Comecemos com uma declaração de princípios: nenhum político que esteja ao lado de todos os governos, por mais inimigos que sejam uns dos outros, merece consideração. É o caso de Renan Calheiros: era comunista linha chinesa, articulou a candidatura de Fernando Collor de Mello à Presidência, apoiou Itamar Franco, foi ministro de Fernando Henrique Cardoso, é aliado de Lula desde criancinha. Não há como respeitá-lo. Não há como respeitá-lo como político, mas é essencial respeitá-lo como ser humano.
O jornalista, como cidadão, tem o mesmo direito de todos os cidadãos de pensar como quiser. Mas, enquanto jornalista, é delegado dos consumidores de notícias. Espera-se que narre os fatos com toda a honestidade e a máxima objetividade possível. O consumidor de notícias, que em última análise é quem paga nosso salário, quer ser informado ampla e corretamente. E está no seu direito.
Jornalista, enquanto jornalista, não pode vaiar um político, por mais que o despreze, por menos que o aprecie. E não somente por motivos éticos: ao agir como torcedor, o jornalista se deprecia. Uma reportagem bem-feita derruba um governo, contribui para a mudança de um regime político. Uma vaia não muda nada. Quando jornalista age como moleque, sua influência é a de um moleque.
O caso Renan mostrou isto com toda a clareza. Renan tem muitos defeitos (alguns dos quais, com certeza, compartilhados por bom número de seus pares). Se a história das rádios for verdadeira, merece ter o mandato cassado – talvez não por quebra de decoro, mas por violação deliberada das leis do setor. Mas que seja cassado pela lei, não pela imprensa. Jornalista não pode acumular as funções de investigador, promotor, juiz e carrasco. É muita coisa para uma pessoa só.
Quanto alguns colegas tentaram acumular essas funções, tivemos casos como os de Alceni Guerra, de Ibsen Pinheiro, da Escola Base. Não deu para aprender?
De jornal a militante
Em 1964, ‘Basta!’ e ‘Fora!’, dois editoriais de primeira página do Correio da Manhã, do Rio, contribuíram poderosamente para a queda do presidente João Goulart. Alguns anos depois, pressionado pelo governo militar, o Correio fechou. Em análise para este Observatório, Alberto Dines mostrou que o Correio não caiu apenas por ter sido economicamente sufocado pela ditadura. ‘Foi vitimado pela sua compulsão em ser protagonista. Não se contentou em noticiar, ser referência; queria ser um dos atores da cena política, de preferência o principal’ (ver ‘O caso do Correio e ocaso de um modelo‘).
Respeito é bom 1
Há meios de comunicação que se referem ao ex-ministro José Dirceu como ‘chefe de quadrilha’. Ele, efetivamente, foi acusado de ser o chefe de uma quadrilha. Mas não houve ainda qualquer julgamento. Até que Dirceu seja julgado, não pode ser tratado como criminoso. Pode ser tratado como adversário político, podem fazer-lhe restrições, mas criminoso só será se a Justiça assim o decidir.
É difícil trabalhar assim, caro colega; é complicado lidar com essas coisas em linguagem jornalística. O tempo da Justiça é diferente do tempo do jornalismo. Mas em casos que envolvem liberdades individuais e direitos humanos é melhor esperar a Justiça.
Ombudsman em ação 1
Vale a pena acompanhar a coluna diária do excelente Mário Magalhães, ombudsman da Folha de S.Paulo. Neste momento, ele está em campanha para que o jornal desafogue o Painel do Leitor, a seção de cartas, tirando de lá as respostas de pessoas atingidas por reportagens, ou de seus assessores.
Mário Magalhães tem toda a razão:
1.
O Painel do Leitor está sobrecarregado de respostas a reportagens e sobra mesmo pouco espaço para o leitor;2.
É mais correto, em termos jornalísticos, publicar as cartas de personagens e seus assessores na própria editoria que publicou a matéria. Com isso, aumenta-se a probabilidade de dar a quem leu a acusação a oportunidade de tomar conhecimento também da defesa.3.
Mais correto ainda seria nem precisar publicar tantas respostas. Se a reportagem (e isso vale para todos os meios de comunicação) abrir espaço de verdade para ‘O Outro Lado’, informando os personagens das acusações que lhe fazem em tempo de permitir-lhes alinhavar seus documentos e argumentos, e garantindo-lhes espaço compatível com as acusações, boa parte das cartas de reclamação simplesmente desaparecerá.Ombudsman em ação 2
Muitas vezes, um veículo de comunicação acusa alguém de ter atropelado uma pessoa com sua moto. O personagem informa que não tem moto, não sabe andar de moto, e naquela data, como se depreende de seu passaporte e dos canhotos devidamente autenticados das passagens, estava na Finlândia oriental.
A matéria é publicada do mesmo jeito. E a resposta é resumida a algo como ‘Fulano nega as acusações’.
Desse jeito, tem de mandar carta, mesmo.
Globo x personagens
Um caso interessantíssimo acaba de ser julgado no Tribunal de Justiça do Rio (haverá recurso): uma rede nacional de TV foi condenada a pagar 80 mil reais de indenização a oito pessoas, 10 mil para cada uma, por tê-las apresentado como se estivessem envolvidas na Máfia do Detran. De acordo com a desembargadora Cristina Teresa Gaulia, que relatou o processo, os oito figuravam efetivamente numa lista de pessoas suspeitas, mas em determinada fase do processo. A emissora não poderia tê-los condenado antes da Justiça.
É uma discussão que devemos ter entre nós, jornalistas: como evitar a responsabilização de pessoas que, embora se vejam envolvidas no caso, talvez não sejam culpadas. É melhor travar essa discussão enquanto é tempo: em outros países, é proibido divulgar qualquer informação sobre um processo antes que haja a sentença final. Na Suíça, salvo engano, não se noticia sequer que uma pessoa está sendo processada criminalmente, até que haja a condenação.
Respeito é bom 2
Está num grande jornal:
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‘INSS sustenta 491 mil velhos de mais de 90 anos’.Chamá-los de ‘pessoas’ mudaria o sentido do título? Chamá-los de ‘pessoas’ seria pedir demais?
Do jeito que está, até parece um protesto: onde já se viu gastar dinheiro público com gente que já está com o pé na cova?
E eu com isso?
Tem gente preocupada com a absolvição do Renan, tem gente preocupada com a prorrogação da vigência da CPMF, tem gente preocupada com a visita do presidente Lula às monarquias do Norte europeu. E quem é que se preocupa com as grandes notícias, aquelas que deixam este colunista acordado, roendo as unhas, louco para descobrir o que se esconde no maravilhoso mundo da fama?
Pois veja:
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‘Angelina Jolie: dois dias seguidos com a mesma roupa’E, naturalmente, há Paris Hilton – a moça que provou que não é preciso fazer rigorosamente nada para estar permanentemente nas manchetes.
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‘Paris Hilton carrega o travesseiro em viagem a Toronto’**
‘Paris Hilton revela gravidez secreta de Christina Aguilera’Gravidez secreta! Quanto mais se vive, mais se aprende.
O grande título
Enquanto os grandes portais de internet não conseguirem calibrar os títulos e textos, para que caibam na tela, teremos coisas maravilhosas no ar. Como, por exemplo, o melhor título desta semana:
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‘Líder do PT admite dificuldade para aprovar cpmf no senado e promete acenar com deso’Vamos lá, gente. Vamos tentar adivinhar o final desta frase!
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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados