Foi apenas um teste (e o criador não apenas provou sua tese como ainda foi punido por isto): Mike Wise, colunista de Esportes do Washington Post, divulgou deliberadamente uma notícia falsa pelo twitter, para mostrar como qualquer informação inverídica se espalha rapidamente pelo meio eletrônico. Besteira, claro: como no caso daquele jornal que ajudou a assaltar um banco para mostrar que os sistemas de segurança eram falhos, tirando o glacê aparecia o que realmente importava: o crime, fosse o assalto ou a informação errada passada a quem imaginava que pudesse confiar no remetente.
E, de qualquer forma, a tese de Mike Wise não precisa ser comprovada: todos os dias, bobagens imensas são jogadas na rede e republicadas incessantemente, em alta velocidade, sem permitir aos prejudicados tempo suficiente para defender-se. Já foi dito a este colunista, por um jornalista da web, que dada a velocidade exigida pelo meio não é viável ouvir o outro lado. O cavalheiro é apontado como criminoso e, algumas horas depois, sai sua versão – que é vista por outras pessoas, não aquelas que tomaram conhecimento da acusação. E, considerando-se como são as coisas, muitos dos veículos que republicaram a acusação não se sentirão interessados em republicar a defesa. Os incomodados, para citar uma expressão de Monteiro Lobato, que se fomentem (o curioso é que ‘fomentem’ até que lembra a palavra mais exata que deveria ser usada neste caso).
E o público? Bem, os veículos de comunicação têm uma cota de credibilidade. O público tem alguma tendência em aceitar o que informam. Assim, divulga-se que Alexandre Garcia foi demitido da Globo sabe-se lá por que motivo, embora Alexandre Garcia continue apresentando alguns dos principais noticiosos da emissora; divulga-se que Dilma Rousseff não pode entrar nos Estados Unidos, embora ela tenha ido recentemente a Nova York para participar de uma homenagem ao presidente do Banco Central, Henrique Meirelles.
Aliás, insistem em dizer que Dilma não poderia entrar nos EUA por ter participado do sequestro do embaixador americano Charles Burke Elbrick. Nisso ela não esteve: o livro de Fernando Gabeira, O que é isso, companheiro?, narra tudo, dá todos os nomes, e Dilma não merece qualquer citação. Atribui-se a uma canção de Zé Ramalho a capacidade de lançar o governo federal em crise. Cita-se um livro proibido que não só está na internet, para ser baixado de graça, como se faz presente nas estantes das livrarias. Conta-se, como em todos os anos, uma bobajeira referente ao ‘Criança Esperança’, já desmontada – e, pior, quem remete as bobagens acredita que está fazendo a Rede Globo estremecer. Que é que se pode dizer a um indivíduo que acredita que a Rede Globo está com medo dele?
Nada – mas é um problema a ser resolvido, algum dia, após amplo debate jornalístico. Como impedir que palavras soltas se transformem em balas perdidas?
O YouTube e quem paga a conta
O Google, proprietário do YouTube, foi multado em R$ 50 mil por causa de um vídeo que satiriza o pagodeiro Netinho, candidato do PCdoB ao Senado por São Paulo; foi também condenado a retirar o vídeo do YouTube e a pagar mais uma multa diária de R$ 10 mil até que o vídeo seja efetivamente retirado.
O vídeo, muito bem feito, faz paródia da composição ‘Cohab City’, na qual Netinho aparece como espancador de mulheres e defensor da prática. A sentença diz que o conteúdo é ofensivo, já que lhe atribui a prática de agressões físicas a mulheres (na verdade, a história é baseada numa briga que Netinho teve com a esposa, na qual, segundo ele, deu-lhe uns tapas; ela, na fuga, bateu com a cara na porta, e ficou com os dois olhos inchados e o corpo cheio de marcas roxas, todas provocadas pela malvadeza daquela porta).
Mas analisemos o que vai acontecer daqui para a frente. Imaginemos que não haja recurso, ou se houver que a sentença seja mantida. O YouTube, mesmo antes disso, para evitar problemas retira o vídeo. Aí alguém resolve colocá-lo de novo. O YouTube o retira de novo. Outra pessoa o coloca de novo. E as coisas vão girando. Como operar uma situação dessas? Como deve se comportar o YouTube, como grande organização da área de comunicações, para obedecer à Justiça sem matar seu grande diferencial, de oferecer aos leitores o livre acesso à rede para seus vídeos?
Eleição…
Alguém precisaria contar aos adeptos de Serra e Dilma que violação dos sigilos pode ter ou não efeito nas pesquisas, mas que essa não é a discussão principal. O que se discute é a violação ou não da lei, a investigação correta ou deliberadamente lenta, os mandantes do crime, se crime houver. O aproveitamento eleitoral dos acontecimentos não pode ser a única motivação dos candidatos.
E, no entanto, está sendo. Os chatíssimos propagandistas disfarçados de eleitores, ou até mesmo de jornalistas, atribuem as responsabilidades uns aos outros, como se discutissem um impedimento ou um pênalti. A orquestração das ações e reações é tamanha que chega a tirar a credibilidade do material recebido. Num dos casos, este colunista recebeu 18 versões iguaizinhas da mesma informação, como se eleitores comuns estivessem se manifestando (e, por coincidência, usassem os mesmos argumentos, na mesma ordem, com as mesmas palavras).
…é guerra
E, muitas vezes, a violência verbal se transforma em crime. A TV Record de Macapá, no Amapá, foi invadido por um grupo de bandidos armados, que espancou quem ofereceu resistência e pôs fogo no prédio (o incêndio foi rapidamente contido). Móveis e objetos foram destruídos a pancadas, tendo uma diretora da empresa, refém dos criminosos, como testemunha dos fatos. A Record, no Amapá, é de oposição. E a coisa por lá é tão brava (e não apenas na questão eleitoral) que o governador e o ex-governador acabaram sendo presos pela Polícia Federal, junto com o prefeito.
Ética em debate
Na quarta-feira (15/9), uma boa discussão: a Comissão de Ética do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo promove, a partir das 19h, o seminário ‘A liberdade de imprensa e a ética na Comunicação’. A mediadora é Denise Fon, da Comissão de Ética. Para a mesa, foram convidados representantes da OAB, Conselho Regional de Medicina, Pastoral Carcerária, Ação dos Cristãos para Abolição da Tortura. ‘A abordagem preconceituosa, o prejulgamento e o apelo à execração pública são erros cotidianamente cometidos por parte da imprensa’, diz José Augusto Camargo, presidente do Sindicato.
É verdade – mas, em casos de linchamento público de acusados, o sindicato deveria manifestar-se no calor dos fatos, tentando fazer com que o noticiário tenda mais ao equilíbrio, e isso não vem ocorrendo. De qualquer forma, vale o debate: é importante que os jornalistas saibam que a corporação acompanha seu trabalho com olhar crítico, pensando também nos personagens do noticiário e não apenas nos esforços para fazer parte da manada de linchadores.
A propósito, por que há apenas entidades católicas representando religiões?
É isso aí
Duro é ver o comentário acima confirmado pelos fatos: o jornalista Matt Nichols, do Glenn Innes Examiner, de Sydney, Austrália, comentou no Facebook que o assassínio do policial Will Crews favoreceria a venda de jornais. ‘Não há nada melhor do que uma morte para aumentar a circulação’, disse.
Resultado: o jornal pediu desculpas à família do policial assassinado. E o repórter perdeu o emprego. Há coisas que até se pensam, embora sejam muito feias, mas não se dizem.
Boa notícia 1
Um dos jornalistas mais bem preparados do país acaba de estrear no mundo dos blogs: é Caio Blinder, paulistano que vive nos Estados Unidos há 24 anos, faz comentários diários na rádio Jovem Pan e integra a equipe do Manhattan Connection, o programa da GNT que tem como âncora o grande Lucas Mendes. Caio foi foca deste colunista, na Rede Bandeirantes; mais tarde, dirigiu a seção internacional da Folha de S.Paulo. É bem informado, sofisticado e escreve bem. Seja benvindo, Caio Blinder!
Boa notícia 2
Um grande jornalista vem enriquecer o mundo virtual: Ricardo Augusto Setti, de longa e vitoriosa carreira em jornais e revistas. Foi do Estado de S.Paulo, do Jornal da Tarde, da Veja, sempre com sucesso; e sempre se recusando a dar cotoveladas para ampliar seu espaço. Setti, além de excelente profissional, respeitadíssimo, é adepto do fairplay. Que ninguém espere dele uma jogada suja. Não as faz.
Setti trabalhou com este colunista no Jornal da Tarde e na Visão. É amigo. Mas recomendar seu blog não mostra que eu seja seu amigo, e sim que sou amigo dos leitores.
Como…
De um grande portal noticioso:
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‘Esposa brasileira de deputado britânico é prostituta, diz jornal. Carla foi filmada por repórter disfarçado fazendo strip-tease.’Quem estava fazendo o strip-tease: a esposa brasileira ou o repórter?
…é…
Da internet, que nunca nos falha:
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‘Cão ataca mascote de time argentino antes de jogo’Ambos passam bem.
…mesmo?
De um grande portal noticioso:
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‘Gêmea do nado sincronizado se decepciona com Pato’Interpretando: Bia é a nadadora, gêmea de sua parceira no nado sincronizado. Pato é Alexandre Pato, centroavante do Milan e da Seleção brasileira. E a decepção era inevitável: Bia é totalmente aquática. E os patos, como já ensinava Vicente Matheus, o inesquecível presidente do Corinthians, são aquáticos e gramáticos, já que também gostam de grama.
Mundo, mundo…
O cavalheiro vivia em casa, sozinho, sem querer contato com os vizinhos. E, para garantir a inviolabilidade de seu sigilo, aumentou muito a altura de seus muros. Os vizinhos entraram com uma ação e o obrigaram a derrubar o muro. E agora? Como noticia um grande portal noticioso da internet, ‘Vizinhos reclamam que homem vive na moita’. Ele cobriu a casa com vegetação e agora é que não sai mesmo. Quem é que sabe o que se passa lá dentro?
…vasto mundo
Notável: ‘Ladrões atrapalhados brigam com cobra roubada em lanchonete’. Os cavalheiros roubaram uma cobra píton, daquelas tipo sucuri, ou anaconda, ou jibóia, que se enrolam na presa e a esmagam antes de devorá-la. Pior: eles sabiam que era uma cobra e a roubaram assim mesmo. De acordo com o policial que os salvou (e prendeu), foi ‘um caso de completa imbecilidade’.
E eu com isso?
O mundo está a cada dia mais estranho.
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‘Se recuperando de câncer, atriz Drica Moraes passeia com o filho’E a notícia saiu num jornal grande, que deveria ter alguns compromissos com a língua portuguesa. ‘Se recuperando’ no início da frase é duro!
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‘Dono evita roubo de carro após sair nu e assustar ladrão’**
‘Flagrado a 170 km/h, motorista diz que estava tentando secar o carro’**
‘Fugitivos são presos por tentarem voltar para cadeia’Num país que solta os presos em datas festivas e uma boa parte nunca volta, e assim mesmo continua soltando, quem quer ir para a cadeia tem é de ser preso.
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‘Políticos cancelam imposto por medo de bruxaria’No Brasil as bruxas andam defendendo mais impostos. Mas o caso não aconteceu aqui, não: este é da Romênia (quem sabe da Transilvânia, terra dos vampiros?)
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‘Ticiane Pinheiro vai à festa na casa de Hebe Camargo’**
‘De lingerie, Megan Fox diz que pessoas não levam a sério seu casamento’**
‘Filha de Madonna vai à escola pública em Nova York’**
‘Governo russo amplia investigação de suborno em contrato com HP’Deve ser terrível viver num país em que coisas dessas acontecem!
O grande título
Esta é uma semana notável: três títulos com as mesmas características, digamos, pouco habituais. Vejamos:
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‘Homem achado morto pediu socorro’Não é novidade, embora não costume sair em meios de comunicação. Mas em livros isso existe. O melhor é de Jorge Amado, A morte e a morte de Quincas Berro d’Água.
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‘Cabine da PM é fuzilada na Baixada Fluminense’Mas sobreviveu, embora com furos e escoriações. Para usar a linguagem policial, a cabine sofreu ferimentos perfuro-contusos, mas não entrou em óbito.
E o grande título, pela improbabilidade:
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‘Homem está mais sujeito à depressão após ter filho’Este colunista imagina que a maioria dos homens, após um parto, sofreria mesmo de depressão.
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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados