Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Ouvir bobagens, transcrever bobagens

O espaço e o tempo gastos numa notícia boba como a dos empréstimos da Petrobras no Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal são impressionantes: demonstram com clareza que os veículos de comunicação, longe de analisar criticamente o noticiário, limitam-se a transcrever declarações de um lado e de outro, sem procurar hierarquizar as informações, sem nem sequer tentar organizá-las.

Passo a passo: uma empresa não costuma acumular dinheiro no cofre, ou debaixo do colchão, ou no banco. Dinheiro assim não rende nada: apenas sofre o desgaste da inflação. A empresa monta um programa de aplicação de recursos (procurando obter bom rendimento), casado com um programa de pagamentos. Assim, quando tiver uma conta para pagar, tem uma aplicação vencendo. Muitas vezes, por diversos motivos, há descasamento entre aplicações e recebimentos; e a empresa levanta um empréstimo onde conseguir melhores condições.

Foi, visivelmente, o que aconteceu na Petrobras – que, a propósito, apresentou bons lucros no balanço. A oposição tomou conta do tema e o utilizou para críticas ao governo. É coisa irresponsável (aquilo que o presidente Lula, definindo seu estilo de fazer oposição, chamou de ‘bravatas’), mas pelo menos tem a justificativa de que é coisa de político. Já os meios de comunicação, em vez de explicar como funciona uma empresa, preferiram transcrever declarações de ataques e de defesa, como se publicar os dois lados de uma questão resolvesse o problema de mostrar aos leitores o que é que realmente aconteceu.

O problema, a propósito, não se limita à informação incompleta: a notícia mal dada pode ter efeitos em bolsa, e causar prejuízos a quem aplicou suas economias em ações de uma empresa com boa reputação e bons lucros.

Se é apenas para transcrever declarações de políticos da oposição e do governo, qual a diferença entre os meios de comunicação jornalísticos e as tevês oficiais?

 

Erro essencial

Na briga do Equador com uma construtora brasileira, na decisão do presidente Rafael Correa de levar a questão do pagamento do empréstimo que recebeu do BNDES à Câmara de Comércio Internacional de Paris pode haver exageros: as ameaças aos funcionários brasileiros da empresa, por exemplo, ou a decisão de impedi-los de deixar o país, forçando a Embaixada do Brasil em Quito a asilá-los. Mas o comportamento, se menos grosseiro e truculento, seria aceitável: o Equador decidiu recorrer aos foros internacionais competentes para contestar uma dívida que julga ilegítima. Se o presidente Rafael Correa quis ou não avisar ao presidente Lula o que é que faria, ninguém tem nada com isso: é uma decisão dele comportar-se ou não com educação e cortesia.

A imprensa brasileira, com raras exceções, ficou ao lado da construtora e do banco oficial ameaçado de calote. Só faltou declarar guerra ao Equador. E não abordou os dois temas mais interessantes da disputa: primeiro, se o empréstimo havia sido concedido aos equatorianos ou à construtora brasileira (as primeiras declarações da ministra Dilma Rousseff indicavam a segunda hipótese). Segundo, como é que o BNDES decide a quem emprestar, e se sofreu ou não pressões políticos para conceder o crédito. É fato conhecido que o Equador vive clima de instabilidade política, até com enfrentamentos militares recentes com seus vizinhos. Se pomos dinheiro nesse caldeirão, que é que esperamos?

 

A loja e o morto

Tudo bem, a gente entende: os grandes anunciantes pagam a conta dos meios de comunicação. Só que isso não pode servir de desculpa para que o caso do cliente, morto por um segurança de uma grande rede de lojas, desapareça do noticiário. Há muito a noticiar: por exemplo, que tipo de apoio a empresa ofereceu à família da vítima; que tipo de assistência a empresa terceirizada de segurança está dando aos parentes do ser humano que seu funcionário matou; que é que pretendem, rede de lojas e empresa de segurança, fazer de agora em diante, para que tragédias desse tipo não mais se repitam.

Este colunista, talvez por falha na leitura dos jornais, não encontrou reportagens sobre o tipo de treinamento a que são submetidos os seguranças; os testes que lhes são aplicados; o comportamento que deles se exige. Se um motorista de caminhão, para ser habilitado, tem de passar por um psicotécnico, imagina-se que uma pessoa armada tenha de passar por avaliações ainda mais detalhadas. Quais são? Ou basta saber atirar para ser contratado, e daí em diante treinar tiro ao alvo? E a rede de lojas, continua satisfeita com sua empresa de segurança? Pretende fazer mudanças nos contratos que mantém? Que tipo de mudanças?

 

Aí vem a patrulha

O chatíssimo patrulhamento dos meios de comunicação, com objetivos puramente partidários, tinha de dar nisso: até jornalistas experientes, que sabem perfeitamente como funciona uma redação, caíram na armadilha do fulanismo, e tentam responsabilizar um colega – que, por mais importante que seja na estrutura de uma empresa, é um empregado – por diretrizes jornalísticas que não apreciam. A bola da vez é Ali Kamel, diretor-executivo de Jornalismo da Rede Globo. E, segundo os patrulheiros, ele é também o culpado por tudo aquilo de que não gostam nas Organizações Globo, do jornal à revista Época, da rede de TV aberta ao rádio, do noticiário on-line aos canais Globosat.

Este colunista é leitor de Ali Kamel, mas não o conhece pessoalmente. Sabe que pertencia ao círculo mais próximo do grande Evandro Carlos de Andrade, o que diz muito sobre ele; e Ricardo Kotscho fala bem dele, o que também é um excelente sinal. Mas, de qualquer forma, é absurdo acreditar que uma só pessoa, além de dirigir o jornalismo da maior rede de TV do país, consiga tempo para comandar o trabalho de colegas nos mais diversos veículos de comunicação do grupo. Não deixa de ser um elogio a Ali Kamel considerá-lo capaz de tamanho feito. Mas, de qualquer forma, menos: pode-se gostar ou não de Ali Kamel sem precisar criar um personagem onipresente.

 

Erros da juventude

Este colunista passou muito tempo acreditando que os setores jornalísticos mais imunes ao erro eram aqueles em que os profissionais eram apaixonados pela área que cobriam. Se alguém conversasse sobre cavalos com os responsáveis pelo turfe no Estadão, o Hélio Burro e o Hélio Delegado, teria informações absolutamente precisas, à prova de erro. Consultas ao Emílio Camanzi sobre automobilismo esportivo ou ao Luís Carlos Secco sobre automóveis em geral, no Jornal da Tarde, recebiam respostas corretíssimas. O Paquinha – hoje Luiz Fernando da Silva Pinto – era um apaixonado por automobilismo e sabia muito de corridas.

Mas as coisas mudaram. Já houve redator que enforcou Jesus Cristo; já houve jornalista que acreditou numa bomba étnica, capaz de distinguir sozinha os palestinos dos israelenses e, ao explodir, matar apenas os palestinos. Já houve profissionais da área de ciência que cruzaram tomates com bois. Por que não acreditar que pode haver erros incríveis em matérias sobre indústria automobilística?

Este colunista leu outro dia, num grande jornal, que a crise econômica de 1929 liquidou a maior parte das fábricas americanas de automóveis, deixando apenas três: General Motors, Ford e Chrysler. E apontou a década de 1950 como o período em que a GM superou a tradicional liderança da Ford.

Bom, errou por uns 30 anos. A Ford perdeu a liderança para a GM nos anos 20. E, se havia apenas três fábricas nos EUA desde a década de 30, quem fabricava os Nash, os Studebaker, os Hudson, os Packard, os Willys? E a Kaiser, que produziu o primeiro compacto americano, o Henry J (que no Brasil era chamado de Henry Jr.) e o Jeep da Segunda Guerra Mundial? Todos estes carros sobreviveram até pelo menos os anos 50.

E, hoje, nem é preciso ter o Secco do lado para fazer perguntas. Basta ir ao Google – só que é preciso ter a disposição de fazer alguma pesquisa na Internet.

 

Boa notícia

Nos tempos de Alberto Dines, o Departamento de Pesquisa do Jornal do Brasil tinha uma coleção monumental de grandes jornalistas, na maioria muito jovens, liderados por Murilo Felisberto (que, mais tarde, seria a alma do Jornal da Tarde). Um dos craques chamava a atenção por não se preocupar exclusivamente com leads e subleads: gostava de música, gostava de artes, gostava de literatura – e, extremamente simpático e acessível, partilhava seus conhecimentos com quem o procurasse.

Pois é: Luiz Paulo Horta, que aos poucos foi se aproximando cada vez mais da música e da literatura, acaba de tomar posse na cadeira 23 da Academia Brasileira de Letras. O patrono é José de Alencar; o primeiro ocupante, Machado de Assis. E certamente Luiz Paulo Horta não faria feio perto de nenhum dos dois.

 

A história, por favor

Um dia, a bomba: o Inca, Instituto Nacional do Câncer, divulgou nota desaconselhando o exame preventivo de câncer de próstata, aquele que inclui o toque retal. A recomendação foi recebida com grande estranheza: é consenso em todo o mundo, é consenso no Brasil, que o toque retal e a dosagem de PSA devem ser feitos periodicamente para que o câncer na próstata seja diagnosticado o mais rápido possível, dando ao tratamento maior chance de êxito.

Poucos dias depois, pressionado pela revolta dos médicos que entendem do assunto, o Inca divulga outra nota, aconselhando o toque retal e a dosagem do PSA e informando que a nota anterior não expressava o pensamento do Instituto.

Que é que terá acontecido entre uma nota e outra? Este colunista não viu a história em nenhum veículo de comunicação. Terá sido uma iniciativa isolada? No caso, de quem? Como evitar que iniciativas isoladas prejudiquem todo um programa de saúde? Ou, se não foi uma iniciativa isolada, por que a opinião do Inca terá mudado em poucos dias? Foi só para atender à reação dos médicos? No caso, por que não consultá-los antes de inventar moda?

É uma história que merece ser contada. É uma história que precisa ser contada.

 

Como…

Do portal informativo de um grande jornal:

‘Novos dados sobre meningite será apresentada na próxima sexta-feira’

Lembrando os velhos tempos de escola, como identificar o sujeito da frase?

 

…é…

Também de um grande portal informativo:

‘Polícia britânica vai distribuir chinelos a mulheres alcoolizadas’

Chinelos ou chineladas?

 

…mesmo?

De um jornal importante:

‘MG: médicos de pronto-socorro paralisam por 24 horas’

Este colunista entendeu: eles entraram em greve. Mas, voltando à análise da frase, não é isso que o jornal disse, não.

 

E eu com isso?

A Microsoft já está preparando o substituto do Windows Vista, que se chamará Windows 7. São algumas centenas de milhões de dólares – mais outras centenas de milhões na adaptação dos programas hoje existentes, nas novas licenças, nos novos processadores especialmente preparados para a nova tecnologia. E, ao que tudo indica, o novo Windows já sairá pronto para as telas sensíveis ao toque, iguais àquelas da Globo.

Então, gastos alguns bilhões de dólares, poderemos receber com muito mais estabilidade os sinais da Internet. Nada nos roubará notícias como estas:

1. Cindy Crawford caminha para manter a forma

2. Carolina Dieckmann exibe biquíni de oncinha durante gravação

3. Atriz vira pin-up nua em ensaio fotográfico

4. Camila Rodrigues faz as unhas em shopping do Rio

5. Com cinco metros, caveira gigante tem funções de sauna

6. Filha de Zezé Di Camargo diz que nunca beijou na frente do pai

7. Naomi Campbell toma sol de calcinha em Miami

Não, caro colega: ela não estava só de calcinha. Estava de blusa, supercoberta. E a calcinha, sinceramente, deveria ter o nome de calçona: é ainda maior que a parte de baixo dos velhíssimos maiôs duas-peças.

 

O grande título

Há um título que mais parece um teaser: um aperitivo da notícia. Ou a gente lê a notícia inteira ou não tem a menor idéia do que está acontecendo.

‘Garrafa dágua confirma namoro de Madonna, diz site americano’

E um ótimo, de um press-release, especialmente adequado ao atual noticiário:

‘Prêmio da Mega-Sena proporciona férias tranqüilas’

É verdade: nos últimos meses, pelo menos dois ganhadores da Mega-Sena passaram a desfrutar da tranqüilidade eterna.

******

Jornalista, diretor da Brickmann&Associados (carlos@brickmann.com.br)