Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O problema não é a pergunta, é a resposta

O governador paulista José Serra perdeu a calma diante da pergunta de um repórter da TV Brasil, que queria saber qual sua mensagem ‘aos 750 mil moradores’ de São Paulo que, por problemas numa adutora, ficaram alguns dias sem água. Serra disse que a estatal paulista de águas, a Sabesp, estava resolvendo o caso. E abriu fogo: ‘Espero que a TV Brasil tenha o mesmo interesse com cada estado e cada município’, e acusou-a de parcialidade na cobertura.

A entrevista tinha sido convocada para falar sobre o novo mínimo paulista, bem mais alto que o federal. Mas a pergunta tinha sentido: se há gente sem água, não importa qual o motivo original da entrevista, é preciso falar sobre o tema.

Serra, um político experiente, já deveria saber que uma pergunta nunca é inconveniente. O que pode ser inconveniente é a resposta. E não deveria irritar-se:

1. A TV Brasil tem 0,7 ponto de audiência média. Com esse índice, dificilmente conseguirá repercussão;

2. O desabafo do governador chamou muito mais a atenção para a entrevista do que a própria audiência da TV. E um candidato à Presidência da República precisa saber que cada palavra sua será ouvida, interpretada, gravada e guardada para a campanha;

3. Nem os poucos fios de cabelo que restaram ao governador esperam que a TV do governo federal não se preocupe em agradar seu proprietário e patrocinador;

4. Nenhum meio de comunicação dará ‘a cada estado, a cada município’, o mesmo nível de atenção. São Paulo é a maior cidade do país. Guarulhos, governada pelo PT, cheia de problemas na área do saneamento básico, é a segunda cidade do estado, mas muito longe da primeira. Portanto, o interesse dos meios nacionais de comunicação por Guarulhos é menor do que por São Paulo;

5. Serra deu a pista do que o irrita. De agora em diante, pode esperar perguntas sucessivas sobre alagamentos, inundações, piscinões, água e esgotos.

As eleições estão aí. E, numa metáfora muito adequada, la nave va.

 

Mas que tem, tem

Armando Falcão teve uma trajetória de vida retilínea: sempre, sem concessões, combatendo a liberdade. Para a imprensa, entretanto, houve dois Armando Falcão: um, bonzinho, uma beleza de pessoa, gente finíssima, um anjo!, quando foi ministro da Justiça do governo Juscelino Kubitschek e proibiu o acesso do principal líder oposicionista, Carlos Lacerda, à TV; outro, perverso, uma péssima pessoa, gente horrorosa, um demônio!, quando foi ministro da Justiça do governo Ernesto Geisel e proibiu o acesso dos políticos oposicionistas à TV. Explica-se: na época de Juscelino, Carlos Lacerda era ‘a direita’, e contra ele valia tudo. Na época de Geisel, a oposição era ‘a esquerda’, e as mesmas atitudes ditatoriais de Falcão, boas na época de Juscelino, passaram a ser malvistas.

O ex-ministro da Justiça morreu na semana passada, aos 90 anos.

 

Jogos eleitorais

O ex-governador fluminense César Maia faz uma acusação interessantíssima: a de que o prefeito carioca (e seu adversário político) Eduardo Paes tenta posar de responsável por um filme de animação sobre o Rio, que seria lançada pela Fox em 2011. Paes disse à imprensa que se reuniria com Carlos Saldanha, o brasileiro responsável pela trilogia A Era do Gelo, para convencê-lo a criar o roteiro do ‘grande lançamento mundial de animação da Fox em 2011’. Só que em maio do ano passado, a revista Variety disse que a animação sobre o Rio já estava com elenco confirmado, iniciando os trabalhos, e seria lançada em 2011 pela Fox. Se há nove meses a notícia já tinha saído, que é que Eduardo Paes está aprontando?

 

Character assassination 1

Em 2002, um empresário foi acusado de observar, por câmeras de TV, uma hóspede adolescente de sua casa. O delegado encarregado do caso deu aquelas entrevistas para conseguir holofotes, chamou o empresário de pervertido, a notícia foi publicada amplamente. Mas era falsa: primeiro, o empresário estava morando na Europa e a hóspede no Brasil; segundo, as câmeras existiam, mas estavam desligadas havia muitos anos e não funcionavam; terceiro, mesmo se as câmeras estivessem ligadas e funcionando, não se conectavam a nenhum equipamento de transmissão. Agora, sabe-se lá como é que aconteceu, um importante portal de notícias republicou a história, mantendo até a data original de 2002 (mas quem lê a data?), e enviou-a a seus clientes, que também a divulgaram. O portal, segundo disse o empresário a este colunista, foi informado, e quatro dias depois não havia retirado a notícia do ar.

Parece claro a este colunista que não houve má-fé: houve algum daqueles acidentes de computador. E houve descaso de quem deveria ter notado o erro e retirado a notícia do ar. Mas a questão é outra: seja qual for o motivo que trouxe a história falsa de volta, a vítima sofreu mais uma vez. Como evitar que esse tipo de fato continue ocorrendo? Este é um debate dos mais interessantes: o funcionamento no dia-a-dia dos noticiários virtuais.

Character assassination 2

Lembra da espetaculosa ação da Polícia Federal contra o escritório Oliveira Neves, especializado em advocacia tributária? O advogado foi preso, com TV e tudo, seus clientes debandaram, ele acabou sendo solto por absoluta falta do que acusá-lo. Na operação, que agora se sabe que não tinha motivo justo, o escritório minguou. Pois bem: anos depois da libertação do advogado, livre de qualquer acusação, um jornal trouxe o caso de volta, para informar que foi rejeitada uma ação por lavagem de dinheiro contra uma empresa que constava entre suas clientes. Traduzindo: a boa notícia, de que a empresa estava limpa, acabou virando munição contra o advogado que teve a audácia de provar que era inocente.

 

Imprensa fora

A Secretaria de Segurança de São Paulo decidiu determinar à polícia que mantenha a imprensa distante de ocorrências com reféns. É ainda uma consequência do caso Eloá, em que o sequestrador não apenas deu entrevistas como pôde acompanhar, pela TV, toda a movimentação da polícia para libertar as reféns (uma ele feriu, outra ele matou).

Errado? Não: certíssimo. A imprensa tem de acompanhar o caso, mas não obrigatoriamente de perto. Há vidas em jogo e não se pode atrapalhar a ação da polícia. Os jornalistas podem criticar os métodos da polícia, sua execução, sua estratégia, mas não podem atrapalhá-la durante a ação. Trata-se, nesses casos, de uma questão de segurança, jamais de liberdade de imprensa, que não é afetada.

 

Direito do empregador

A Universidade Federal do Paraná abriu concurso e quem tirou o primeiro lugar foi um jornalista sem diploma. Como o edital exigia diploma, a universidade não quis contratá-lo. E sua decisão foi confirmada pela Justiça. OK: o empregador tem direito de exigir títulos ou habilidades acima dos obrigatórios por lei. Pode pedir, por exemplo, um jornalista que fale ucraniano. Este colunista acha que, ao exigir diploma, a universidade fez bobagem – até porque o melhor dos concorrentes não o tinha. Mas era seu direito fazer bobagem.

Só uma dúvida: se o edital exigia diploma, como admitiram no concurso um candidato que não o tinha?

 

Chatamente correto

Uma organização politicamente correta iniciou uma campanha contra Angeli, o grande cartunista da Folha de S.Paulo, por causa de uma tirinha de quadrinhos em que uma mulher apanha. Num quadrinho, a mulher se queixa: ‘Mário, há anos que você não me toca!’ No quadrinho seguinte, porrada. No terceiro, ‘Pronto! Não tem do que reclamar’. A campanha vem embalada no slogan ‘Violência contra a mulher, não tem graça nenhuma’, desse jeito mesmo, com a violência contra o idioma; e diz que a tirinha é ‘lastimável, inadequada e violenta’.

Abre-se caminho, assim, para uma série de campanhas politicamente corretas. Vamos fazer com que Dik Browne mude os hábitos de Hagar, o Horrível, que bebe demais, está acima do peso, detesta a sogra e saqueia os países vizinhos. E não é possível tolerar o que o desenhista Jim Davis faz com Garfield – que come lasanha, alimento inadequado para gatos, não faz exercícios, bate no cachorro Oddie e rouba a comida de seu dono. Horror, horror, horror! Bill Waterson estimula Calvin a brincar com um amigo imaginário, Haroldo, um bichinho de pelúcia que ele imagina ser um tigre, um feroz predador!

Cascão precisará tomar banho, claro. Que exemplo o nosso Maurício de Souza quer dar às crianças chatamente corretas? A Mônica deve ir ao dentista o mais rápido possível e perder seu feio hábito de bater nos meninos. Que tal nossa Moniquinha com sapatos de lacinho, vestidinho cor-de-rosa e uma margarida nas mãos, no lugar do coelhinho? Aline dividindo a cama com seus dois namorados, nem pensar. E Valentina, de Guido Crepax, dando sem parar?

Os amigos do politicamente correto que perdoem este colunista, mas há certas lembranças que funcionam como lições de História. Os nazistas acusavam o Super-Homem de ser judeu (como terão feito a circuncisão em seu pênis de aço?).

Vamos querer a patrulha ideológica de volta, para que comics expressem um pensamento único? Não é mais simples e democrático deixar de acompanhar as histórias em quadrinhos que consideremos inadequadas? Ou vamos exigir que os amiguinhos Batman e Robin dispensem o mordomo Alfred, que não tem hora de folga nem dia de descanso, e se mudem para um local mais ventilado e menos insalubre do que a Batcaverna que hoje dividem com aquele Batcarro poluidor?

 

Mudanças no jornal

Atenção: os atuais hábitos de leitura de jornais já estão mudando. Já há quatro jornais (O Globo, Zero Hora, Diário Catarinense e o Pioneiro, os três últimos da RBS) adaptados ao Kindle, leitor eletrônico da Amazon. E a tendência é que este número cresça: o jornal transmitido eletronicamente não gasta papel nem tinta, não enfrenta o trânsito das ruas e estradas para ser entregue aos assinantes e às bancas, chega mais cedo, não tem despesas com rotativa, prédio da rotativa, estoques. O custo cai dramaticamente.

Outra tendência é cobrar pelo conteúdo: o New York Times deve cobrar do leitor a partir de determinada quantidade de textos lidos; os jornais alemães de primeira linha do grupo Axel Springer (Berliner Morgenpost e Hamburger Abendblat) decidiram cobrar pelo acesso a seus sites. Os jornais de segunda linha do grupo, Bild e Die Welt, ainda não anunciaram sua estratégia.

Muda até a maneira de fazer os jornais: Steve Jobs, o homem forte da Apple, está apresentando o iPad à reportagem dos principais veículos de Nova York. Só falta apurar com mais gosto e ouvir o outro lado de verdade, sem encarar a busca de todas as versões como obrigação chata, para que os meios de comunicação melhorem muito.

 

Barrigaço!

No último ‘Circo da Notícia’, uma falha imperdoável: este colunista trocou o nome do veículo eletrônico que revelou as agências vitoriosas na concorrência da conta de propaganda da Petrobras algumas horas antes da abertura dos envelopes. Quem deu o furo foi o site Propmark, braço eletrônico do Propaganda & Marketing.

 

Como…

De um grande portal noticioso:

** ‘A CBF ainda não decidiu se aceita atrasar a apresentação de Robinho à seleção brasileira para amistoso contra a Irlanda, em Londres, no dia 2 de novembro. O Santos joga contra o Corinthians no dia 28 de fevereiro (…)’

Nos 8 meses entre 28 de fevereiro e 2 de novembro, não dá para ir à Irlanda?

 

…é…

Claro que é erro de digitação. Mas ficou engraçado:

** ‘Um jogo em especial foi relembrado por Washington, a semifinal do Campeonato Brasileiro de 1893 (…) Eu fiz os dois gols nesse jogo (…)’.

A torcida são-paulina não chega a gostar do seu artilheiro Washington. Mas é obrigada a reconhecer que ninguém joga bola há mais tempo do que ele.

 

…mesmo?

De um portal ligado a um dos maiores jornais do país:

** ‘Régis adia de novo liberação de pista (…)’

Como estrada, a Régis Bittencourt talvez não seja grande coisa. Mas qual outra rodovia é capaz de decidir sozinha quando libera ou não a pista?

 

E eu com isso?

É Carnaval – finzinho de Carnaval em certos lugares, meio de Carnaval em outros, e na Bahia e Pernambuco a festança está ainda no começo. Que tipo de notícia a gente tem vontade de ler nessa época? A opinião de Arthur Virgílio sobre o que considera campanha eleitoral antecipada de Dilma? As declarações de Celso Amorim sobre o enriquecimento do urânio iraniano? Os intermináveis discursos de Hugo Chávez – cá entre nós, só lhe falta o Suplicy ao lado! – a respeito do duelo entre o Império e o bolivarianismo, seja lá isso o que for?

Não! Bom mesmo, sejam verdades ou mentiras (afinal, mentira é apenas a verdade que não aconteceu), é saber que…

** ‘Cissa Guimarães vai à praia com biquíni de oncinha’

** ‘Trigo estragado faz mais de 100 pessoas rirem sem parar no Sudão’

E olhe que essa é a melhor notícia que vem de lá nos últimos tempos!

** ‘Americano recupera anel 21 anos depois de perdê-lo em cruzeiro de navio’

** ‘Porquinhos talentosos jogam futebol e andam de skate nos EUA’

Isso não é novidade: aqui não andam de skate, mas fizeram muita patinação.

** ‘Ex-loira, miss fica morena para convencer como baiana’

** ‘Susana Vieira lancha no Rio’

** ‘Hebe sai para comer rabada e tomar chope’

** ‘Galisteu come macarronada antes de desfile’

** ‘Kelly Osbourne leva o cão Sid para fazer compras por Beverly Hills’

** ‘Sabrina Sato exibe cabelos esvoaçantes em ensaio’

Moleza: difícil mesmo foi exibir um senador com cuecas vermelhas por cima do terno.

** ‘Victoria Beckham declara que é uma `mãe normal´’

 

O grande título

Bons exemplares, para todos os gostos. Temos, por exemplo, a piada pronta:

** ‘Ex-cafetina diz que pretende concorrer ao governo de Nova York’

Deve acreditar que os eleitores já cansaram de votar nos filhos e chegou a vez das mães.

Temos um bom título que, conforme a malícia que habite o cérebro do leitor, tem no mínimo duplo sentido. Cita uma frase da presidente do Flamengo, Patrícia Amorim, sobre o tratamento privilegiado que, segundo dizem, o clube proporciona a Adriano e a Wagner Love:

** ‘Regalias só `enquanto a bola estiver entrando´, diz Patrícia’

Como comprova o San Juan, que apanhou de cinco do Estudiantes, às vezes a bola entra, mas não é exatamente onde a gente espera.

E um título impecável se refere à ex-senhora Belo, Viviane Araújo, depois de mais uma daquelas plásticas que o pessoal encara como se uma cirurgia fosse a mesma coisa que mascar um chiclete:

** ‘Viviane Araújo aumenta os lábios e chora com o resultado’

Transformar pequenos lábios em grandes lábios deve mesmo doer muito.

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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados