É o helicóptero caindo, explodindo, são os policiais militares morrendo na queda, tudo filmado pela TV, tudo fotografado em cores pelos jornais, tudo noticiado no momento pelo rádio, tudo atualizado a cada instante pela internet. São os favelados fugindo de casa, sem ter para onde ir, para escapar ao fogo cruzado dos grupos rivais de traficantes e da polícia. É o cadáver no carrinho do supermercado, é o corpo transportado num carrinho de pedreiro, é policial matando, é policial morrendo. São entrevistas meio sem sentido, dadas por gente que não sabe muito bem o que está ocorrendo (ou, o que é pior, que sabe muito bem o que está ocorrendo). É o homem que morre para que roubem seus tênis e sua jaqueta – e o bandido nem fica com o produto do latrocínio, que passa imediatamente para as mãos do policial que o libera. É o Rio – não, não é o Rio.
O Rio tem problemas imensos, inclusive de segurança, inclusive de requalificação moral de parte da polícia. O que a imprensa não vem mostrando é que, nesta guerra de quadrilhas, nesta guerra com a polícia, tudo vem de fora: o Rio não produz cocaína, não produz fuzis de longo alcance, não produz lança-foguetes, não fabrica munição. Essas coisas vêm do exterior; portanto, não haverá policiamento possível apenas nas fronteiras do Rio. É preciso bloquear a entrada de armas, é preciso vigiar as fronteiras, é preciso mapear e cortar as rotas de suprimento de drogas, de munição, de material de guerra. É preciso governar.
Sempre alguma coisa vai entrar; mas que, pelo menos, não haja essa quantidade inacreditável de fuzis de combate, de metralhadoras, de armas antiaéreas.
A imprensa pouco contribui para mostrar, também, o vácuo deixado pela inoperância do Estado. Enquanto um favelado precisar procurar o traficante, e não o posto de saúde, para receber tratamento, é ao traficante, e não às leis, que deverá obediência. Se o Estado não cuida da saúde, da educação, do transporte, se as empresas privadas de serviços públicos precisam negociar com os traficantes para trabalhar com alguma segurança, então não há Estado. E alguém ocupará seu lugar, sem dever lealdade a qualquer tipo de estrutura legal.
E malditos sejam…
Uma pessoa sem qualquer vinculação política, embora irmã de um ex-governador, cometeu um crime e se suicidou. A ausência de vínculo é tão notória que pouquíssimos repórteres políticos sabiam da existência de tal irmão. No entanto, com direito a foto de primeira página, o título citava o parentesco e as reportagens transformaram quem nada teve com o caso em estrela do noticiário.
Chegaram a lembrar que o ex-governador, quando congressista, se opôs à proibição do porte de armas por cidadãos comuns – uma posição com a qual este colunista não concorda, mas que é perfeitamente defensável. É como se, ao participar no Congresso da vitória do que se convencionou chamar de ‘bancada da bala’, o político tivesse aberto o caminho para que seu parente portasse uma arma e com ela cometesse o crime e o suicídio.
Quando o parente de um grande atleta foi preso, num caso de drogas, foi difícil evitar a menção ao vínculo familiar. O envolvido tinha sido, ele próprio, atleta profissional, e seu parentesco com o craque famoso era conhecido. Entretanto, o exagero foi visível no comportamento dos meios de comunicação: parecia que o envolvido tinha perdido o nome – tinha virado aquilo que os americanos chamam de ‘John Doe’, desconhecido. Até nos títulos o que saía era ‘parente de fulano’. E, no entanto, não havia qualquer vínculo entre o caso que o levou à condenação e o parente famoso.
…até a quarta geração
Nos debates internos de imprensa que o caso provocou, os defensores do comportamento dos meios de comunicação alegaram, corretamente, que o vínculo era conhecido. E, erradamente, partiram para a análise do relacionamento entre o envolvido e seu parente mais famoso para tentar provar que a raiz de tudo estava na fragilidade dos laços que uniam a família. Bobagem: a família era grande e só um de seus membros teve problemas com a lei. Mas ficou claro que, para muitos repórteres, o jogador mais famoso era também responsável pelos atos de seu parente (como o consideram responsável, também, pela manutenção de atletas que com ele atuaram há mais de 40 anos e que hoje estão sem recursos).
Tanto num caso como no outro, a existência de parentes famosos serviu para popularizar o noticiário. Mas é injusto: que cada um responda pelos próprios problemas, pelos próprios erros, pelas próprias falhas, sem que tenha também de se responsabilizar pelo comportamento de parentes e amigos.
Boa, Valmir!
O repórter Valmir Salaro, um dos astros do noticiário policial da Rede Globo, fez um belíssimo depoimento sobre o caso da Escola Base, em que os donos de uma escola infantil foram presos e execrados publicamente sem que nada tivessem feito de errado (e, quando foi comprovada sua inocência, a escola, fruto do trabalho de suas vidas, já tinha sido desmoralizada e fechada).
Salaro disse em debate na Fiesp, Federação das Indústrias de São Paulo, que depois desse caso passou a desconfiar ‘até de si próprio’. Conta que, ao entrevistar o casal Nardoni, acusado do assassínio de sua filha Isabella, foi criticado por não fazer pressão. ‘Mas não cabe ao jornalista condenar’.
Nem condenar nem absolver. Cabe ao jornalista noticiar. E desconfiar.
Um homem notável
Uma boa, uma má notícia. A má é que um dos grandes homens públicos da atualidade, o ministro Flávio Bierrenbach, está se aposentando no Superior Tribunal Militar, por limite de idade. A boa é que a aposentaria de Flávio Bierrenbach permite mostrar que nem todo político é isso que a gente imagina: há pessoas cuja vida pública é um exemplo para todos.
O curioso é que a aposentadoria de Bierrenbach foi noticiada por todos os meios de comunicação. Mas poucos se deram ao trabalho de contar sua vida, que demonstra a possibilidade de agir com espírito público.
Flávio Bierrenbach é neto do general Flores da Cunha, que foi governador do Rio Grande do Sul, mas fez sua carreira política em São Paulo – no MDB, partido que resistia à ditadura militar. Era advogado de presos políticos; ele mesmo foi processado e absolvido pela Justiça Militar. Extremamente ligado ao professor Goffredo da Silva Telles, participou da redação, em 1977, da Carta aos Brasileiros, que reclamava a volta à democracia; trabalhando com Ulysses Guimarães, esteve no grupo que articulou a atual Constituição da República.
No Superior Tribunal Militar, temia-se que não se entendesse com os oficiais, a quem por várias vezes havia enfrentado na época da ditadura. Mas soube conviver e se tornar conhecido como um dos ministros mais preocupados do STM com as liberdades individuais.
Bierrenbach se aposenta por força de lei, mas continua a trabalhar: vai abrir em São Paulo um escritório de advocacia. E retornará a um velho hobby que há muito tempo não conseguia praticar: a aviação civil. Bierrenbach tem um teco-teco de 1946 que, segundo ele, voa perfeitamente. E pretende pilotá-lo.
A briga lá fora
Preocupado com a troca de insultos tipo ‘idiota’ e ‘corno’ no Senado brasileiro? Seus problemas acabaram: o jornal peruano La Razón atacou a presidente do Chile, Michelle Bachelet, chamando-a de ‘Bachelet conchuda’. Pensando em frente e verso, é exatamente o oposto do que se diria da Scheila Melo – com a diferença de que Michelle Bachelet é presidente de um país vizinho e amigo.
Por que o ataque? Aparentemente só para provar que La Razón não concorda com a política de aproximação desenvolvida pelos presidentes Michelle Bachelet e Alan García. E já houve retaliação (ainda bem que parou nisso): o La Cuarta, do Chile, noticiou a ‘indignação dos dois países pela lixarada’ do jornal peruano ‘a La Jefa!’ Pois é: ‘A Chefa’. É assim que os governistas chilenos mais radicais tratam sua presidente.
Boa notícia
Acaba de ser inaugurado o portal com o conteúdo de todos os trabalhos vencedores do Prêmio Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos. O prêmio foi concedido pela primeira vez em 1979 – o portal é em homenagem a seus 30 anos. Todo o material estará disponível aqui para consultas.
É isso aí
Há títulos que, sem qualquer insinuação, sem qualquer maldade, esclarecem tudo sobre o tema noticiado. Por exemplo:
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‘Comissão discute reformas de estádios para Copa-2014 (…)’Já pensou quantos assuntos referentes aos próximos eventos esportivos marcados para este país serão resolvidos por uma comissão?
Como…
Título de matéria de um grande portal informativo:
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‘Amy Winehouse exibe silicone para fotógrafos’Ao lado, a foto de Michel Temer.
…é…
Do portal informativo de um grande jornal, referindo-se às eleições para reitor da Universidade de São Paulo:
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‘Das 1.925 pessoas aptas a votar, compareceram 1.641’Em seguida, dá os votos de cada um dos candidatos, que somam 2.827. Há ainda 1.551 votos em branco e 364 nulos.
Esta soma nem os universitários conseguem fechar.
…mesmo?
Título da matéria:
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‘Jaqueline Khury: fotógrafos flagram ex-BBB sem calcinha’Segue-se ampla discussão sobre o momentoso assunto. Na foto, Jaqueline Khury numa pose reveladora, bem pouco discreta – e, visivelmente, de calcinha.
E eu com isso?
A origem da palavra ‘prejuízo’ não tem nada a ver com seu significado atual: significava apenas uma avaliação prévia, um juízo prévio (e que, por prematuro, era muitas vezes injusto). Era o mesmo significado da palavra ‘preconceito’. O nome ‘Chita’, daquela macaca que acompanhava Tarzã nos filmes, era nos livros a designação da pantera. ‘Candidato’, na época de Roma, tinha esse nome por usar uma toga branca (ou ‘cândida’), significando que sua vida era livre de manchas. As palavras mudam gradualmente de sentido ao longo dos anos, e até agora a gente nem percebia a ocorrência da modificação.
As coisas mudaram: ‘flagrar’, nos tempos em que o senador José Sarney ainda tinha cabelos brancos, era surpreender alguém (e, com frequência, quando esse alguém era flagrado estava no lugar em que não deveria estar, fazendo alguma coisa que não deveria fazer). Hoje as coisas estão mudando; e, ao contrário do que ocorria antigamente, dá para acompanhar a mudança do sentido das palavras. ‘Flagrar’, por exemplo, quer dizer qualquer coisa que precise caber em sete caracteres.
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‘Elba Ramalho é flagrada com Maria Paula, sua terceira filha’**
‘Paola Oliveira e Joaquim Lopes, enfim, são flagrados se beijando’**
‘Claudia Jimenez é flagrada aos beijos com gurizão’No noticiário econômico, é possível encontrar amplas informações sobre o crescimento dos negócios que envolvam animais de estimação. Mas pode-se avaliar o crescimento do pet market também no noticiário frufru: a cada dia há mais notícias sobre animais que vivem perto dos donos.
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‘Homem procura cavalo e acha porta de avião’**
‘Orlando Bloom passeia com o cachorrinho da namorada’**
‘Americano é preso acusado de fazer sexo com cavalo’**
‘Britânica pinta esqueleto no pelo de cavalo para mostrar funcionamento’Dá para encontrar notícias, também, sobre comportamentos estranhos de animais selvagens:
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‘Urso `tenta roubar carro´ nos EUA e fica trancado dentro dele’Há, naturalmente, o noticiário das celebridades.
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‘Vizinhos de Madonna reclamam de barulho**
‘Michelle Obama brinca de bambolê na Casa Branca’**
‘Dado Dolabella e Viviane Sarahyba voltam de lua de mel**
‘Perlla dança agarradinha com fã’**
‘Ana Furtado vai para cozinha fazer sanduíche em evento’**
‘Ana Maria Braga recebe abraço caloroso de fã no aeroporto’E, claro, não faltam as revelações sensacionais, sem as quais jamais poderíamos nos considerar pessoas bem-informadas:
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‘Paris Hilton diz que não é tola, mas finge ser `cabeça oca´’**
‘Letícia Spiller: `não tenho sangue de barata´’
O grande título
Com a TV a cabo reprisando filmes o tempo todo, certamente não há quem não tenha visto os grandes faroestes em que índios são personagens. Índio de filme tem um jeito especial de falar. E até este jeito tão típico foi capturado pelo pessoal que prepara títulos nos nossos meios de comunicação. Por exemplo:
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‘Evitar cáries de mamadeira e cuide melhor saúde da boca do seu bebê’Ou, já mais elaborado:
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‘Polícia apura morte por uso de jovem por anabolizante de cavalos’Mas falta a esses títulos aquilo que leva a pensar na situação. Por isso, o grande título da semana é um que vai despertar grande curiosidade nos leitores:
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‘Polícia é chamada após gritos, mas acha apenas casal fazendo sexo’Certamente valeu a pena explicar-se às autoridades.
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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados