Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Os jornal cumpanhêro

Ripa dos principais meios de comunicação no livro que endossa frases como “os livro foi emprestado” ou, mais deliciosa ainda (pena que não esteja lá!), “as história mais interessanta forum apagada”. Mas quem mais bate no livro cumpanhêro parece tê-lo transformado em Manual de Redação. O que se lê nos jornais e na Internet é um português aterrorizante.

De uma coluna muito lida, noticiando um acordo pelo qual uma empresa aérea de um grande país iniciará voos para o Brasil: “Em troca, (a nação) vai registrar as aeronaves da Embraer, o que a permite comprar aviões (…)”

O professor Pasquale certamente corrigiria a regência para “lhe permite”. Mas, quando o livro cumpanhêro vira manual, tudo é possível. Até a frase seguinte, que certamente Gilberto Carvalho, secretário-geral da Presidência, de rigorosa formação escolar em seminário, não disse, mas é atribuída a ele: “O passado de cada ministro não cabe ao governo fazer nenhum tipo de investigação”.

Há uma delícia esportiva: “O juiz (…) exitou em assinalar o pênalti”.

Este colunista tem a impressão de que nem o livro cumpanhêro “exitaria” em apontar o erro no texto.

É preciso reconhecer que herrar é umano. Erra-se por uma série de motivos: porque a frase foi modificada e o redator se esqueceu de adaptar o restante do texto à nova forma, porque houve falha na digitação, porque o autor da matéria não conhecia mesmo a forma correta, porque na pressa o erro passou batido. Tudo isso faz parte do jogo. Mas o desconhecimento total da regência não faz parte do jogo. Frases sem sentido em destaque não fazem parte do jogo. E baixar o cacete num livro que defende formas alternativas de usar o idioma, ao mesmo tempo em que se trata o idioma a pontapés, é simplesmente ridículo.

 

O portinglês

Winston Churchill, primeiro-ministro britânico na Segunda Guerra Mundial, conta no magnífico Minha Mocidade que, ao entrar na escola de elite em que o haviam matriculado, o professor quis ensinar-lhe a declinação da palavra latina “mensa” – mesa. O vocativo, explicou-lhe o mestre, seria usado se conversasse com uma mesa. O menino Churchill disse-lhe que não pretendia jamais conversar com uma mesa. Na discussão que se seguiu, Churchill acabou deixando a escola. E tomou uma decisão: não se dedicaria aos estudos de latim, nem de grego. Mas iria aperfeiçoar-se em sua língua, o inglês. E como se aperfeiçoou!

Bom, hoje vemos anúncios pedindo jornalistas com pós-graduação, domínio de duas ou três línguas, vivência internacional, e tudo por um salário que não paga nem os cursos. Funciona? Às vezes, funciona. Às vezes, dá coisas desse tipo:

1.“Oficiais da Federação Paulista de Futebol mostram total confiança (…)”

Official, em inglês, é alto funcionário. Em português, tem um monte de significados. E nenhum deles é o utilizado no texto.

2.(O jogador) “foi introduzido à torcida (…)”

Introduced, em inglês, significa “apresentado”. “Introduzido” é outra coisa, mas deixa pra lá.

 

Invasão de privacidade 1

A camareira que acusou Dominique Strauss-Kahn de ataque sexual deveria estar sob proteção total – inclusive com a garantia do anonimato público. Uma imigrante que investe contra um funcionário público internacional, como o diretor do FMI, não pode ser exposta. No entanto, a imprensa francesa já divulgou seu nome.

Que informação relevante isso traz? Se fosse uma pessoa notória por denunciar ataques sexuais, tudo bem; mas é uma moça comum, uma viúva, mãe de uma adolescente. Seu nome não significa nada para o grande público. Por que, então, expô-la?

 

Invasão de privacidade 2

Dominique Strauss-Kahn é alto funcionário internacional, importante dirigente de um grande partido político francês, era apontado como candidato a presidente da República. Foi preso sob a acusação de um crime infamante. OK: até aí está tudo justificado. Mas colocá-lo diante das câmeras para ser filmado, fotografado, gravado com algemas é excessivo – especialmente porque, até o momento em que isso ocorreu, havia apenas a acusação, sem qualquer prova exceto o testemunho da moça que se apresenta como vitima. Imaginemos, só para argumentar, que tenha havido algum tipo de armação ou de sexo consensual (parece, a propósito, que esta será a principal argumentação da defesa, caso não haja evidências físicas da tentativa de estupro): para ele, o mal já estará feito. Para DSK, uma eventual pena de prisão é apenas um sofrimento complementar. O castigo ele já sofreu, ver sua carreira política destruída. E sofreu o castigo antes de ser julgado, antes de ser condenado.

 

Invasão de privacidade 3

São dois casos interessantes. No de Dominique Strauss-Kahn, quem o expôs foi a polícia, e a imprensa não teve alternativa exceto acompanhar o caso. Se alguém decidisse não gravar as imagens à disposição por motivos éticos certamente perderia o emprego. Mas, no da camareira, a responsabilidade é exclusiva da imprensa, que gastou tempo, dinheiro e talento na busca de uma informação que nada acrescenta ao caso e serve apenas para prejudicar a moça.

A informação até poderia ser apurada: caso se comprovasse que não houve ataque sexual, a moça seria exposta. Mas, aparentemente, houve a intenção deliberada de prejudicá-la, fosse ou não vítima. Nacionalismo? Se foi, a má-fé é delinquencial: DSK não foi preso por ser francês, por ser judeu, por ser dirigente do Fundo Monetário Internacional, mas por ser acusado de estupro.

 

O crime virtual

O jornalista australiano Ben Grubb, investigando uma falha de segurança no Facebook, usou uma foto privada na reportagem – e, por isso, acabou sendo preso. Foi libertado em seguida, mas está sendo processado. A polícia acha que cometeu exatamente o mesmo crime que procurava denunciar; ele acha que não cometeu crime algum, apenas mostrou como era fácil burlar a segurança do portal.

A discussão é longa: quando um repórter, profissionalmente, suborna um funcionário público, sem visar benefício próprio, com o único objetivo de mostrar que ele aceita suborno, está cometendo algum crime? Um repórter que se infiltre num grupo de traficantes estará sujeito a prisão e processo se for preso junto com os bandidos? E se, na verdade, ele fizer parte do grupo, e usar sua condição de repórter apenas como blindagem?

Essa questão é debatida há muito tempo. Mas agora, com a rápida difusão da internet, o debate precisa ser intensificado. Como no caso dos advogados, é preciso criar privilégios profissionais para jornalistas em atividade e estabelecer limites para seu uso. Repórter não é criminoso, embora relate as atividades de criminosos; mas também pode ultrapassar os limites e colaborar com aqueles cujas atividades deveria apenas relatar. Até onde se pode e se deve ir?

 

O valor de uma vida

Cláudia Rolli, destacada repórter da Folha de S.Paulo, está empenhada no maior desafio que já enfrentou até hoje: salvar a vida do pai, vítima de uma doença rara, que só pode ser tratada nos Estados Unidos e que exigirá gastos de algo como US$ 1 milhão. Na busca de recursos para tratar o pai, Cláudia Rolli está rifando uma casa de praia (R$ 250,00 o bilhete com quatro números) e leiloando uma camisa do Corinthians, com a assinatura de todos os jogadores do atual elenco. O maior lance pela camisa, até a tarde de sexta-feira, era de R$ 1.400,00.

Os lances (e os pedidos de bilhetes da rifa) devem ser encaminhados ao e-mail do blog acaopelavida.noe@gmail.comou ao Facebook, na página de Cláudia Rolli, ou em http://www.facebook.com/l/39956/www.acaopelavidanoe.blogspot.com, na área de comentários.

O sorteio da rifa e o resultado do leilão saem em 29 de junho.

 

Desculpe nossa falha

Jean Wyllys, ex-BBB que se elegeu deputado e tem feito bom trabalho como porta-voz dos homossexuais, disse no Congresso: “Identifico outros homossexuais aqui. Mas não quero denunciá-los nem tirá-los do armário”.

Os meios de comunicação divulgaram a frase sem comentários. Mas pelo menos um comentário tem de ser feito: dizer que alguém é homossexual é “denunciá-lo”? Será um crime ser homossexual? O pior é ver que esta frase é de autoria de um homossexual, que se dedica à área da não-discriminação.

 

Como…

De um grande jornal, comentando o relacionamento entre Arnold Schwarzenegger e Mildred Baena, a empregada da casa com quem teve um filho:

**“Supostamente teve um filho fora do casamento”

Em seguida, no mesmo texto:

**“Schwarzenegger (…) admitiu que teve um filho fora de seu casamento (…) A mãe do filho ilegítimo do ator (…)”

Afinal, o filho existe ou “supostamente” existe? E, cá entre nós, “filho ilegítimo” – eta, expressão mais preconceituosa! Por que qualificar o filho se ele não fez nada, é apenas a consequência do relacionamento dos pais?

 

…é…

A manifestação em favor da estação de metrô na Avenida Angélica, no bairro de Higienópolis, São Paulo, teve 600 pessoas em seu melhor momento, segundo um jornal. O mesmo jornal, na mesma notícia, fala em “multidão”. Numa cidade com mais de dez milhões de habitantes, 600 pessoas, a menos que estejam em fila na porta do banheiro, serão uma multidão?

 

…mesmo?

Um grande jornal, comentando um antigo relacionamento do diretor do FMI, Dominique Strauss-Kahn, com uma subordinada, a economista Piroska Nagy, diz que ela é ucraniana. O relacionamento aconteceu, foi um escândalo, já que a moça era casada (e ainda por cima perdeu o emprego), só que não é ucraniana: é húngara. Um leitor desta coluna já enviou várias cartas ao jornal, sem êxito: ela continua sendo chamada de ucraniana (aliás, a Ucrânia, como país, tem uns vinte anos. A economista, se tivesse nascido lá, teria passaporte soviético).

 

Mundo, mundo

Neste rolo todo o ministro Palocci, os meios de comunicação apuraram que a maior consultoria do país tem mais de uma centena de empregados e fatura R$ 20 milhões por ano. Isso dá pouco menos de R$ 1,7 milhão por mês. Tirando daí aluguéis, despesas, impostos, encargos sociais, os cento e tantos empregados devem estar ganhando uma miséria!

 

E eu com isso?

E chega de corrupção, de estupros, de violência. Vamos a uma notícia curiosa:

**“Bumbum de Pippa Middleton é o mais pedido entre as britânicas”

A informação é de cirurgiões plásticos. Mas que fazer com as mulheres-churrasco, como as denominou Preta Gil, aquelas que têm carne para todos?

**“Mirella Santos e Valesca Popozuda gravam em limusine rosa”

Aliás, imagine a Valesca Popozuda pedindo o shape Middleton!

**“Carmo Dalla Vecchia usa cueca do Star Wars para surpreender”

**“Famosos tiram o dia para fazer compras”

**“‘Tiririca é o meu ídolo’, diz Geisy Arruda”

**“Elano nega ter traído Stelmann após jogo do Santos”

E, se tivesse traído, tirando ele e ela quem é que teria algo com isso?

**“Nick Jonas e Delta Goodrem saem do cinema de mãos dadas”

**“Filho ilegítimo de Schwarzenegger nasceu dias após legítimo”

**“Dentinho pode ficar sem Dani Souza na Ucrânia”

Esclarecendo: Dani Souza é a Mulher Samambaia, namorada do centroavante que acaba de se transferir para a Ucrânia. Samambaia é planta de clima quente.

**“Boninho é clicado feliz da vida com seu carrão”

 

O grande título

É uma boa safra, com capricho na área do non-sense. Por exemplo:

**“Mulher descobre que morreu de câncer e deda marido”

Não é que ela tenha morrido: aliás, é vivíssima. E descobriu que o marido, para obter uma série de vantagens no emprego, tinha espalhado primeiro que ela estava gravemente doente e depois que tinha morrido.

Há também:

**“Cientista revela possível extinção da morte em 30 anos”

Também não é exatamente isso: um cientista disse que é possível que, daqui a trinta anos, as pessoas vivam normalmente até 120 ou 130 anos, e não sofram os atuais problemas trazidos pela velhice.

Mas, fora dessa área, há um título espetacular:

**“Príncipe Charles, fascinado por queijos e enterros tradicionais romenos”

Deve fazer sentido para alguém.

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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados