O curso de Jornalismo perdeu a validade?
Não: a transmissão de conhecimento é sempre útil e aquilo que se aprende é propriedade perpétua de quem o adquiriu. O diploma de Jornalismo vai continuar existindo; quem o tirar continuará tendo registro. Imagine que você tenha aprendido mandarim: isso jamais foi exigido para trabalhar em Jornalismo, mas vai ajudá-lo muito a conseguir um bom emprego e a desempenhar suas funções com eficiência.
As empresas são obrigadas a contratar quem não fez o curso?
Não: as empresas vão contratar os profissionais que lhe oferecerem o melhor serviço. Se as faculdades de Jornalismo formarem profissionais mais bem qualificados que os que não as cursaram, os diplomados terão a preferência. O que ocorreu foi o fim da reserva de mercado, não a criação de outra reserva.
As empresas podem contratar quem quiserem?
Sim. Mas, como o mercado é competitivo, as empresas sempre procurarão contratar os profissionais de melhor qualidade. E os que tiverem curso superior, se bem feito, levarão vantagem sobre os que não o tiverem – a menos que o talento e a capacidade de estudo dos que não tiverem curso superior superem a desvantagem da falta de educação formal.
As empresas vão contratar não-jornalistas para pagar menos?
Não: profissionais como Roberto Muller, Rodolfo Konder, Ricardo Kotscho, Fernando Gabeira, Luís Carta, Ennio Pesce, Nahum Sirotsky, Rolf Kuntz, ou como este colunista, sempre ganharam os melhores salários das diversas redações em que trabalharam, e não têm diploma de jornalista. O cálculo é mais complexo e engloba a relação custo-benefício: profissionais de alto nível custam mais caro, tenham diploma de jornalista ou não, e seu trabalho é habitualmente melhor.
Para que investi tempo e dinheiro fazendo faculdade de Jornalismo se o diploma é desnecessário para exercer a profissão?
Para que aprender inglês, espanhol, alemão e japonês se os respectivos diplomas são desnecessários para exercer a profissão de jornalista? Porque acreditam que os conhecimentos que adquiriram são úteis. Mas, se alguém fez uma faculdade daquelas bem maleáveis, no facilitário, apenas para obter o diploma, terá perdido seu tempo e dinheiro. Mas iria perdê-lo de qualquer forma: o mercado de trabalho é competitivo e impiedoso com quem não estuda, formal ou informalmente.
Qual a consequência do fim da obrigatoriedade do diploma na ética jornalística?
Nenhuma. Ética se tem ou não se tem. Ética não se aprende em cursos superiores. Há canalhas com diploma, há canalhas sem diploma.
Caem as prerrogativas legais da profissão de jornalista?
Não: o piso profissional, a jornada de cinco horas, o reconhecimento do Jornalismo como profissão diferenciada (mesmo que você trabalhe numa empresa distribuidora de petróleo, continuará sendo jornalista e descontando imposto sindical para o Sindicato dos Jornalistas, não o dos Petroleiros), tudo continua em vigor. Outras prerrogativas já caíram ao longo do tempo (jornalista era isento de Imposto de Renda, pagava metade da sisa, o Imposto de Transmissão Intervivos, tinha 50% de desconto em passagens de avião) e não houve enfraquecimento da profissão.
Por que outras profissões precisam de diploma e jornalista não? Posso então pleitear um cargo de ministro do Supremo?
Pode. A lei não exige diploma de Direito para ministros do Supremo. As condições necessárias são ‘notável saber jurídico e ilibada reputação’. Caso o presidente da República (que também não precisa ter diploma de curso superior) o indique e o Senado o aprove, o novo ministro estará nomeado.
Cuidado: mais contas!
O jornal O Estado de S.Paulo passou a cobrar pelo acesso via Internet a seu conteúdo. O preço da assinatura do jornal impresso é um; com web, é outro.
Por enquanto, só o Estadão, que seja do conhecimento deste colunista, está cobrando separado o acesso pela rede. Mas essa iniciativa pode prosperar: nos Estados Unidos, pressionados pelos prejuízos, muitos jornais já falaram neste assunto, embora ainda não tenham tomado nenhuma decisão.
Adeus, Ennio
É fácil descrevê-lo, já que cada uma de suas características era marcante. É difícil descrevê-lo, já que a soma de características marcantes moldava um homem complexo, de múltiplas habilidades, competente nas mais diversas áreas. As colegas costumavam chamá-lo de ‘Marcello’, à italiana (comparando sua aparência com a do ator, então no auge da fama, Marcello Mastroianni).
Ennio Pesce, claro. Nasceu na Itália, de pai italiano e mãe brasileira; veio ao Brasil logo depois da Segunda Guerra Mundial, e só voltaria à terra natal 56 anos depois – para encontrar, em Luca, intacta, depois de tantos anos, a casa em que nascera. Formou-se em Direito, mas tornou-se conhecido como jornalista.
E que jornalista! Ao contrário de boa parte dos colegas, fazia questão de vestir-se bem, com excelentes gravatas e ternos feitos sob medida por um alfaiate de primeiro time – que aprendeu a profissão na terra dos grandes alfaiates, a Itália, e veio depois morar no Brasil. Escrevia bem (foi colunista da Folha de S.Paulo e do Jornal da Tarde, e isso na época em que o Jornal da Tarde era o Jornal da Tarde), era bom de vídeo (e foi apresentador de telejornais da Rede Globo).
Ennio conhecia os políticos, e era respeitado por eles; e, conhecendo-os, manteve-se sempre longe das tentações que eles costumam semear pelo caminho. Conhecia a arte da política, e suas análises eram agudas, articuladas, precisas: poucas vezes foram equivocadas.
Como assessor de imprensa, destacou-se em momentos de extrema complexidade: trabalhou com o governador Abreu Sodré, numa época em que o regime endurecia (e ajudou muitos jornalistas, inclusive este colunista, a escapar de problemas com o Governo militar); e com o candidato à Presidência Paulo Maluf, que não tinha nenhuma chance, mas ajudando a trabalhar a imagem que levaria Maluf à vitória em duas eleições seguidas para a Prefeitura de São Paulo).
Ennio foi responsável por uma entrevista antológica com o ex-presidente Jânio Quadros. Estudou as principais artimanhas de Jânio e se preparou para uma conversa complicada. Fez-lhe uma pergunta difícil, a respeito de um fato conhecido por todos, e Jânio usou seu truque preferido: ‘De onde o sr. tirou essa história?’ Ennio, firme: dos jornais, das revistas. Jânio: prove! Ennio, tranquilo, começou a puxar recortes da gaveta. Demoliu o entrevistado. Nunca antes nesse país, como se diria mais tarde, algum jornalista tinha julgado necessário provar que fatos óbvios existissem, e o habilíssimo Jânio se valia disso para desmoralizá-los no ar.
Em outra ocasião, como apresentador da Globo, o jornal já terminava, com as legendas rolando na tela. De repente, uma barata voadora, provavelmente vinda também daquele depósito onde se hospedam as moscas que chateiam Barack Obama, instalou-se no seu ombro direito. Ennio se manteve impassível, como se nada estivesse acontecendo, até que sua imagem sumiu do ar.
Só como comparação: fato semelhante ocorreu recentemente em uma TV portuguesa, e o apresentador começou a gritar, arrancou os microfones da lapela e saiu correndo estúdio afora.
Ennio Pesce morreu no dia 12. A imprensa, à qual dedicou sua vida, pouco retribuiu: os amigos souberam da morte por um anúncio pago, e pouquíssimo noticiário foi publicado sobre este personagem tão importante.
Mas, pensando bem, não é difícil defini-lo: foi um amigo de excelente caráter, do tipo que faz falta. E um grande, excepcional jornalista.
Policial é tão bonzinho
No final da Parada Gay, em São Paulo, uma bomba caseira foi atirada de um prédio no meio de um grupo de pessoas, bem no centro da cidade. A explosão da bomba feriu muita gente, mas a Policia diz que não vai investigar nada: segundo o delegado da região, ninguém apresentou queixa, então não há como investigar. E ainda faz gracinha: diz que ali havia homossexuais de alto poder aquisitivo, que não querem aparecer, por isso não foram à delegacia.
Admitamos, para argumentar, que o delegado tenha razão. Mas uma bomba foi atirada no meio de gente, no centro da maior cidade do país. É um fato que independe de queixa. Ocorreu, e pronto. Significa, entre outras coisas, que alguém anda fabricando bombas. E ninguém fabrica bombas apenas para colecioná-las e para mostrar aos amigos sua habilidade com artefatos mortais.
Entre outras idiotices que foram ditas, e que nossos meios de comunicação publicaram acriticamente, está a de que alguém atirou a bomba por estar irritado com o barulho. OK, aceitemos a argumentação: embora a região seja barulhentíssima, embora seja habitualmente ponto de reunião de gays, alguém se irritou. E, em vez de jogar ovos, uma garrafa de urina, o forno de microondas, fabricou uma bomba e a atirou prédio abaixo. Quanto tempo levaria para fabricar a bomba? Não, a coisa é mais séria: tem gente brincando com armas mortais. E a Policia espera o que para investigar o caso e descobrir quem são os malucos?
Abaixo o racismo
De acordo com a Internet, o texto abaixo figura num anúncio divulgado na Espanha. Pode ser verdade, pode não ser. Mas seria ótimo se fosse!
O anúncio mostra um garotinho preto, de olhos grandes e redondos, sorriso de dentes muito brancos, com um quadro-negro onde está escrito:
Seu Cristo é judeu; sua escrita é latina; seus números são árabes; sua democracia é grega; seu som é japonês; sua bola é coreana; seu DVD é de Hong Kong; sua camiseta é da Tailândia; seus melhores jogadores de futebol são do Brasil; seu relógio é suíço; sua pizza, italiana. E você ainda vê o trabalhador imigrante como um desprezível estrangeiro?
Como…
De um grande jornal, de circulação nacional:
‘Subprocurador se envolve em acidente de carro embriagado’
Mas a matéria é incompleta: não informa se o carro bebum soprou o bafômetro ou foi autuado, conforme determina a lei.
…é…
De vários jornais, que transcreveram press-release da empresa:
‘(…) investe R$ 150 milhões em moderna fábrica de soja em (…)’
Eta, modernidades! Este colunista é do tempo em que a soja era plantada, e não fabricada.
…mesmo?
De um grande portal noticioso:
‘São Paulo – Tiroteio deixa um morto e dois feridos em Porto Alegre’
E eu com isso?
Muita gente tem preconceito contra as noticias que envolvem celebridades. Diz que não tem nada com isso (e tem toda a razão). Mas a gente precisa saber de algumas coisas. Por exemplo, da série ‘pensamentos que machucam’:
‘Às vezes sofro por pensar muito’, diz Maria Fernanda Cândido
Ou da série ‘Eu, Priapo’:
‘Ex-preso processa enfermeira por causa de ereção de 55 horas’
Ou, ainda, da série ‘primeiro me deixa explicar’:
‘Preso se masturbando, americano diz que colocou pênis para tomar ar’
E, como de hábito, a dura vida dos astros e estrelas deste país:
1.
Regina Duarte vai à praia do Pepê com a família2.
Stephany Brito almoça em shopping carioca3.
Christian Slater é flagrado abastecendo seu carro em Los Angeles4.
Atriz Melanie Griffith toma multa de trânsitio em Los Angeles5.
Patrícia Pillar olha roupas em loja, mas não leva nada6.
Grávida, top Heidi Klum leva os filhos ao zoológico7.
Usar cueca e desodorante vira lei em cidade da Flórida
O grande título
Desta vez, temos um daqueles títulos fantásticos, que indicam os pesonagens, mas não dizem o que aconteceu, simplesmente porque não couberam na diagramação:
Modelo diz que sabia que namoro com Adriano não
Temos um titulo narrando coisas estranhas:
George Clooney contrata vidente para entrar em contato com porco de estimação morto em 2006
E um excelente, da área policial:
Conheça o brasileiro que matou o joystick
É daquelas matérias importantes: pelo menos ficamos sabendo quem fez o quê. Se a nossa Polícia não investiga nem quem lança bombas sobre grupos de pessoas, imagine se vai investigar a morte do joystick!
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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados