Como dizia Tom Jobim, no Brasil o sucesso é ofensa pessoal. O meia Kaká, exatamente após ter recebido o troféu de Melhor do Mundo, sofreu violentíssima campanha questionando sua opção religiosa. Rubens Barrichello não é o melhor piloto do mundo (e seria difícil sê-lo, já que em sua carreira na Fórmula 1 topou com adversários como Ayrton Senna e Michael Schumacher), mas é um dos melhores. Uma história engraçada mostra que Rubinho não é o piloto que teve mais segundos lugares: é o segundo. E isso mostra que está entre os corredores de ponta. Mas a imprensa gosta de retratá-lo, de forma até desrespeitosa, como aquilo que também não é, uma tartaruga entre coelhos.
E Pelé, o maior de todos os ídolos? Num discurso em Copenhague, chamou Michael Jordan de Michael Jackson. Patrulheiros jornalistas que não perdoam o apoio de Pelé à realização das Olimpíadas no Rio informaram que o Rei, por causa disso, foi relegado a segundo plano na delegação brasileira que apresentou os planos (afinal vitoriosos) para os Jogos Olímpicos; outros disseram que Pelé ‘estava ficando gagá’. Quando a ministra Dilma Rousseff trocou o nome de um estado, houve piadinhas, claro, mas ninguém a acusou de ser gagá. O exemplo máximo de troca de nomes, o governador paulista André Franco Montoro, referência positiva na política brasileira, é lembrado por sua honradez e capacidade, enquanto as confusões ficam onde devem ficar – no campo das brincadeiras. E Montoro caprichava: durante anos chamou seu assessor de imprensa, Luthero Maynard, de Homero. E daí?
Pelé só não conseguiu realizar um sonho: jogar no Corinthians, o cume da carreira de um jogador de futebol. Quanto ao resto, fez tudo: era veloz, hábil, inteligente, excelente chutador, excelente cabeceador, raciocinava mais depressa do que qualquer outro jogador do mundo. Tinha força física, malícia, personalidade, e muito, muito carisma. Este colunista estava a seu lado, no aeroporto de San Francisco, EUA, quando três rapazes tunisianos, entre seus 17 e 20 anos, pediram para ser fotografados com ele. Pelé jamais jogou na Tunísia. E os três nasceram depois que ele havia deixado o futebol. Mas o trataram como se ele fosse, naquele instante, o melhor jogador do mundo, e atuasse na seleção de seu país.
Talvez seja demais para gente que não pode ver brasileiro vencer, odeia admitir que somos os melhores em alguma coisa, detesta (ou inveja) ídolos. E tem espaço nos meios de comunicação para descarregar todas as amarguras de sua vida.
A hora do Rio
O Rio ganhou: é a sede das primeiras Olimpíadas na América do Sul. E boa parte da imprensa parece triste: onde já se viu comemorar uma vitória brasileira?
Muita gente é contra o presidente do Comitê Olímpico Brasileiro, Carlos Nuzman, e deve ter bons motivos para isso. Mas o fato é que não é Nuzman que estará nas manchetes do mundo em 2016: é o Rio, o cartão postal do Brasil.
Há problemas com o cartão postal? Há, sem dúvida; e esta é uma excelente oportunidade de planejar os investimentos para recuperá-lo. Se hospedar os Jogos Olímpicos fosse ruim, o presidente Barack Obama não teria ido a Copenhague para defender a candidatura de Chicago; se hospedar os Jogos Olímpicos fosse ruim, o primeiro-ministro espanhol José Luis Zapatero não teria ido a Copenhague defender a candidatura de Madri.
Todas as oportunidades, como sempre, dependem de como aproveitá-las. Nossa primeira idéia é a do superfaturamento, da corrupção, das obras gigantescas que depois ficarão abandonadas. Mas é perfeitamente possível usar o evento (e os fluxos de capital que o acompanham) para modernizar a infraestrutura da cidade, para estimular a prática do esporte, para crescer. E nós, jornalistas, temos um papel nesta escolha: o papel de ficar atentos, sem patrulhas, sem condescendência, trazendo a debate as grandes escolhas e fiscalizando a aplicação dos investimentos. Se recusarmos todas as oportunidades por termos a certeza de que serão desperdiçadas, então as coisas não têm mais jeito: é devolver para Portugal pedindo desculpas pelos estragos.
O que falta contar
Há jornalistas brasileiros em Honduras, acompanhando a crise. Sabemos que no prédio da embaixada brasileira falta água quente, que os telefones são precários, que de vez em quando falta luz. Sabemos até que o presidente Manuel Zelaya acusou ‘agentes israelenses’ de, por algum motivo, atacá-lo com radiações nocivas, para que tenha dores de cabeça. Sabemos que os principais meios de comunicação favoráveis a Zelaya são comandados pela rádio Globo hondurenha, e que por isso a rádio já enfrentou problemas de censura com o governo atual.
Mas o que praticamente não foi noticiado foi a declaração formal, feita no dia 25 de setembro (houve prazo para divulgá-la, portanto), pelo diretor desta rádio Globo, David Romero. Este colunista só encontrou a declaração, em áudio, no blog de Reinaldo Azevedo. Talvez seja falha deste colunista, mas não viu nem a declaração nem comentários sobre ela em outros veículos.
E que é que diz David Romero que deveria ser noticiado? Ele diz que se pergunta se Hitler não teve razão de querer terminar com os judeus no Holocausto. ‘Se há gente que causa dano ao país são judeus, os israelitas’. E quer saber por que não deixaram que Hitler ‘cumprisse sua missão histórica’.
O Brasil, não nos esqueçamos, esteve entre os que não deixaram que Hitler cumprisse aquilo que Romero chama de ‘sua missão histórica’. Foi alvo de ataques nazistas, lutou contra o nazismo na Segunda Guerra Mundial. Há na Europa um cemitério, o de Pistoia, em que foram enterrados os brasileiros mortos pela máquina de guerra do nazismo. Nossos meios de comunicação não podem silenciar; nosso governo não pode ser cúmplice das viúvas de Hitler, como David Romero.
O novo ministro
O presidente Lula indicou o advogado José Antônio Dias Toffoli para o Supremo Tribunal Federal e se abriram as comportas da indignação. Errado: Toffoli preenche as condições legais para ser ministro do Supremo. Quanto às críticas, nada de muito sério: ele é ligado ao PT (como provavelmente cada um dos demais ministros tem seu partido e seus candidatos), não tem cursos de pós-graduação mas vem mostrando competência na carreira, mostrou que é capaz de lutar por seu cliente, no caso a União. O maior defeito que tem, para um cargo tão importante, é a idade, pouco superior ao mínimo exigido. Mas isso é coisa que o tempo resolve.
Quem se beneficia?
Esplêndida a cobertura da repórter Renata Cafardo, de O Estado de S.Paulo, no caso do vazamento das provas do Enem. Renata ouviu tranquilamente as pessoas que pretendiam cobrar R$ 500 mil do jornal pelo dossiê completo, leu algumas das questões, memorizou-as e, ao voltar à Redação, avisou às autoridades que um crime estava sendo cometido. Levou-lhes, de memória, algumas das questões que havia no dossiê, e que efetivamente estavam na prova. E publicou tudo – a principal função de um repórter, que é levar a informação aos consumidores de notícias.
Espera-se que as investigações tragam o resto da história: quem vazou e quais seus motivos – porque, se alguém esperava levantar um dinheirinho com o dossiê, ir ao jornal era o caminho errado. Jornal sério não paga por informação, repórter sério não faz negociações sem o acompanhamento da chefia. O caso é ainda muito confuso. As únicas coisas claras são o bom desempenho da repórter e do jornal.
E a Constituição?
Já faz mais de dois meses que O Estado de S.Paulo está sob censura, proibido judicialmente de noticiar fatos que envolvam Fernando Sarney, filho do ex-presidente José Sarney, e que constam nas apurações da Operação Boi Barrica, da Polícia Federal. A Constituição proíbe a censura prévia: cada um publica aquilo que julgar conveniente, e responde pelas consequências. Mas, se a a Constituição a proíbe, como se mantém a censura prévia? Bem, os tribunais finalmente concluíram que a Constituição continua válida – mas mantiveram a censura prévia, que a Constituição proíbe, até que um tribunal maranhense julgue o caso.
O Maranhão, não esqueçamos, está sob o domínio da família Sarney há mais de 50 anos.
Acredite se puder
Vale a pena transcrever a nota que nos foi enviada:
‘A Secretaria de Imprensa da Presidência do Senado publica em sua página no portal do Senado a consolidação da defesa do senador José Sarney – argumentos e documentos –– contra todas as acusações que sofreu ao longo dos últimos meses. É um manifesto de respeito aos cidadãos brasileiros, tendo em vista que muitas dessas acusações sobreviveram no tempo de tanto que foram repetidas, desconsiderados com frequência os argumentos e provas apresentados pela defesa do presidente do Senado. Secretaria de Imprensa da Presidência do Senado Federal’ (ver aqui).
Importante: não podemos esquecer que a Secretaria de Imprensa da Presidência do Senado é financiada integralmente com recursos públicos – com o seu, o meu, o nosso dinheiro. Quem se beneficia deste trabalho? O senador José Sarney, que também, como presidente do Senado, é quem autoriza esse gasto.
Quem tem razão?
O PT acaba de perder em segunda instância, no Tribunal de Justiça de São Paulo, um processo que move contra a revista Veja, por parcialidade e perseguição. O PT agiu corretamente: não pediu censura prévia, mas, julgando-se prejudicado, abriu o processo. E Veja se defendeu com êxito, mostrando que, embora tenha feito muitas reportagens que atingiram o partido e o governo, também o fez com outros partidos e outros presidentes, especialmente Fernando Collor (que, na época, estava do lado oposto ao do hoje presidente Lula).
A tese de Veja, no fundo, é a de que jornalismo é oposição. É uma tese correta, embora a revista por muitas vezes, na opinião deste colunista, tenha se excedido. A Justiça entendeu que as reportagens apontadas como parciais tinham base em documentos e informações sólidos e, portanto, não havia intenção de atingir indevidamente a credibilidade do partido.
O indesejado
Por falar em censura, o jornalista Adib Muanis, chefe de reportagem da TV Tem, de São José do Rio Preto (SP), foi alvo até de uma lei específica: virou persona non grata em Catanduva. Em 1983, o governador Franco Montoro convidou vários prefeitos da região para jantar no Palácio dos Bandeirantes. Alguém fez uma brincadeira, provavelmente outro prefeito; e um segurança barrou o prefeito de Catanduva, querendo revistá-lo para ver se não havia roubado alguns talheres de prata. O governador já tinha se recolhido e o prefeito, furioso, xingava os seguranças e lhes mostrava que não tinha nada no bolso, exceto lenço, carteira, essas coisas. Muanis publicou a história e o prefeito perdeu a linha: fez com que um vereador de seu grupo apresentasse um projeto (que virou lei) considerando-o persona non grata na cidade.
Muanis não se importou: acha que é um belo item no seu currículo.
Este colunista também é persona non grata, só que em Pindamonhangaba. Mas não conseguiu realizar seu sonho: receber o título numa sessão da Câmara.
O mundo…
Parece incrível, mas um maluco colocou no Facebook uma enquete a respeito do seguinte tema: ‘O presidente Obama deveria ser assassinado?’ As alternativas eram ‘sim’, ‘não’, ‘talvez’ e ‘só se ele cortar meu plano de saúde’. Conspirar para a morte de uma pessoa é crime; conspirar para a morte do presidente da República é crime ainda mais grave. O serviço secreto americano pediu a retirada da enquete e o Facebook o atendeu imediatamente.
Surge aí uma questão típica da era da internet: é lícito permitir o anonimato, mas é preciso manter em ordem os registros de quem faz o que para que os atingidos possam eventualmente processá-los. Os nomes podem perfeitamente ficar a salvo de divulgação, mas precisam estar disponíveis para a Justiça. Anonimato, sim; irresponsabilidade, não.
…em que vivemos
Outro caso do Facebook: alguém está usando o portal para fazer ameaças ao advogado Jack Thompson. Thompson decidiu processar o Facebook por permitir as ameaças. Um bom tema para debate: até que ponto um portal de relacionamento, que tem algumas centenas de milhões de associados, dispõe de condições de controlar antecipadamente o que é colocado no ar?
A paixão do imortal
Na quinta-feira (8/10), às 17h30, o professor Arnaldo Niskier lança o livro Língua Portuguesa, uma Paixão, na Academia Brasileira de Letras, Rio. Niskier é acadêmico há quase 26 anos, e seus livros cuidam principalmente de seu interesse básico: a Educação. Tudo indica que será uma boa leitura.
Como…
De um grande jornal, falando sobre a acusação ao cineasta Roman Polanski: ‘estrupo’.
O curioso é que ‘estrupo’ é de pronúncia mais difícil que ‘estupro’. É como aquele pessoal que fala em ‘vrido’, em vez de ‘vidro’.
…é…
Título num grande portal noticioso:
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‘Refúgio paraguaio para bandidos’Texto: ‘Prefeitura [do Rio] lança licitação dos trajetos municipais e pela sexta vez deixa de cobrar por permissão.’
…mesmo?
Título de outro grande portal noticioso:
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‘Conflito em Israel’Texto: ‘Avião faz pouso de emergência em rodovia dos EUA.’
E eu com isso?
Você não é obrigado a perder seu programa favorito para aprender, no Animal Planet, como se comportam os animais. A imprensa, no papel ou na internet, faz este favor a você:
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‘Crocodilo acha que toda minhoca é isca e ataca turista que fazia xixi’**
‘Saiba quanto custa e qual é a rotina de um cavalo da polícia’**
‘Perereca rara paralisa obra do PAC’**
‘Presa onça suspeita de matar galinhas’A indigitada, habilmente interrogada, rosnou manifestando seu inconformismo com a a ação dos homens da lei, no que foi interpretado como confissão completa do crime.
Há também, no noticiário, noções de educação sexual:
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‘Viviane Araújo faz sexo todo dia para engravidar’**
‘Grávida não sabe qual dos seis é o pai da criança’E, finalmente, aquelas notícias sobre pessoas famosas sem as quais não conseguiremos sequer conversar com os vizinhos:
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‘Kristen Stewart, de Crepúsculo, diz que sua vida é chata’**
‘Íris Stefanelli estreia quadro com maquiadores de defunto’**
‘Britney Spears vai às compras com vestido rasgado’**
‘Maitê Proença toma lanche em aeroporto’**
‘Sylvester Stallone fuma charuto ao lado da mulher’Serra nele!
O grande título
O português é uma língua extremamente rica, cheia de nuances. ‘Pois não’ é sim, ‘pois sim’ é não, ‘posto que’ significa ‘embora’, e não ‘já que’. Veja que delícia de título:
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‘Burger King fecha nova parceria para deslanchar em SP’Fecha parceria quer dizer que abre; e deslanchar, um termo esquisitíssimo numa empresa que serve lanches, acaba tendo outro significado. Beleza!
Mas não é este o melhor título da semana. O melhor é este retrato do Brasil:
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‘Polícia prende suspeitos de falsificação de CDs piratas’Até CDs piratas já estão sendo falsificados!
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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados