Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Os poderosos ridículos

Um leitor desta coluna está rindo até agora: no dia da chegada do presidente americano, passou duas vezes num viaduto sobre a Avenida 23 de Maio, por onde passaram as limusines blindadas de sua comitiva. Lá, viu meia dúzia de soldados magrinhos, assustados, com aquele uniforme de camuflagem de selva e fuzis maiores do que eles. Ao lado, um imenso blindado cheio de canhões.

O leitor riu, mas ficou assustado: se houvesse qualquer problema, iriam disparar aquelas armas pesadas numa área densamente habitada de São Paulo?

Foi ridículo. Foi mais ridículo ainda ver a passividade com que os meios de comunicação aceitaram as exigências da segurança de Bush – que, por mais justificáveis que fossem, em termos de segurança, eram claramente inaceitáveis por prejudicar a população da cidade. Bush que nos desculpe, mas se é para bloquear São Paulo, é melhor que não venha de novo. Ele que use helicóptero!

Quanto a trazer dos Estados Unidos da gasolina para os automóveis até a água mineral, é procedimento-padrão – é assim em visitas ao Burundi e à Inglaterra. As normas estão lá e são seguidas – e nós, brasileiros, até que não podemos reclamar muito. A seleção brasileira de futebol já levou Leite Moça para a Suíça, na Copa de 1954; levou feijão ao México, nas Copas de 1970 e 1986; levou carne de porco e batatas à Alemanha, exatamente o país em que carne de porco e batatas são a base da alimentação. Por que Bush não poderia trazer seu azeite, em vez de confiar naquela mistura de soja, algodão e óleo de carro que apareceu na TV?



Bons tempos

O colunista Ari Cunha, já na ativa nos primeiros anos de Brasília, assistiu à visita do presidente Eisenhower. E colocou no Correio Braziliense, na sexta-feira (9/3), uma deliciosa lembrança dos tempos em que violência era coisa de outros países:

‘O primeiro presidente americano a visitar Brasília foi Eisenhower. Era questão de prestígio para Juscelino Kubitschek. Ike chegou ao Rio e veio visitar Brasília. Logo cedo foi ao marco zero da cidade. Ficou na Rodoviária, de frente para o povão lá embaixo. Juscelino falou alegre, feliz. À tarde, Eisenhower foi inaugurar o marco de sua visita. Deveria ser em frente à embaixada, mas o mato era grosso. Foi instalado na Avenida das Nações. Quando Eisenhower chegou com Juscelino, lá estavam os homens da segurança americana. Eram seis, não mais. Os candangos que ouviram o presidente americano falar não entendiam nada, mas queriam encostar a mão no ‘homem amigo de JK’. Foi preocupação geral. A segurança cercou o presidente, mas não conseguiu que muitos candangos encostassem a mão no paletó. Assim foi inaugurado o marco da visita. Dr. Assis Chateaubriand veio no avião com dona Sarah e estava presente. Os fotógrafos ficaram num caminhão sem poder descer. Um marine forte dificultava a foto. Jader Neves gritou: ‘Doutor Assis, tire o marine daí!’ Chatô pediu e foi obedecido. Todos bateram fotos à vontade. Essa é pequena lembrança daqueles tempos de antes da inauguração da cidade’.



Saudades de Médici

O relatório do Departamento de Estado americano sobre a situação dos direitos humanos no Brasil é absolutamente preciso: fala de abusos policiais, de más condições nas prisões, de Justiça lenta e falha – de tudo aquilo, enfim, que a gente sabe. O curioso é a reação de alguns meios de comunicação, que se indignaram com a intromissão estrangeira em assuntos internos brasileiros – a mesma indignação dos tempos da ditadura, quando os militares usavam a soberania para encobrir a contínua, sistemática violação das leis e dos direitos humanos.



O roto e o esfarrapado

Os Estados Unidos têm moral para falar do Brasil? A rigor, não: houve sérios abusos das tropas de ocupação no Iraque, e Guantánamo, onde ficam presos os suspeitos de terrorismo, não está submetida à supervisão da Justiça. E daí? Quando os ingleses proibiram o tráfico de escravos, mantinham colônias em que os nativos eram cidadãos de segunda classe. Nem por isso a proibição do tráfico negreiro, com a decisiva participação da Marinha britânica, deixou de ser boa.

Os jornalistas brasileiros podem, devem, precisam denunciar violações de direitos humanos nos Estados Unidos, na Rússia, na Inglaterra, em Cuba, na Suécia, onde quer que ocorram. Mas não podem se ofender com as acusações ao Brasil – especialmente, como agora, em que não podem contestar sua veracidade.



Química e português

Engraçado: aquele produto que sempre conhecemos como ‘álcool’ passa de repente a ser chamado pela imprensa de ‘etanol’, seu nome científico, e há gente que aplaude! Na química, há vários tipos de álcool: o etílico, ou etanol, o metílico, ou metanol, o butílico etc. Na língua de uso diário, álcool é álcool: os outros tipos é que são identificados (aliás, na química também: o etanol é muitas vezes chamado de ‘álcool comum’).

E, por favor, não se confunda linguagem técnica com a língua nossa de cada dia. Ou teremos de dizer que o etanol é derivado da fermentação da sacarose, no Brasil oriunda primordialmente da Saccharum officinarum. E gritaremos ao desavisado que está pisando nas folhas secas da Saccharum officinarum para ter cuidado com a Bothrops alternatus.Este colunista garante que, se gritarem ‘cuidado com o urutu!’, o desavisado vai fugir muito mais rápido.



Quase

Por falar em nomes, uma importante rádio paulistana trocou o nome de um dos mais importantes monumentos de São Paulo. Não quis se referir a ele por seu nome popular, ‘Deixa que eu empurro’. Preferiu o nome real, ‘Monumento às Bandeiras’. Só que errou: o ‘Deixa que eu empurro’ virou ‘Monumento às Monções’.



Dúvida pertinente

No noticiário sobre a ordem de prisão de Paulo Maluf em Nova York ficou uma dúvida que este colunista não conseguiu esclarecer, embora tenha procurado a resposta em vários jornais e noticiários de internet: por que não há tratado de extradição entre Estados Unidos e Brasil?



E eu com isso?

Este colunista já mandou muita reportagem por avião. Escolhia um passageiro simpático e prestativo, a quem entregava o envelope com a reportagem datilografada e as fotos já reveladas e ampliadas, ou o filme; e, por telefone ou telex, passava-se para a Redação o número do vôo, nome e descrição do passageiro. Algum boy esperto ficava no aeroporto e, enfim, a reportagem ia para a Redação e as oficinas.

O progresso foi imenso. Hoje, num simples toque de tecla, de São Paulo para o mundo, ficamos sabendo que o jornalista e apresentador Chico Pinheiro levou os filhos para assistir a Peter Pan. Ou que, na opinião de um rabino americano, Britney Spears deveria se expor menos e cuidar mais do filho (a propósito, considerando-se que a cantora é protestante, por que um rabino foi dar palpite na sua vida?).

Salma Hayek, a bela atriz de cinema, está grávida e vai casar com um milionário francês. Com todo o respeito, e eu com isso?



O grande título

O presidente Lula cunhou uma frase deliciosa, algo como ‘sexo é bom e quase todo mundo gosta’. Está certo, presidente: ‘quase’. Um poderoso homem de imprensa não gosta, não. Já passou dos cinqüenta e jura que é virgem.

Mas, fofocas à parte, um título excelente saiu na imprensa escrita:

** ‘Sexos em rota de colisão’

Só que, do jeito que estava a matéria, parecia que uma catástrofe se aproximava. Este colunista, ao contrário, acha que o título é excelente e otimista: assim é que é bom!

O melhor título da semana, porém, saiu num grande jornal, importantíssimo:

** ‘Bode assado e proposta de união por serem todos ‘cartas fora do baralho’’

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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados