Para variar, é monitoramento telefônico: o grampo velho de guerra. Para variar, o vazamento é seletivo: foi buscar gente que, até onde se saiba, não tinha nada a ver com a investigação, mas é famosa e rende manchete. E, para variar, repete-se o mesmo ataque à honra alheia: a acusação não existe, mas a mancha na reputação é real.
O que se sabe é que a Polícia, buscando provas contra um possível traficante, monitorou seu telefone. Acontece que mesmo o pior dos traficantes não se dedica ao crime 24 horas por dia: ele também almoça, janta, namora. No caso, ia a um pagode. Dois grandes jogadores brasileiros iam ao mesmo pagode. Caíram no grampo. E foram seus nomes os envolvidos no noticiário.
Parece que ao menos um dos dois tinha algum tipo de relacionamento com o traficante – ou, com mais precisão, o acusado de tráfico. Mas, por tudo que se sabe até agora, não se tratava de um relacionamento criminoso: tinham amigos em comum. Nenhum dos craques citados foi jamais apanhado num exame antidoping. No entanto, foram escrachados como criminosos.
Todos os manuais de redação trazem um claro mandamento: não se deve identificar uma pessoa possivelmente envolvida em ato delituoso pelo grau de parentesco que tenha com pessoas famosas. Todos os manuais de redação são desrespeitados todos os dias – não podemos esquecer que Edinho foi identificado, o tempo todo, como ‘filho de Pelé’. E, no caso de Edinho, até que se poderia entender a falha: Pelé é mesmo conhecidíssimo e a prisão de Edinho só tinha importância por se tratar do filho do Rei. Há outros casos piores: as pessoas são identificadas não por seu parentesco, mas por eventual amizade que tenham com outras que, por algum motivo, não gozem naquele momento de popularidade na imprensa. E manda-se ver o ‘amigo de Fulano’, ‘aquele que almoçou outro dia com Sicrano’ e coisas desse tipo. Em geral, confunde-se ‘conhecido’ com ‘amigo’; e amigo passa a significar também algo como cúmplice.
Imaginemos, como é mais provável, que os dois jogadores, não tendo sido jamais apanhados no exame antidoping, nada tenham a ver com consumo de drogas (com o tráfico, nem pensar: a vida dos jogadores é altamente transparente). Nesse caso, como devolver a eles a imagem limpa? Como retirar dos arquivos e sites as acusações e insinuações?
O sonho da internet grátis
Marta Suplicy, candidata do PT à Prefeitura de São Paulo, prometeu instalar internet banda larga, gratuita, em toda a cidade. Os meios de comunicação divulgaram a promessa de maneira totalmente acrítica: alguns a aceitaram como verdade, e pronto, outros fizeram piada, mais uma promessa de campanha.
Só um órgão de imprensa se dedicou ao básico do jornalismo: calculou o custo da promessa de Marta Suplicy. Mérito de Ethevaldo Siqueira, o grande colunista de tecnologia, que fez todas as contas e verificou que não batiam de jeito nenhum. Está no Ethevaldo:
A infra-estrutura de uma rede sem fio em São Paulo exige algo como R$ 3,8 bilhões (em dólares de hoje, cerca de US$ 2 bilhões). Se um terço dos habitantes da cidade (ou seja, pouco menos de 4 milhões de habitantes) resolvesse usar a rede, o custo operacional ficaria em aproximadamente R$ 20 mensais por pessoa. E, naturalmente, os clientes precisariam de computadores, que estão fora desse custo. Acrescentemos um dado: uma das grandes discussões da campanha eleitoral aborda a possibilidade de a Prefeitura paulistana investir R$ 1 bilhão no Metrô – uma fração do que custaria a rede sem fio, pouco mais do que o custo operacional anual do sistema.
Traduzindo: não há dinheiro para isso, nem que Marta crie a Web-taxa.
A propósito, contas semelhantes chegarão a resultados semelhantes em Salvador, onde o candidato ACM Neto, DEM, propõe plano parecido.
Los muy amigos
Em compensação, o governo americano, mesmo às voltas com gastos de US$ 700 bilhões para sanear seu sistema financeiro, mostra-se disposto a investir quase US$ 600 mil para colocar internet de banda larga em todo o Estado do Acre.
Esquisito? Esquisitíssimo! E está passando batido pelos meios de comunicação. Este colunista tomou conhecimento do fato numa coluna do UOL especializada em tecnologia. O noticiário político e internacional, que deveria se deliciar com um assunto como este, ficou totalmente à margem.
O que diz a notícia: a Agência de Comércio e Desenvolvimento dos EUA (USTDA) assinou há dias um acordo com o Governo acreano para implantar em todo o Estado a internet de banda larga, exclusivamente por sua conta, sem qualquer contrapartida. É de graça para o governo acreano, é de graça para o governo brasileiro. Os americanos, tão bonzinhos, pagam tudo numa boa. Segundo dizem, isso facilita a inclusão digital.
Pois é. Acontece que exame de próstata também tem inclusão digital.
Los muy bonzinhos
O mais curioso é que temos veículos de comunicação procurando americanos debaixo do sofá, achando que Tio Sam tem algo a ver com qualquer providência de que se discorde, enxergando navios da 4ª Frota em frente a Santos, prontos para conquistar o petróleo do pré-sal. Já uma iniciativa como a da internet no Acre passa como se fosse um presente absolutamente desinteressado.
As crianças fazem a vida
O Correio Braziliense, em notável reportagem, mostrou a exploração sexual de crianças em Brasília. Crianças: meninos e meninas de menos de dez anos, de pouco mais de dez anos, exploradas por adultos e que – pior ainda – acham a vida que levam a melhor que podem conseguir.
O Correio Braziliense fez o seu papel, e com brilho. Duro foi acompanhar a repercussão da reportagem: gente que vive em Brasília e que convive com o problema nas ruas em que circula dizendo-se indignada. O senador Cristovam Buarque, do PDT, chegou a ameaçar romper com o governador de Brasília se a questão não for enfrentada.
E aí a imprensa inteira falha: ao deixar de mostrar que os indignados sabem perfeitamente o que ocorre na cidade onde trabalham, ou onde deveriam trabalhar. O senador Cristovam Buarque quer nos convencer de que foi governador de Brasília e só soube da exploração sexual de crianças agora, e pela leitura do jornal? E suas declarações ultrajadas são publicadas sem qualquer ressalva?
É lamentável. Ou os indignados sabiam do problema, e agora mentem, ou não sabiam. Neste caso, é melhor esquecer aquela frase, sempre publicada, de que os governantes estão isolados em Brasília. Eles estão também isolados de Brasília, dentro de seus carros blindados com vidros escuros, dentro de seus apartamentos funcionais com grossas cortinas, dentro de restaurantes elegantes e bares chiquérrimos, com seguranças à porta, e não sabem sequer o que se passa do lado de fora.
Boa notícia
A jornalista Márcia Regina Dias, demitida do Mogi News de Mogi das Cruzes (SP), por pressões de um promotor, ganhou em primeira instância sua ação trabalhista contra o jornal. Márcia foi representada, na Justiça, pelo Sindicato dos Jornalistas de São Paulo.
A história: em maio último, um promotor enviou a Márcia, por e-mail, um processo em que acusava policiais por corrupção. Junto com as acusações, vinham instruções pormenorizadas sobre a maneira de divulgá-las no jornal. Ou seja, o objetivo era apenas prejudicar os réus antes do julgamento. Importante: em nenhum momento houve pedido de sigilo.
Márcia cumpriu seu dever profissional e ético: procurou os acusados – aquilo que consta em qualquer manual de redação, ouvir o outro lado. O promotor, irritadíssimo por não ser a única fonte da matéria, resolveu recusar-se a dar entrevistas para a jornalista e para qualquer de seus colegas. O jornal ficou do lado do promotor (ou, melhor dizendo, do lado do poder): e demitiu a repórter.
Márcia denunciou o caso à Corregedoria do Ministério Público e entrou na Justiça do Trabalho, assistida pelo sindicato paulista, e ganhou a primeira fase. É excelente, para que a imprensa se lembre de que seu lugar é na crítica ao poder e na oposição ao arbítrio das autoridades, e não naquele famoso cordão que cada vez aumenta mais.
Lula cá ou Lula lá?
O presidente Lula disse que a crise americana não vai cruzar o Atlântico. Tudo bem, mas por que o presidente do Brasil se preocupa com Europa e África?
Como…
Está num grande jornal, na reportagem sobre o novo amor da cantora Elba Ramalho, o sanfoneiro Cezinha do Acordeon: ‘Assim como a loura, até bem pouco tempo, o sanfoneiro namorava uma policial de Recife (…)’
A frase tem vários sentidos. E nenhum faz sentido!
… é …
De uma coluna importante: ‘(…) será palco de uma grande movimentação pela detecção precoce do câncer de mama com esteticista, fisioterapeuta, massoterapeuta, nutricionista, dentista e palhaço’.
Devem ter esquecido os médicos, claro. Sozinhos, palhaços, esteticistas e dentistas terão dificuldades no trabalho de detecção de câncer de mama.
… mesmo?
Esta valeu um título grande: ‘Nicole Kidman diz que banho em cachoeira contribuiu para gravidez’.
A fecundação deve ter ocorrido antes ou depois. Durante o banho da cachoeira, teria sido um grande espetáculo!
E eu com isso?
Há candidatos em Salvador e São Paulo prometendo internet banda larga ampla, geral, irrestrita e gratuita (mesmo sabendo que não há dinheiro para isso, mas sabe como é: promessa de campanha, como diria um importante político brasileiro, não passa de bravata).
Mas já imaginou? Cada casa com pelo menos um computador, acesso livre à Internet, banda larga funcionando (o que hoje nem sempre acontece, mesmo quando pagamos caro), as informações circulando:
1.
Filha de Ben Affleck abre o berreiro durante passeio em parque2.
Deborah Secco engorda 5 kg, mas mantém a boa forma3.
Aquário australiano faz massagem em tubarões4.
Carol Castro usa vestido multicolorido em festa5.
De minivestido, Reese Whiterspoon leva filho à loja de brinquedosE nem era minivestido: no máximo, quatro dedos acima do joelho.
O grande título
Nesta semana, a disputa pelo melhor título é bem chapa-branca: só tem coisa de governo. Por exemplo,
Plano de mudanças climáticas do Governo é fraco
Pode ser fraco, mas ao menos é ousado: nenhum outro Governo do mundo (quanto mais os que já houve ‘nesse país’) tem um plano para mudar o clima.
De qualquer forma, o título acima não se compara com o melhor da semana:
Dilma: com pré-sal Brasil elimina pobres em 18 anos
É a tal da Guerra à Pobreza. E os pobres estão perdendo.
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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados