Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O sindicalista que nos perdoe, mas Justiça é coisa séria

A intenção, em si, é condenável e idiota. Mais grave ainda, porém, é a tranqüilidade com que Paulo Pereira da Silva, o ‘Paulinho da Força’, fala em transformar o Poder Judiciário numa arma de vingança. Insatisfeito com os jornais que divulgam notícias com as quais não concorda, Paulinho ameaça mover milhares de ações judiciais contra eles, nos mais variados pontos do país, não para derrotá-los judicialmente, mas, confessa, apenas para dar-lhes trabalho.

Acontece que ‘dar trabalho’ não é função do Poder Judiciário: a função do Judiciário é distribuir justiça. Transformar o recurso à Justiça numa punição em si é algo que não pode ser admitido. Está mais do que na hora de, legalmente, acabar com esse tipo de jogo sujo. O objetivo da Justiça não é fazer uma pessoa, ou empresa, correr de um lado para outro, multiplicando despesas e contratando dezenas de advogados; é julgar o caso e decidir quem tem razão.

Esta coluna já propôs que, em casos como o que opõe a Igreja Universal à Folha e à repórter Elvira Lobato (mais de meia centena de ações espalhadas pelo país), haja unificação dos processos [role a página e veja aqui]. O foro adequado seria São Paulo, onde a Folha tem sede, ou o Rio, onde mora Elvira Lobato. Muitos leitores protestaram: e o leitor de Boca do Acre, que se sentiu ofendido? Teria ele de viajar, de multiplicar seus gastos? Não: basta que se estimule o uso de meios eletrônicos de comunicação. Se podemos assistir a um jogo sem comparecer ao estádio, se podemos entrevistar uma pessoa a milhares de quilômetros de distância, por que não usar os mesmos recursos para evitar a instrumentalização da Justiça?

Este colunista está sendo processado por uma multinacional de produtos cancerígenos numa cidade de outro estado. Comparecer a cada audiência exige gastos com transporte e alimentação (dos réus e dos advogados) e o obriga a faltar ao trabalho. Para os fabricantes de câncer, o objetivo é claro: dar trabalho, exatamente aquilo que Paulinho anuncia tão candidamente.

Não se trata, é preciso notar bem, de evitar processos. Quem se sentir ofendido com notícias e comentários dos meios de comunicação deve mesmo recorrer à Justiça. Só que isso deve ser feito com honestidade, para obter uma sentença, e não apenas para cansar o oponente. Se a chicana jurídica não for coibida, a liberdade de imprensa enfrentará sua ameaça mais séria desde os tempos da ditadura.



Besteirol chavista

Já se falou muita bobagem sobre a decisão colombiana de atacar no Equador uma base dos narcotraficantes das Farc, Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia. O fato é que, de acordo com a lei internacional, o Equador não poderia permitir um acampamento de guerrilheiros que lutam contra o governo do país vizinho em seu território – ainda mais sabendo-se que o governo é legítimo e democrático, ainda mais sabendo-se que os guerrilheiros traficam drogas e seqüestram gente – e não se detiveram nem diante do seqüestro de bebês.

No meio do besteirol a respeito da violação-do-território-do-país-vizinho, ninguém publicou o básico: a lei internacional que rege o relacionamento entre países soberanos. Chama-se ‘Declaração de Princípios da Lei Internacional Concernentes às Relações Amistosas e de Cooperação entre os Estados de Acordo com a Carta das Nações Unidas’, aprovada em 24 de outubro de 1970 pela Assembléia Geral da ONU, sob o número A/8082:

‘Todo Estado tem a obrigação de não organizar ou apoiar entidade de forças irregulares, ou bandos armados, incluindo mercenários, que têm como objetivo realizar incursão em outro Estado.

‘Todo Estado tem a obrigação de não organizar, apoiar ou participar de atos de guerra civil ou ações terroristas em outro Estado, ou aquiescer com atividades organizadas dentro do seu território, com a finalidade de realizar tais atos, e quando os atos referidos neste parágrafo implicam a ameaça do uso de força’.

Esta é a lei. O resto é saudade da tragédia da guerra fria e do Muro de Berlim, revivida agora como farsa.



E, por falar em farsa…

A notícia mais engraçada dos últimos tempos passou batida pelos meios de comunicação: a ordem do presidente venezuelano Hugo Chávez para que dez batalhões de tanques se postassem junto à fronteira da Colômbia. E que é que tanque vai fazer na Amazônia? Derrubar árvores? Testar a profundidade dos rios? Atirar nos uirapurus?



Não dá para não ler

Uma das melhores reportagens sobre mordomias está na Folha de S.Paulo de domingo (9/3, pág. A4) e é de autoria de Lilian Christofoletti. O título é ‘Diárias permitem que juiz de SP ganhe mais do que no STF’ [ver aqui, para assinantes do UOL e/ou Folha]. Não são apenas juízes: promotores também conseguem multiplicar seus vencimentos.

O mais grave, na reportagem, é que os beneficiários são aqueles que devem fiscalizar e aplicar a lei. O mais grave, na reportagem, é mostrar que no Brasil o grande escândalo muitas vezes é montado rigorosamente dentro da lei.



Perguntando

A propósito, e aqueles dispositivos legais tão comentados pelos quais ninguém pode ganhar mais do que um ministro do Supremo?



Não dá para ler

Como no caso acima, os meios de comunicação denunciam coisas que precisam ser corrigidas. Mas, às vezes, os meios de comunicação se sobrepõem a tudo e se comportam como juízes supremos da moral do mundo. Um exemplo: outro dia, um deputado federal goiano foi apontado como suspeito de envolvimento no mensalão. Pois bem: o deputado foi acusado e absolvido. As suspeitas, portanto, foram analisadas, julgadas e afastadas. Se alguém da imprensa não concorda com a absolvição, pode perfeitamente mobilizar sua reportagem e comprovar que a sentença correta seria a condenação. O que não se pode é acusar permanentemente uma pessoa, quase três anos depois de sua absolvição, como se o caso estivesse ainda pendente. Acusação é coisa séria, não é aposto para ser colocado, entre vírgulas, sempre que se cita o nome da pessoa que enfrentou o julgamento.



Dúvida

No caso dos brasileiros que iam para Portugal e não puderam descer na Espanha, este colunista sentiu falta de uma pergunta: por que foram para Lisboa via Madri, se há excelentes vôos diretos para Portugal?

Talvez seja questão de preço. Mas seria mais barato ir mais longe e voltar do que seguir pelo caminho mais curto? Por via das dúvidas, é melhor pagar um pouco mais e fugir da ferocidade dos guardinhas espanhóis. E, se é verdade que a Espanha tem o direito de barrar a entrada de pessoas que considera indesejáveis, não tem o direito de tratá-las mal, de deixá-las sem água e comida, de amontoá-las em salas minúsculas onde não há sequer cadeira para todos.



Diplomacia econômica

Outra coisa que este colunista não viu nos meios de comunicação: a opinião dos dirigentes de empresas espanholas no Brasil. Eles não têm a menor responsabilidade pelos maus-tratos impostos aos viajantes, mas as empresas que representam têm voz nos círculos de poder da Espanha. É importante que eles também saibam precisamente como o Brasil se sente diante dos abusos espanhóis.



Como é mesmo?

O caso saiu como uma notícia comum: alguém denunciou a existência de uma bomba num prédio e a polícia foi investigar. Mas houve uma declaração inacreditável, do tenente que chefiou a investigação: ‘A maioria das salas estava fechada e não pôde ser vasculhada pelo esquadrão antibombas. Mas, se o acesso é difícil para nossos homens, também é difícil para quem tinha a incumbência de colocar algum artefato’. Será que alguém combinou isso com os delinqüentes?



A frase

Ouvido no Big Brother Brasil 8: ‘Amanhã todas as respostas serão respondidas’. Desde que, naturalmente, todas as perguntas sejam perguntadas.



E eu com isso?

Tranquilize-se: aqui está sua dose semanal de acontecimentos relevantes, o talk of the town. Finalmente, informados, poderemos dormir tranquilos!

** ‘Caetano Veloso e Ildi Silva vão embora juntos de jantar’

** ‘Ivete vai à praia com novo namorado’

** ‘Bêbadas, Kate Moss e Kelly Osbourne saem carregadas de bar’



O grande título

Nesta semana, um é imbatível:

** ‘Ex e filha de Heath Ledger estão fora de testamento desatualizado’

Se o testamento é desatualizado, qual a importância de estar fora ou dentro?

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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados