Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

O papel complacente

Os perdedores têm toda a razão de espernear: não entendem como seus candidatos, tão bons, com planos tão bem arrumados e prevendo realizações tão úteis à coletividade, foram preteridos por esse povo ingrato. Mas os meios de comunicação não podem servir apenas para divulgar os queixumes de quem perdeu. Um pouco de senso crítico não faz mal a ninguém.

Os adeptos de Marta Suplicy se queixam, por exemplo, de que a imprensa, ao publicar aquilo que chamam de ‘notícias negativas’, minou sua candidatura. Curioso: Fernando Henrique, o favorito da mídia, foi batido por Jânio Quadros, contra quem se jogava a quase unanimidade dos meios de comunicação. Paulo Maluf, a quem a imprensa detesta, derrotou Eduardo Suplicy, a quem a imprensa adora. A propósito, quando a imprensa informa que os moradores de determinada região protestam contra determinada obra, ou que o Ministério Público rejeita uma concorrência, isto é ‘notícia negativa’?

Há queixas, também, de ‘preconceito’, que a imprensa acolhe acriticamente. Chega a ser estranho acusar de preconceituosa uma cidade que elegeu duas mulheres para a Prefeitura, sendo uma nordestina; é esquisito chamar de preconceituosos os eleitores que votaram, para prefeito, num turco, num negro carioca, num mato-grossense de estranho linguajar. No entanto, essa estranheza não é manifestada aos entrevistados, para que tenham oportunidade de esclarecer devidamente os fatos.

São falhas como essas que explicam outro fenômeno: não sobra nas fábricas nem um centímetro de papel em branco. Mas, quando a gente bota letrinhas nele, dá encalhe.



O nome do pastor

Millôr, Millôr, manifeste-se! Um deputado federal gaúcho, o Pastor Reinaldo, do PTB, quer proibir por lei que os bichos de estimação tenham nome de pessoas. Duque, por exemplo, não pode: afinal de contas, existe o deputado Hélio Duque. Rex também não: é o nome do ator Rex Harrison. Aqueles cãezinhos cor de caramelo não poderão chamar-se Mel, nome de Mel Lisboa. E o pastor alemão, imagina este colunista, precisará mudar de nome, para não se confundir com o Pastor Reinaldo.



Agindo em silêncio

Imprensa, imprensa, manifeste-se! O ridículo projeto tramita discretamente na Câmara Federal, longe do noticiário; já está na Comissão de Constituição e Justiça. Mais um pouco, sem que os meios de comunicação o percebam, acaba aprovado – e gatos e cachorros deste colunista, todos atingidos pela lei, precisarão trocar de nome. Se fosse um só, a solução estaria dada: ‘Fiel’. Pelo menos entre os parlamentares que permitem a silenciosa tramitação deste projeto, nenhum merece este nome.



Sem base

A imprensa continua noticiando, até meio alegrinha, a tal campanha ‘Quem Financia a Baixaria é Contra a Cidadania’. Outro dia saiu o novo ranking: João Kleber está na frente, com seu programa Tardes Quentes (que este colunista jamais teve a oportunidade – ou a vontade – de ver). E como é que este programa chegou à liderança da baixaria? Com 85 reclamações de telespectadores. Vejamos bem: dos 150 milhões de telespectadores do Brasil, uma amostra de 85 é considerada válida. Pior ainda é a situação dos programas perdedores: Brasil Urgente, da Rede Bandeirantes, é criticado por nove telespectadores. Nove – não são noventa, nem novecentos, nem nove mil. São nove. E a imprensa dá importância a isso!



Olha a censura!

O mal de iniciativas desse tipo é que a gente sabe como termina: em tentativa de censura, a pretexto de defender o bom gosto. O promotor do ranking, deputado Orlando Fantazzini, do PT paulista, está escandalizado com os nove telespectadores que criticam o Brasil Urgente; mas não se ouviu uma palavra sua sobre os cinco parlamentares que fazem a Viagem da Alegria aos EUA, a pretexto de ‘fiscalizar as eleições’, e que ganham 350 dólares de diária cada um, fora passagens. Algum jornalista irá ouvi-lo sobre isso?



Liberdade, não

O artigo 3° da Medida Provisória 195, que está no Congresso, prevê que governadores, prefeitos e até ONGs possam ‘classificar’ programas de rádio e TV. Com isso, basta não gostar da Xuxa para criar-lhe problemas. E se, em vez da Xuxa, o candidato a censor não gostar do Bóris Casoy?



Boa notícia

A RBS, afiliada à Rede Globo, contratou o repórter Marcelo Parker, deficiente físico, que anda em cadeira de rodas. É a primeira vez que a TV vai mostrar, no noticiário, um repórter com problemas de locomoção.



Quem é quem

O leitor Luís Compiani Jr., diretor do jornal Rio Grande, comenta nota da semana passada, a respeito de dinheiro encaminhado pelo ex-ditador iraquiano Saddam Hussein ao MR-8. Diz Compiani: ‘Que eu saiba, o MR-8 era um dos braços do extinto MDB, hoje PMDB. Esqueceram? Quem deve explicar está situação são os dirigentes partidários deste que representou a esquerda durante a ditadura e hoje já faz o papel da direita.’

Na verdade, o MR-8 foi em certa época um movimento revolucionário. Hoje, como diz a nota da semana passada, é o braço briguento do ex-governador Orestes Quércia – do PMDB. Mas a questão não é essa: é saber quando é que nossos jornais, dispondo da informação originalmente publicada pelo Washington Post, vão se mexer para investigá-la.

Jornalista, diretor da Brickmann&Associados Comunicação; e-mail (carlos@brickmann.com.br)