Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Os jornalistas de gabinete

Todos os meios de comunicação condenam severamente os responsáveis pela construção do metrô paulistano por ignorar sinais de que as coisas não iam bem, muito antes de se formar a grande cratera. A imprensa tem toda a razão – mas por onde andavam os repórteres, que também não captaram os sinais de perigo? Nas ruas, tentando levar a cidade para os noticiários, é que não era.

De acordo com as notícias divulgadas pela imprensa em geral, houve problemas em muitas edificações em todo o trajeto da linha 4 do metrô – a Linha Amarela. Também de acordo com o noticiário, surgiram trincas nos imóveis próximos ao túnel que desabou, houve reclamações, mas nada foi levado em conta até que sete pessoas morreram e toda a região em volta foi engolida pelo buraco. Como se explica que, com tantos sinais, tantos indícios, tantas reclamações, a imprensa não tenha ido atrás dos fatos?

A explicação é triste: por uma série de fatores, o normal é que hoje o repórter só vá às ruas com uma pauta para fazer – isso quando vai às ruas, em vez de se contentar com telefone e internet. Circular à toa, em busca de informações, nem pensar. Cultivar fontes, que passem em primeira mão informações exclusivas, é coisa trabalhosa, cansativa. E, como dizia a velha anedota, às vezes o repórter volta à redação sem executar a pauta porque houve um tremendo incêndio no caminho, com dezenas de vítimas, e não foi possível chegar ao local da matéria.

Um excelente repórter, Ricardo Kotscho, daqueles que preferem descobrir suas matérias a simplesmente executar pautas pré-fabricadas, pergunta: ‘Quantas outras armadilhas estarão espalhadas pela cidade nesse momento, e nós não estamos sabendo porque a nossa imprensa foi cada vez mais se afastando da realidade do nosso dia-a-dia?’

John Kenneth Galbraith, um dos mais brilhantes assessores do presidente Kennedy, abre um esplêndido livro, O Triunfo (editado no Brasil pela Nova Fronteira, em tradução de Carlos Lacerda), com uma descrição do trabalho da imprensa. Um país subdesenvolvido vive uma imensa crise, e nenhum meio de informação se preocupa com ela. Quando finalmente há um golpe, a imprensa despacha seus grandes nomes, que chegam ao local alguns dias depois e descrevem o que aconteceu – errado.

O caso do metrô paulistano mostra como a imprensa se tornou prisioneira da pauta e, salvo algumas exceções, abandonou a busca por notícias quentes e exclusivas. Na inauguração de Brasília, o jornalista Júlio de Mesquita Filho, o notável condutor de O Estado de S.Paulo, criticava o arquiteto Oscar Niemeyer por seu hábito de projetar prédios subterrâneos. E dizia que o Congresso, sob o tórrido sol do Planalto, não funcionaria se faltasse luz.

Nossa imprensa sofre do mesmo problema. Tem gente preparada, pós-graduada, com cursos no exterior, falando múltiplas línguas e entendendo tudo de semiologia cognitiva avançada, mas deixa de funcionar quando pifa a banda larga.



Os culpados da cratera

O engenheiro Isu Fang, comentando o acidente do metrô paulistano e sua repercussão na imprensa, lembra um fato ocorrido há 30 anos, quando o secretário da Saúde de São Paulo era o professor Walter Leser – lembrado sempre como um dos grandes ocupantes do cargo.

Houve muitos casos de encefalite em São Paulo e passou-se, como de costume, a discutir o desimportante: se enfrentávamos um ‘surto’ ou uma ‘epidemia’. Numa entrevista coletiva, um repórter perguntou a Leser a diferença entre surto e epidemia. Leser esclareceu: ‘Epidemia é um surto de que a imprensa tomou conhecimento’.

Fang acredita que um dos problemas que enfrentamos – imprensa, peritos, população – é lidar com fenômenos que não têm nem terão respostas claras. ‘Independentemente das culpas e negligências (que certamente houve), numa obra desta complexidade e porte são escolhidas alternativas técnicas, plenamente justificáveis no momento, que poderão se revelar erradas no futuro. E aí a tendência das pessoas é apontar na segunda-feira a tática que deveria ter sido usada para ganhar o jogo no domingo’. Pior: esses fenômenos, diz, são freqüentes. Basta pesquisar em todo o mundo os acidentes que ocorrem nas grandes obras.



A vida…

Lembra daquele guindaste que ameaçou cair, quando se abriu a cratera do metrô paulistano? Pois é: segundo o noticiário daqueles dias, o guindaste pesava 50 toneladas. Agora, quando o guindaste foi retirado, já pesava 120 toneladas. Está pior do que este colunista: bobeou, engorda rapidamente.



…como ela é

Em cinco dias, noticiam nossos meios de comunicação, repetindo informações das empreiteiras, foram retirados três mil caminhões de terra da cratera. Dá mais de um caminhão a cada três minutos, ininterruptamente, dia e noite, com sol ou chuva. Só que não era isso, não. Não havia tanto tráfego assim. E temos de levar em conta a multiplicação dos caminhões: quando tudo começou, eram 150. Onde será que arrumaram o resto?



Jogo pesado

Parece que em política vale tudo, menos jogar limpo. Um intelectual respeitado, famoso, que vem sistematicamente batendo no governo federal, contou outro dia uma história fantástica. Trata-se de uma conversa que teve há cinco anos, conforme disse, com um rapaz da Baixada Fluminense. O rapaz não o conhecia, mas deve ter gostado muito dele. Ficou íntimo. Contou-lhe tranqüilamente que tinha um tio delegado que mandava matar bandidos, deu-lhe detalhes das milícias que, na época, iniciavam a ocupação dos morros cariocas etc., etc.

Pergunta nº 1: por que guardar tanto tempo essa entrevista tão interessante? Como é que alguém que tem espaço nos meios de comunicação segura essas informações exclusivas e cheias de impacto?

A folhas tantas, o ilustrado jovem diz ao intelectual que é possível resolver o problema do narcotráfico dentro da lei. Se foi feito em Nova York e Medellín, comenta, por que não no Rio?

Pergunta nº 2 : se a entrevista foi feita há cinco anos, nesta época Medellín não tinha resolvido problema algum, nem dentro nem fora da lei. Até já tinha começado a enfrentar a Máfia da Cocaína (o capo Pablo Escobar tinha sido morto, seus sucessores eram perseguidos), mas a pacificação da cidade é bem mais recente – o presidente da República proclamou vitória há um ano, aproximadamente. Como um rapaz da Baixada Fluminense, por mais inteligente que fosse, saberia de um fato que ainda não havia acontecido?



A marca do luxo

Deu no jornal, logo após o presidente venezuelano Hugo Chávez anunciar que gostaria de cobrar mais pela gasolina de quem tivesse um carro de luxo, como um BMW: ‘Carrões em perigo. Em Caracas vendedor inspeciona um BMW de luxo citado por Chávez em discurso’.

Na foto, um cavalheiro agachado inspeciona uma fila de automóveis – todos Mercedes-Benz. E, cá entre nós, não é difícil identificar aquela estrelinha de três pontas, não é mesmo? O pessoal até costuma escrever Mercedez em vez de Mercedes, mas até agora não havia trocado a marca.



O fato e a versão

Um jornal importante informou que o promotor Igor Ferreira da Silva – que assassinou a esposa grávida, foi condenado a 16 anos de prisão e está foragido há mais de cinco anos – continuou tendo seus salários depositados por muitos e muitos anos. A promotora que acusou o assassino protestou, dizendo que o pagamento foi suspenso no dia seguinte ao do julgamento, quando se tornou claro que o condenado havia fugido. O repórter insiste: diz que houve o pagamento, sim.

Só que esta não é uma questão de afirmar ou negar. Não se trata de opinião, mas de um fato. Se o repórter sabe que o promotor foragido continuou recebendo seu salário por muito tempo (a propósito, esta é a informação de que este colunista também dispunha), não basta reafirmá-la: é preciso apresentar as provas. Da mesma forma, a promotora deve ter em mãos os documentos do que afirma, para liquidar o assunto de uma vez por todas.

Este colunista espera que, no intervalo entre a redação e a publicação deste ‘Circo da Notícia’, a questão já esteja resolvida e se saiba quem estava enganado.



Como é mesmo?

Texto de moda lembra muito os de rock e os de informática: normalmente, só são entendidos por quem já sabe do que se trata (e, portanto, não precisa ler a notícia). É sempre assim – mas, da mesma forma, sempre há algum que se destaca. Veja só que delícia:

‘Fiel ao seu estilo, a marca aposta numa imagem de modernidade que já foi considerada ousada pelos mais conservadores, e até um pouco estranha, mas hoje parece um pouco antiga em relação ao que é ser contemporâneo na maneira de se vestir.’

Madame Natasha, professora de piano e português, ótima personagem criada por Elio Gaspari, diria que o que se quis dizer é que as roupas já foram modernas, mas hoje em dia são mais antiquadas do que usar máquina de escrever.

E este, então? Não reclame: está mantido o texto original.

‘A vítima mortal foi atingido a tiro no abdómen e faleceu já no hospital da Guarda, onde se encontra internada, mas livre de perigo’.

Claro: depois de falecer, que perigo poderá ameaçar a vítima mortal?



Os grandes títulos

A moda, acredita este colunista, começou com as novelas: cria-se uma estrutura básica mas o desenrolar e o desfecho dependem da opinião do telespectador, aferida em inúmeras pesquisas. É aquilo que se chama de ‘obra aberta’.

Em novelas a coisa é antiga. Em títulos, é nova – mas como se espalhou!

1. ‘Felipe Calderón, Lula, Blair e Merkel na lista de personalidades presentes em’

2. ‘Grandes nomes do jornalismo americano lançam site e jornal especializado em’

Há títulos notáveis pela criatividade:

3. ‘Raica vai se jogar no pancadão’

4. ‘Gisele Bündchen se joga na festa da Colcci’

E aqueles que fazem questão de deixar tudo muito bem explicadinho:

5.Oscar anuncia lista de indicados; confira os indicados’

6. ‘Prazos de inscrição no Petrobras Cultural começam a terminar nesta semana’

A propósito, quando é que os prazos terminarão de terminar?

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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados