Aquelas informações que a TV e o rádio lhe dão de graça, que a internet atualiza em tempo real, com som, imagem e movimento, sem custo, chegam atrasadas às bancas no jornal do dia seguinte, mudas, estáticas, e você paga até R$ 3,50 por ele. O mínimo que se espera, ao pagar por informações dormidas e mais caras, é que sejam mais bem trabalhadas, hierarquizadas, analisadas com certa profundidade; que lhe ofereçam a possibilidade de entender melhor o conjunto das notícias caóticas que recebe.
E que é que recebemos? Um dos principais veículos noticiosos impressos do país, na reportagem sobre a Operação Lava Jato, diz que determinado advogado, defensor de um dos réus, não respondeu aos telefonemas que lhe foram feitos. Na página seguinte, o advogado que não respondeu aos telefonemas que lhe foram feitos dá ampla entrevista a uma das repórteres que assinam a matéria da página anterior.
Quando os jornais se preocupavam com seus leitores, e não apenas em economizar o salário dos jornalistas mais experientes e competentes (e, portanto, mais bem pagos), havia um personagem, chamado “editor”, que coordenava os trabalhos. Dava uma linha de trabalho às páginas, publicando em páginas ímpares, no alto, as notícias principais, e distribuindo o material menos importante nas páginas pares, abaixo da dobra. Ele também cuidava de evitar repetições de notícias, de verificar, em caso de informações contraditórias, qual era a correta, esses detalhes de um jornal bem feito. Verificava se o trabalho estava completo, se não faltavam informações, como é que a cobertura poderia ser enriquecida. E, se seu salário não tivesse sido economizado, caberia a ele perguntar como é que o mesmo advogado não foi encontrado numa notícia e falou tudo o que lhe perguntaram em outra, bem na página ao lado.
Cecil B. de Mille, diretor de alguns clássicos do cinema americano que arrebentaram bilheterias, se recusava a economizar nos filmes. Certa vez, pediu um vestido de brocado, e o chefão do estúdio disse que iria usar uma imitação, porque nenhum espectador notaria a diferença. De Mille decidiu a questão: “A atriz vai notar”. Uma atriz, sabendo que usa um vestido precioso, de brocado legítimo, terá o mesmo empenho que teria se o vestido fosse de tecido chinês, com bordado xingling?
Os casos vergonhosos se sucedem – e, na raiz de todos, a economia de tostões, que tenta manter os jornais de pé enquanto os mata por dentro. Um importante jornal impresso, respeitado em todo o país, publica o título “Petrobras vai adotar modelo de parceria do Banco do Brasil na Petrobras”. É um erro que pode ser cometido; e que teria sido apanhado, antes de chegar ao leitor, se houvesse na empresa o número suficiente de bons jornalistas.
Nos tempos em que havia revisores, este colunista trabalhou com alguns pesos-pesados: Ruy Onaga, Luiz Carlos Cardoso, Raul Drewnick, jornalistas de primeiríssimo time. Eles não deixavam passar erros comuníssimos, tipo “oito países” e, em seguida, a lista dos países na qual podia haver seis, sete, nove ou dez nomes, mas oito nunca. Custa caro? Certamente: é caro. Mas um restaurante de primeira linha, que promete servir o caviar dourado do Irã, perde a credibilidade quando serve ovas de tainha a seus clientes pelo mesmo preço. Como se queixar mais tarde, quando o movimento cair?
Foi ou não foi?
Um importante portal noticioso, pertencente a um grande grupo de imprensa, segue o exemplo acima: publicou duas informações sucessivas, com um minuto de diferença.
A primeira:
** “Secretaria da Educação de SP é invadida por manifestantes”
A segunda:
** “Manifestantes tentam invadir Secretaria da Educação de SP”
A segunda está mais correta: os manifestantes, armados com aríetes, como nos filmes sobre cerco de castelos ambientados na Idade Média, quebraram os vidros dos portões do prédio tombado pelo Patrimônio Histórico, mas não conseguiram arrebentar as fechaduras e acabaram sendo expulsos. Mas não houve correção: o portal preferiu fazer de conta que a primeira notícia, que equivocadamente informava que a Secretaria tinha sido invadida, não existiu. Estava lá, mas era para fazer de conta que não estava.
Cadê o editor?
Talvez em alguma lista de demitidos.
Tempo feio
O mais curioso é que, nessa loucura que tomou conta das empresas jornalísticas, que parecem ter substituído o texto e as informações por planilhas de custos, há jornalistas contentes: ficam felizes por ver que colegas de alto nível são demitidos (consideram-nos inimigos de classe), por assistir ao fechamento de vagas de trabalho (prova de que a Grande Mídia Familiar está falindo), pela certeza de que, afastada boa parte do pessoal mais competente, sem número de profissionais suficiente para pesquisar os fatos e investigar as notícias a fundo, a imprensa perde condições de desempenhar seu papel a contento. Lembremos Millôr Fernandes: “Jornalismo é oposição. O resto é armazém de secos e molhados”.
A contaminação ideológica é tamanha que o fechamento de vagas de trabalho é festejado.
Algo semelhante, sem dúvida, à Síndrome de Estocolmo.
Lamento
A leitora Cláudia Cerqueira escreve a esta coluna para comentar a falta de jornais que mereçam sua leitura. “Quando o Jornal do Brasil parou de circular e também a Gazeta Mercantil que eu adorava ler às sextas-feiras, eu me senti como se tivesse perdido alguém do meu círculo de amizades. E agora essa manifestação de gente comemorando a demissão de jornalistas… Que horror! A noção de respeito está muito longe de ser uma conquista recente do povo brasileiro”.
Ele conhece
Acaba de ser lançado um livro que este colunista, mesmo antes de tê-lo lido, recomenda: 1984, o último ato, de um dos grandes jornalistas brasileiros, Wilson Figueiredo. Wilson Figueiredo, no auge do Jornal do Brasil, foi o responsável pela Segunda Seção, notável coluna de informação política, cujo formato foi copiado mais tarde por grande número de jornais (mais tarde, a Segunda Seção, cujo nome remetia aos setores militares de informação, passou a chamar-se Informe JB). Foi colunista numa época em que havia gente como Carlos Castello Branco assinando coluna no mesmo jornal, e em que as comparações eram inevitáveis; foi também chefe de Redação, quando o JB mantinha em sua equipe alguns dos melhores jornalistas do país.
Wilson Figueiredo acompanhou os acontecimentos de 1964 desde as primeiras crises, em 1961; conhecia os personagens de ambos os lados, e sempre teve o dom da boa redação. Vale a leitura.
A chegada dos judeus
Os primeiros judeus chegaram ao Brasil com as caravelas: Fernando de Noronha, Gaspar da Gama, muitos outros eram judeus que precisavam sair de Portugal, onde eram perseguidos pela Inquisição. Na fundação de São Paulo, um descendente de judeus espanhóis (o padre Anchieta) encontrou um judeu português, João Ramalho, casado com Bartira, a filha do cacique Tibiriçá, da aldeia de Piratininga. Ambos, com os padres Manoel da Nóbrega e Manoel de Paiva, sob a proteção de Tibiriçá, fundaram a igreja do Pátio do Colégio, berço daquela que é hoje a maior cidade do país. Judeus portugueses que fugiram da Inquisição para a Holanda vieram para o Brasil com o príncipe Maurício de Nassau; após a expulsão dos holandeses, alguns, liderados pelo rabino Isaac Aboab da Fonseca, foram para uma colônia no Norte da América, Nova Amsterdam, e lá contribuíram para transformá-la em Nova York.
Velhos tempos. Muitos dos judeus, perseguidos pela Inquisição também no Brasil, optaram pelo exercício secreto da religião. E a imigração só recomeçou na segunda metade do século 19. É desta imigração – que incluiu os avós deste colunista, os pais de Senor “Sílvio Santos” Abravanel, os pais de Alberto Dines – que Márcio Pitliuk trata, com carinho, precisão e excelente estilo literário, em 150 Anos de Imigração Judaica – da Europa Central ao Brasil. Trata de uma parte importante da História do Brasil, muitas vezes desconhecida. Já nas livrarias.
Brasil, pelos empreendedores
Esqueçamos um pouco os políticos corruptos, os corruptores de políticos, aqueles que vivem das generosas tetas do Estado: prestemos atenção em quem, apesar de tudo, contribui para o desenvolvimento deste Brasil. O empresário Latif Abrão Jr., da Associação dos Dirigentes de Vendas e Marketing do Brasil, e o jornalista Marcos Barrero, uniram-se para contar, no livro Empresários Brasileiros, a história de 51 empresários vencedores do título Personalidade de Vendas, de 1962 a 2013.
É um sopro de otimismo: nele se conta como Giordano Romi produziu em Santa Bárbara d’Oeste, SP, o Romi-Isetta, quando indústria automobilística era coisa de país desenvolvido; e chega a empresas bem mais jovens, como a Dudalina e o Grupo Doria. Passa por empresários como Henry Maksoud, que montou em São Paulo a Hidroservice, maior empresa de consultoria do mundo, e o Maksoud Plaza, na época o melhor hotel do país, e Abílio Diniz, que transformou o Pão de Açúcar na grande rede de supermercados do Brasil e hoje se reinventa, comprando parte do francês Carrefour.
Há uma mensagem: existe algo neste país além dos palácios oficiais, e esta é a nossa melhor parte.
Letras jurídicas
Atenção: aqui está uma visão técnica, do ponto de vista do direito constitucional brasileiro, de um dos temas mais debatidos no momento, a delação premiada. O desembargador Xavier de Aquino lança, no próximo 5 de maio, a 5ª Edição de A Prova Testemunhal no Processo Penal Brasileiro, revista e ampliada, com destaque para a delação premiada. Local: Galeria de Arte Pinturabrasileira.com, rua Groenlândia, 530, SP, a partir das 18h.
Como…
De um grande jornal impresso, que sempre teve no noticiário internacional seu ponto forte. Referindo-se à Rússia e à China, diz:
** “Os dois gigantes asiáticos (…)”
Tudo bem, parte da Rússia está na Ásia. A maior parte – e a mais desenvolvida – fica na Europa. A Rússia foi fundada na Europa, em Kiev; sua capital, Moscou, fica na Europa; sua antiga capital, São Petersburgo (que já foi Petrogrado e Leningrado), fica na Europa. Chamar a Rússia de “gigante asiático” só está certo na primeira palavra.
…é…
De um grande jornal impresso:
** “Os ventos marítimos constantes que sopram do mar deixam o tempo instável…”
…mesmo?
Do principal jornal de uma emissora educativa:
** “Cabral chegou nas caravelas Santa María, Pinta e Nina”.
E junto com ele vinha Cristóvão Colombo, tão genial que, embora tenha compartilhado os navios, chegou oito anos mais cedo.
Frases
>> Do colunista Aziz Ahmed, do jornal O Povo, do Rio: “Tire o seu racismo do caminho que eu quero passar com a minha cor.”
>> Do jornalista Fred Navarro: “O deputado Sibá Machado não é, mas parece personagem saído das páginas de Macunaíma. Um curupira de paletó e gravata.”
>> Do ex-governador gaúcho Tarso Genro, do PT: “Combate ao roubo é para destruir utopia de esquerda.”
>> Do jornalista Josias de Souza, sobre a onipresença do PMDB: “Enquanto o PSDB decide se propõe o impeachment ou compra uma bicicleta, o PMDB faz oposição ao governo. Enquanto o PT puxa o tapete de Joaquim Levy, o PMDB estende a mão ao ministro da Fazenda. O PMDB assina o projeto que reduz a 20 o número de ministérios e indica ministros para as pastas cuja extinção defende. O PMDB frequenta a lista suja da Lava Jato e, estalando de pureza moral, controla a CPI da Petrobras. O PMDB faz e o PMDB desfaz.”
>> Do jornalista Cláudio Tognolli: “Lula: ‘Sabemos que os tufões de Xanxerê foram criados na era FHC, mas eram acobertados pela mídia burguesa’.”
E eu com isso?
O mundo é maior que Brasília, maior que os palácios, maior que os Governos. Há outras notícias mais agradáveis – e, cá entre nós, talvez não tenham a mesma importância, mas dispõem de muito mais charme.
** “Bruna usa saia em lançamento”
** “Nichole Barret se despe ao nascer do Sol”
** “Cantora Rihanna sensualiza e toma sol de costas”
** “Rainha Letizia da Espanha surge com cabelo mais curto”
** “Filha de Flávia Alessandra passeia com o namorado”
** “Aspirante a cantora processa Mila Kunis por ter roubado sua galinha há 25 anos”
** “Marcos Caruso se diverte com neto”
** “Homem morre um dia antes de fazer aniversário”
** “Ana Paula Siebert mostra boa forma na praia”
** “Marco Antônio Bologna comemora aniversário em São Paulo”
** “Tato Malzoni assume romance com atriz da Globo”
** “Torcida no Morumbi: Pato e Fiorella roeram unhas e foram blindados em camarote”
O grande título
Nesta semana, a variedade é ampla. Com a redução do número de jornalistas em praticamente todas as redações, as frases complicadas se tornaram bem mais comuns, o que rende manchetes bem pitorescas:
** “Marido: mulher pede ajuda para contra grosserias”
Alguém deve entender o que está escrito.
Há manchetes do tipo que, talvez para economizar papel, ou bits, tentam colocar diversas informações na mesma frase (não faz mal: a frase seria incompreensível do mesmo jeito, a menos que haja alguém que a explique):
** “Jornalista queridinha de ‘Felipón’ é flamenguista e não revela a idade”
Há títulos que, para pessoas com malícia na cabeça, são reveladores:
** “Site pornô oferece consolo para time do Porto”
Será algum artefato especial?
E há o grande título, a respeito do tatuador exacerbado que precisou desistir de alguns adornos:
** “‘Sinto dor só de lembrar’, diz jovem que retirou chifres de silicone da testa”
Um capacete viking, ou talvez uma peruca de touro, não lhe seriam suficientes?
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Carlos Brickmann é jornalista, diretor da Brickmann&Associados Comunicação