O fenômeno é permanente, mas se torna muito mais visível em épocas de acirramento de ânimos, como numa campanha eleitoral: um bom número de leitores se convence de que a imprensa está ‘do outro lado’, e não trata de assuntos potencialmente danosos ao ‘outro lado’. E, ao contrário, procura sempre multiplicar os defeitos ‘do nosso lado’, buscando incessantemente prejudicá-lo.
Um caso interessantíssimo acaba de acontecer: Fábio Luís Lula da Silva, ‘Lulinha’, foi apontado numa reportagem de Veja como um cavalheiro que enriqueceu rapidamente, por coincidência durante o mandato de seu pai, o presidente Lula. A reportagem informou também que ‘Lulinha’ estava instalado no escritório de um renomado lobista de Brasília, APS, Alexandre Paes dos Santos.
Desmontar a reportagem é fácil: basta provar que ‘Lulinha’ não enriqueceu, ou enriqueceu antes de seu pai ser presidente, ou que, mesmo tendo enriquecido no mandato de seu pai, não teve qualquer favorecimento por parte do governo. Basta demonstrar que o escritório de ‘Lulinha’ não foi cedido pelo lobista. A prova de que esta não é uma missão impossível ocorreu há algum tempo, quando o irmão do presidente, ‘Vavá’, foi acusado de fazer lobby. Verificou-se que nem recebido no palácio ele era, e o assunto simplesmente desapareceu dos jornais.
No caso de ‘Lulinha’, a reação foi até engraçada: tentou-se provar que Paulo Henrique, filho de Fernando Henrique Cardoso, também se beneficiou durante o mandato do pai, e que os meios de comunicação ignoraram as denúncias contra ele. E onde é que os acusadores de agora foram buscar essas denúncias? Exatamente nos meios de comunicação. O Google traz uma infinidade de páginas com as acusações da oposição da época contra o filho do presidente.
A propósito, se o filho de um ex-presidente se comportou mal no passado, de que maneira isso justifica o eventual mau comportamento do filho de um presidente nos dias de hoje?
Outro dia, uma imensa lista de pessoas recebeu um e-mail urgente, de adeptos do candidato Alckmin, informando que haveria um debate no SBT naquele dia e que a imprensa estava ocultando a informação. Bom, todos os jornais tinham dado (e mais de uma vez) os dados sobre o debate. A segunda rede de TV do país, o próprio SBT, anunciava o debate em todos os intervalos. Blogs, colunas, ex-blogs noticiavam os preparativos do debate.
E por que aqueles militantes achavam que a notícia não tinha sido divulgada? Simples: primeiro, porque havia um motivo forte para escondê-la (Alckmin iria triturar o adversário, moê-lo, devorá-lo com farinha, e por isso ‘o outro lado’ preferia que ninguém visse o debate). Segundo, porque, ocupadíssimo com a campanha, o pessoal estava sem tempo para acompanhar o noticiário, e por isso foi surpreendido pela notícia velha.
Não tem jeito: haja o que houver, a imprensa é sempre a culpada.
A hora de cobrar
Não dá mais para aceitar, numa entrevista do presidente eleito, que está na hora de voltar a crescer. Não é uma questão de opinião, pura e simplesmente: é uma questão de método. Que é que será feito para que o crescimento econômico se acelere? Que tipo de tendência espera o governo do câmbio? As despesas correntes serão mantidas, ampliadas, cortadas? Por quê? Como? Se houver corte de despesas, em que setor devem acontecer, e com que intensidade?
Economia é a ciência de gerir recursos escassos. Se os recursos são escassos, a prioridade para alguns setores significa que outros serão prejudicados. Quais serão, por quanto tempo, em que medida?
O jornalismo ficará melhor, sem dúvida. E a política também: se os repórteres forem exigentes, os políticos não poderão dizer, como até agora, que são contra as doenças e a favor da saúde, ‘doa a quem doer’.
Futebol é com onze
Que acontece com um time de futebol que vem jogando mal e, com uma simples troca de técnico, sem tempo para qualquer mudança na escalação ou até mesmo para a realização de um treino, passa a jogar bem? Estarão os jogadores comemorando a derrubada do técnico anterior?
A imprensa insinua, mas cadê as reportagens propriamente ditas? E não se diga que ninguém quer falar: num Ministério, os repórteres sempre acabam descobrindo quem gosta de quem, quem não gosta de quem, que tipo de manobra se articula para que um grupo cresça e outro tenha seu poder diminuído. Por que só no futebol será impossível fazer essas matérias?
Novilíngua
Saiu com destaque, no anúncio de uma publicação de Internet: ‘Confúncio’. Lembra aquela antiga piada, do político pouco instruído que recebeu de um gênio (libertado, a propósito, de uma garrafa) o direito de conversar com o filósofo chinês. Ao final da conversa, já um pouco cansado, o filósofo desistiu: ‘Tudo bem, companheiro, seja como quiser. Mas lembre, meu nome não é Pafúncio’.
E eu com isso?
O caro colega espera ser convidado para a ‘boda’ (palavra em desuso, que foi ressuscitada pelas revistas de fofocas porque tem só quatro toques) de algum artista? O público em geral, imagine-se, também não. Aí surge o título:
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Tom Cruise e Katie Holmes marcam data do casamentoJustifica-se a pergunta: e eu com isso?
O caro colega, o distinto leitor, já teve oportunidade de ver pessoalmente o joelho de Demi Moore? Pois veja o título:
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Demi Moore quer fazer cirurgia para tirar rugas do joelhoOu então:
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Danielle Winits faz ‘boquinha’ durante festaE daí? A Daniela Cicarelli também fez, e nem tinha festa.
Os grandes títulos
Nesta semana o pessoal caprichou. Houve um lead rigorosamente excepcional: ‘O interrogatório do réu confesso da garota Laís Melo Bezerra, 9 anos, está confirmado para acontecer’. E três títulos de primeira, que tornam difícil escolher o melhor. Os dois primeiros:
1.
Tombstone, terra de caubóis justiceiros em tempos de imigração2.
Infra-estrutura critica fraqueza de agênciasO terceiro foi escolhido por este colunista no olho mecânico (será que hoje em dia já é eletrônico?), talvez por sua sugestão de duplo sentido:
3.
Compromisso chinês com redução de gases em 2012 é pouco provável******
Jornalista, diretor da Brickmann&Associados