Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Onde a censura prévia é proibida

Está na Constituição: a censura prévia é formalmente vedada. Mas o jornalista José Raimundo Rodrigues Silva, de Roraima, foi multado em R$ 5 mil por ‘fazer propaganda antecipada negativa’, no Twitter, do governador tucano José Anchieta Jr., candidato à reeleição. E está proibido pela Justiça de citar o nome de Sua Excelência no Twitter, ‘mesmo que implicitamente’. Rodrigues Silva tinha anunciado a publicação de 45 crimes eleitorais do governador Anchieta Jr., mas teve de parar a divulgação pela metade.

O Estado de S.Paulo está, há quase um ano, impedido de publicar reportagens sobre as investigações da Operação Boi Barrica a respeito de Fernando Sarney, filho do presidente do Senado e gestor das empresas da família.

A Rede Globo foi pressionada por militantes petistas a suspender a propaganda de seus 45 anos, por incluir a palavra ‘mais’ (semelhante à do lema do candidato tucano José Serra) e porque 45 é também o número do PSDB na eleição.

A Folha de S.Paulo e o Datafolha, instituto que há mais de vinte anos tem mostrado competência em pesquisas, estão sendo pressionados por militantes dilmistas, que procuram desmoralizá-los pela vantagem que apontam de Serra sobre Dilma. A própria Folha coloca dúvidas sobre dois concorrentes do Datafolha, o Sensus e o Vox Populi. A bem da verdade, as pesquisas do Datafolha e do Ibope vêm indicando tendências semelhantes (Sensus e Vox Populi, também).

E, no fundo, é muito barulho por nada. Se pesquisa ganhasse eleição, Fernando Henrique teria sido prefeito de São Paulo (e não chegaria à Presidência da República). Se TV sozinha ganhasse eleição, a Rede Globo elegeria qualquer de seus dirigentes – e, no entanto, com audiência bem menor, Sílvio Santos é que seria um grande astro eleitoral. Se censura desse voto, qualquer general da ditadura seria um campeão das urnas. Não é o que acontece neste país.

 

A escolha de Sofia

O premiado repórter Luiz Cláudio Cunha, que descobriu, acompanhou e narrou o sequestro de dois estudantes uruguaios no Brasil – provando que os militares das ditaduras latino-americanas cooperavam entre si na Operação Condor – viveu experiência semelhante à do jornalista francês Laurent Richard, cuja história comentamos na semana passada (entrevistou grupos de pedófilos e entregou-os à polícia): ele também, em nome dos interesses da população, quebrou uma informação off the records, do então temido Antonio Carlos Magalhães, que lhe contara ser o mandante de uma gigantesca operação de interceptações telefônicas na Bahia. Cunha abriu o off na IstoÉ, justificou sua posição (‘repórter não é cúmplice de bandido e off não protege o crime’) e descreveu experiência num interessantíssimo texto para este Observatório da Imprensa, em 5 de março de 2003. Vale a pena buscá-lo; e vale ler o comentário, ainda hoje atual, de Alberto Dines.

 

Velhos tempos

Houve época em que a informação era checada antes da publicação. Houve época, também, em que a informação trazida por gente de fora do veículo era duplamente checada: primeiro, porque um não-jornalista poderia eventualmente cometer enganos que um profissional não cometeria; segundo, porque um funcionário da casa que publicasse uma besteira poderia ser punido, enquanto o não-funcionário continuaria sua vida tranquilamente, sem sequer se sentir culpado pelo erro e pelos prejuízos que tenha provocado.

Mudou, mudou muito. O experiente jornalista Delamar da Cruz, daqueles que ainda fazem questão de saber se o que estão divulgando é verdade, manda um bilhete lembrando que é espantoso escutar que o ouvinte Fulano de Tal telefonou informando que a Rodovia X está totalmente congestionada, após acidente com vítimas etc., etc. ‘Alguém checa essas informações? Quem garante sua veracidade?’ Os consumidores de informação sempre ligaram para as redações, mas sempre alguém as checava antes de divulgá-las. ‘Quebram-se as normas jornalísticas’, diz Delamar. ‘Parece-me que o importante é a contenção de gastos e a credibilidade que se dane.’

Claro: se existe gente que dá trote no Corpo de Bombeiros, por que não daria trote numa rádio com informações sobre um desastre que não aconteceu e um congestionamento que não existe?

 

A morte só anunciada

Outro dia, a imprensa mexicana noticiou exaustivamente a morte do ídolo Luís Miguel, o cantor que vendeu mais de 60 milhões de discos e recebeu nove prêmios Grammy. A notícia saiu na TV Azteca, uma das maiores do México, e no site em espanhol da revista People, sempre acompanhada por ampla biografia e muitas fotos do astro, mais a informação e que o corpo estava num necrotério em Los Angeles, aguardando providências para o sepultamento. Só houve um problema: o Luís Miguel que morreu era outro. O verdadeiro, exatamente naquele dia, estava comemorando seu 40º aniversário.

 

A morte que não era morte

Este colunista foi testemunha de episódio semelhante, numa emissora brasileira de grande audiência. Alguém, numa agência europeia de notícias, soltou por engano o telegrama com a notícia da morte do papa. Na rádio, que vinha há algum tempo se preparando para o evento, havia uma bela biografia de Sua Santidade, narrada por excelentes locutores. A programação foi interrompida, entrou um locutor do jornalismo, de belíssima voz, e passou a transmitir o noticiário.

Só que, na Europa, alguém percebeu o erro e passou imediatamente o desmentido. O diretor de Jornalismo entrou correndo no estúdio e passou o telegrama ao locutor. Ele, com sua voz profunda, corrigiu o erro: ‘Lamentamos informar que o papa não morreu’.

 

A morte que se evaporou

Lembre: Ademar Jesus da Silva. Não lembrou? Pois é: trata-se do assassino que, libertado da prisão, matou mais seis garotos, após violência sexual. Ademar Jesus da Silva apareceu morto na cela, em circunstâncias que este colunista considera estranhas. Mas imaginemos que não sejam estranhas: que, conforme a versão policial, ele tenha efetivamente se suicidado, depois de cortar em tiras o revestimento do colchão e fabricar com elas a corda com que se enforcou.

Mesmo assim, há muito material para os meios de comunicação:

1. A libertação do assassino. O juiz se explica, diz que apenas seguiu a lei, mas há especialistas que dizem que o juiz não é obrigado a seguir mecanicamente uma rotina, cabendo-lhe examinar o caso e verificar se não é uma exceção. Houve este cuidado por parte do magistrado?

2. Se o assassino já matou tanta gente, merece um cuidado especial. Como é que o deixaram sem monitoramento o tempo suficiente para, sem qualquer material cortante, transformar um colchão em tiras, transformar as tiras numa corda, montar uma forca e suicidar-se? Não terá havido negligência?

3. Aliás, esta é a pergunta básica, também, com relação a telefones celulares nas celas: se ali não há tomadas, como se recarregam as baterias? No caso, há apenas negligência ou também colaboração criminosa com os prisioneiros?

Há temas para reportagens. E não há desculpas para que um caso como este simplesmente suma do noticiário, sem que tenha sido inteiramente analisado

 

Mundo bizarro

** ‘Carta enviada durante a Revolução francesa chega ao destino’

** ‘Motorista de ônibus é flagrado lendo livro e dirigindo com cotovelos’

Na Inglaterra. Aqui, nem falamos em ônibus. O país é tão mais desenvolvido que até quem dirige Brasília sabe que não deve ler nada.

** ‘Peru desgovernado bate em carro de polícia nos EUA’

O peru selvagem, imenso, deu dois prejuízos: o primeiro, de US$ 700, na viatura. O segundo porque o policial deixou de alcançar o motorista bêbado que estava perseguindo.

** ‘Funcionário de TV é flagrado fazendo `dancinha´ em programa ao vivo’

Deu azar: festejou o gol de seu time com uma ‘rebolation’ qualquer e não percebeu que estava no canto da imagem do telejornal. Mas o azar não foi este: se fosse brasileiro, como aquele assessor do assessor que festejou com uma dança obscena uma notícia sobre um acidente aéreo que havia matado 199 pessoas, em vez de perder o emprego acabaria é sendo condecorado.

 

Como…

De um importante portal noticioso:

** ‘Lula não comparecerá a eventos pelos próximos 50 anos da capital’

 

…é…

De um jornal regional de ampla circulação:

** ‘Foto de homem limpando traseiro com bandeira causa polêmica’

Ainda bem: algumas coisas ainda são recebidas com estranheza.

 

…mesmo?

De um grande jornal:

** ‘Rodoanel vê acidente entre caminhão e carreta’

A grande rodovia que contorna São Paulo tirou muitos caminhões de dentro da cidade, permitiu que o trânsito melhorasse (agora, é apenas péssimo), melhorou o fluxo de carga para litoral e interior. É cheia de virtudes, mas este colunista jamais imaginou que a obra fosse também capaz de enxergar.

 

E eu com isso?

É uma semana que tem de tudo: maluquices, frufru, resultados de pesquisas estranhas, até gente que faz justiça com as próprias mãos.

** ‘Espanhol é multado por dirigir se masturbando’

** ‘Professor é preso nos EUA acusado de se masturbar na sala de aula’

Ele se desculpa: diz que, neste ano, foram só cinco vezes.

** ‘Pesquisa diz que ciumentos podem ficar cegos por instantes’

** ‘Pesquisa diz que mulheres mais velhas e mais gordinhas são preferência em tempos de crise’

** ‘Polícia rodoviária confunde vibrador com explosivo e esvazia posto’

** ‘Guy Ritchie se apaixonou pela nova namorada por causa do nariz dela’

Se fosse brasileiro, o ex-marido de Madonna não perderia um show de Juca Chaves nem um programa esportivo com Alberto Helena. E votaria em Alckmin.

** ‘Bêbado, homem dirige carro elétrico da Barbie e vai preso’

** ‘Ladrões invadem cadeia para roubar TV de presos’

Aqui isso não aconteceria: os ladrões teriam medo das facções criminosas que mandam lá dentro.

** ‘Empresa de colchões cria polêmica ao usar prostitutas em anúncio’

Foi um escândalo, na verdade: os belgas reagiram muito mal à piadinha de que a empresa testava seu produto com profissionais. Aqui as prostitutas não fariam sucesso. Já seus parentes mais próximos vivem no nosso noticiário.

** ‘Susana Vieira beija namorado no aeroporto do Rio’

** ‘Britânica diz ter ficado viciada em sexo após queda do Wii Fit’

A culpa é do aparelho de videogame, claro. Então, tá.

 

O grande título

Comecemos com a demonstração de honestidade tardia:

** ‘Aposentado devolve biscoito roubado há 50 anos’

Não, não foi biscoito velho: ele comprou uma caixa nova e a entregou à pessoa de quem tinha pegado os biscoitos em 1960. Mas não se empolgue: provavelmente, agora, o médico já não o deixa comer biscoitos como antigamente.

Continuemos com a história simultaneamente trágica e cômica:

** ‘Médico é investigado por extrair testículo de paciente por engano’

Lembra antigas piadas, não é? Mas não foi no país que veio imediatamente à memória do caro colega: foi na Inglaterra.

Mas o melhor título não é exatamente, na verdade, um título: é a frase inicial de um anúncio que vem sendo amplamente veiculado. É preciosa:

** ‘Não vire as costas à disfunção erétil’

Se não houver a disfunção, o conselho fica ainda mais útil.

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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados