma foto do técnico do Vasco, Ricardo Gomes, na UTI, todo entubado – uma foto profundamente desleal, por aproveitar-se de uma pessoa presa ao leito, por invadir uma área do hospital que deve ficar o mais isolada possível, e até mesmo por estar errada (no momento em que a foto foi publicada, Ricardo Gomes já estava sem tubos). Em São Paulo, houve guerras para conseguir a foto de Sócrates lutando pela vida (o hospital, entretanto, conseguiu preservar sua intimidade).

Mas, na ânsia de mostrar aquilo que não precisa e não deve ser mostrado, houve paparazzi que conseguiram fotos de Reinaldo Gianecchini, que luta contra o câncer, de costas, andando na calçada ao lado de sua ex-esposa e amiga Marília Gabriela. E uma entrevista que Marília Gabriela não concedeu, na qual teria falado sobre a saúde do ex-marido. E por que se sabe que Marília Gabriela não falou? Porque ela não fala dos outros; porque ela não é médica e não comenta a saúde de ninguém. Porque nem aos amigos mais próximos (o que não é o caso da repórter que assina a matéria) ela faz comentários sobre o tema.

E, claro, há também avaliação profissional. É óbvio que alguém está mentindo. Este colunista conhece Marília Gabriela desde que ela trocou Ribeirão Preto por São Paulo e iniciou uma carreira onde não há registro de mentiras e deslealdades. Gabi joga limpo, sempre jogou limpo e continua jogando limpo.

 

Imprensa bem boazinha

Sabe aquelas reportagens sobre as periquitas-do-bico-de-sabre, que vivem nas proximidades de Belém e que seriam terrivelmente prejudicadas se fizerem uma hidrelétrica no Paraná? Pois é: os mesmos meios de comunicação, tão dispostos a abrir espaço às causas dos animais, ficaram quietinhos, quietinhos, com a Lei 12.489, sancionada há dias pela presidente Dilma Rousseff, que outorga a Barretos o título de Capital Nacional do Rodeio.

Tudo a favor de Barretos, uma cidade agradável e, fora da época do rodeio, muito tranquila; tudo contra os rodeios, em que os animais são maltratados (e são: para que o touro pule muito na arena, antes que entre apertam-lhe uma corda ali mesmo, entre as pernas traseiras. A corda se chama sedém).

Na Espanha, com tradição no setor, o Parlamento da Catalunha, cuja capital é Barcelona, proibiu as touradas a partir do próximo dia 1º de janeiro. Por que estimular no Brasil essa prática que maltrata os animais e só serve, no fundo, para incrementar ainda mais a venda de bebidas alcoólicas, brincadeiras de mau-gosto em que mulheres são laçadas nas ruas por playboys motorizados, os acidentes de trânsito?

 

Cadê? Cadê?

Tudo bem, boas notícias não são notícias, mas há coisas que não podem ser escondidas do público. Elza Soares, em grande forma, vai a Frankfurt para participar do Festival de Cinema, com o filme Elza, e os europeus aproveitam a oportunidade para vê-la em tournée. Uma cantora que foi elogiada pelo próprio Louis Armstrong não pode ser esquecida pela imprensa num ponto alto de sua carreira.

 

Força! Força!

A situação financeira das empresas de comunicação deve estar ótima. Pois não é que há veículos enviando repórter e fotógrafo ao interior do Tocantins para investigar se, numa cidade com pouco mais de três mil habitantes, há uma funcionária pública coletando assinaturas de apoio à fundação do PSD?

Este colunista já viu um repórter como Ricardo Kotscho ser impedido por questões de economia de viajar para estados próximos e cobrir destruidoras enchentes, com mortes e desabamentos. Agora, vê um perito como Ricardo Molina, conceituadíssimo, ser contratado por veículos de comunicação para provar que a assinatura de organizadores do PSD, como Cláudio Lembo e Guilherme Afif, não são deles – e alguém acha que seria preciso falsificar seu apoio?

Vale a pena aprofundar-se nessa questão: a quem o PSD incomoda tanto? Dá matéria: se um partido que neste momento não tem sequer tempo na TV, que tem pela frente estruturas partidárias poderosas já montadas, é ameaçador, que força tem que exige tanto esforço para matá-lo antes de nascer?

 

Pobres pronomes

Um jornalista de vasta cultura, fiel leitor desta coluna, levanta uma hipótese: a de que estejam confundindo a regência verbal com a regência política, como a Regência Trina. O amigo está enganado: se falarmos em Regência Trina, haverá quem pense que falamos de algum pássaro chamado Regência, reconhecido por sua capacidade de trinar. Não há confusão: há apenas preguiça de procurar o professor Pasquale, ou de abrir o bom e velho Manual de Redação. Alguns exemplos:

1. “A notoriedade do caso atraiu pessoas em busca de atenção e do registro policial, que as permita entrar na Justiça em busca de indenização”.

2. “(Fulano) quer lhe conhecer”.

3. “Na hora de cumprimentar-lhe, não o estendeu a mão”.

E não é coisa de pequenas publicações, não. Saiu tudo na grande imprensa.

 

Como…

Num jornal de circulação nacional, versão impressa, diz o título:

** “Trabalhador de estaleiro põe fogo em ônibus”

Não foi bem assim, esclarece o texto: na verdade, dois mil funcionários fizeram barricadas para fechar a rua, puseram fogo num ônibus e depredaram outros 40. É meio diferente, né? Mas, de qualquer forma, houve uma bagunçona.

 

…é…

Da internet, que nunca nos falha:

** “Morre único atleta sobrevivente de queda de avião”

 

…mesmo?

De um grande jornal:

** “Segundo site, FBI já identificou responsável por vazar fotos nuas de Scarlet”

Essas fotos, quem diria! Que descaramento! Ficam circulando peladas por aí!

 

Mundo, mundo

Que é que as pessoas são capazes de fazer por um carro novo!

Um concurso realizado na internet ofereceu um carro para o melhor gemido simulando o de um orgasmo. Houve centenas de concorrentes (alguns engraçadíssimos, como o que simulava o orgasmo de Sílvio Santos), mas quem ganhou foi uma jovem mais ortodoxa: um gemido fantástico, de 26 segundos. Segundo informou, não foi difícil: apenas se lembrou do seu gemido autêntico e o copiou.

 

E eu com isso?

Nesta semana, a grande onda é ser fotografado– ou visto junto, tanto faz.

** “Chico Buarque e a namorada são vistos em jantar romântico”

** “Sem Zeta-Jones, Michael Douglas é clicado com atriz nos EUA”

** “Geisy Arruda é clicada no aeroporto de São Paulo”

Ou fazer o possível para não ser visto:

** “Thaila Ayala e Paulo Vilhena se casam às escondidas”

** “Grávida, Luana Piovani não tem paz nem para ir ao ginecologista”

E a vida continua:

** “Eva Longoria diz que não fala mais com o ex-marido”

** “‘Está na hora de dar uma clareada no cabelo’, diz Nathalia Dill”

** “David Beckham compra moto customizada”

** “Bruno Gagliasso leva cachorro ao Projac”

** “Sem o marido, Alessandra Ambrosio procura casa”

** “Fernanda Vasconcellos completa 27 anos e ganha beijo do namorado Henri Castelli”

 

O grande título

Safra pequena, porém excepcional.

Há um daqueles títulos que dão trabalho à imaginação dos maliciosos:

** “Thiago leva punição por desrespeito às cabras”

E o melhor da semana: um que descreve o acontecimento– no caso, o ministro que caiu porque pagava a empregada doméstica com dinheiro de seu gabinete na Câmara – de maneira inigualável:

** “Faxina é isso: ministro é varrido por empregada”

Excelente.

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[Carlos Brickmann é jornalista e diretor da Brickmann&Associados]