Sunday, 17 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Pingue-pongue em branco e preto

A coisa esta ficando engraçada: o presidente Lula recebeu um prêmio internacional, o Houphouet-Boigny, e o assunto foi tratado pelos grandes jornais como se não tivesse a menor importância. O governador paulista José Serra ganhou um prêmio internacional e os meios de comunicação adversários de sua candidatura à Presidência, especialmente na internet, já trataram de desmoralizar o prêmio, porque nunca tinham ouvido falar nele.

Como diria o republicano Júlio Mesquita em sua polêmica com o monarquista Eduardo Prado, isto não é jornalismo, ou melhor, jornalismo não é isto. A postura correta é noticiar, sendo o premiado amigo ou inimigo da casa. Se houve alguma irregularidade na concessão, se o prêmio não tem importância, se até o centroavante da Seleção Bolivariana Chavista de Latino-América já o recebeu, que o fato conste na reportagem.

Cada um dos prêmios tem suas peculiaridades. Pode-se lembrar que Felix Houphouet-Boigny governou a Costa do Marfim em regime de partido único durante 33 anos, até morrer; e que a Fundação que criou para perpetuar seu nome recebeu recursos que poderiam amenizar os problemas de um dos países mais pobres do mundo. Mas não se pode esquecer que o júri é formado por pessoas como Mário Soares e Henry Kissinger, e que um terço dos premiados recebeu, mais tarde, o Prêmio Nobel da Paz. O que não se pode é admitir que, dos grandes jornais nacionais, só um tenha mencionado o prêmio outorgado ao presidente da República na primeira página.

O caso do prêmio a Serra é semelhante: pode-se não gostar do governador, pode-se considerar ruim sua candidatura à Presidência, pode-se contestar a política de saúde que aplicou quando ministro. O que não se pode é afirmar, sem qualquer indício, que foi um prêmio arranjado para compensar a premiação do presidente Lula. Bobagem: Lula não será candidato contra Serra, e um prêmio de importância política como o Houphouet-Boigny não pode ser comparado a um prêmio como o de Serra, referente a eficiência administrativa.

 

Eles e nós

O pingue-pongue fica mais óbvio ainda com a história das graves imprecisões contidas nos currículos dos ministros Celso Amorim e Dilma Rousseff. A defesa básica é o ‘sou, mas quem não é?’ Há quem ataque Serra porque seu nome completo é José Serra Chirico, e ao usar apenas José Serra também está fazendo falsificações. Besteira, claro: dificilmente uma pessoa usa todos os seus nomes em atividades públicas. Aloizio Mercadante Oliva é Aloizio Mercadante, José Dirceu de Oliveira e Silva é José Dirceu, Celso Roberto Pitta do Nascimento é Celso Pitta, e até este colunista, Carlos Ernani Brickmann, é Carlos Brickmann.

Imaginemos, entretanto, que usar apenas parte do nome fosse efetivamente algo errado. Uma coisa não compensa a outra: não é justificável fazer coisas erradas porque todo mundo erra.

E, cá entre nós, o caso dos currículos, embora grave do ponto de vista acadêmico, dificilmente terá sido feito para obter vantagens. É mais fácil imaginar que algum puxa-saco tenha resolvido promover o chefe. Claro: que é mais importante, ser a primeira-ministra de um governo extremamente popular, ser a candidata do presidente da República à sua sucessão, ou ter um titulo de mestrado? Por que alguém que atingiu esta posição única no país se interessaria em turbinar seus títulos acadêmicos?

 

Ronaldo e o presidente

A entrevista em que Ronaldo Fenômeno disse que o presidente Lula está indicando empreiteiras para que o Corinthians construa seu centro de treinamento teve muita repercussão, mas pouca suíte: os meios de comunicação precisam aprofundar-se no fato, para verificar o que significa exatamente ‘indicar empreiteiras’. Não é como indicar um repórter a um editor de jornal: se alguém precisar de uma empreiteira, há várias na praça, todas com nome conhecido. A primeira idéia é de que alguém, pela indicação do presidente, vá fazer favores ao clube. É inaceitável: que é que a empreiteira vai pedir, e a quem, em troca desses favores? Enfim, que o governo tenha o beneficio da dúvida e tenha o espaço necessário para apresentar sua versão dos fatos.

Não se pode, sem pesquisar, jogar sobre o governo a pecha de promover tráfico de influência. Mas também não se pode imaginar que um clube vá ao presidente da República pedir aquilo que pode ser obtido pela lista telefônica. E, por favor, que ninguém diga que Ronaldo não soube transmitir a reunião de que participou. Ronaldo é inteligente, sabe o que fala, entende o que vê. Usar esse tipo de saída seria ofensivo não apenas à inteligência de Ronaldo, mas também à da população.

 

Vale a pena

O economista e político gaúcho Cezar Busatto acaba de lançar um livro essencial: Um voluntário na campanha de Obama. No livro, ele descreve minuciosamente o esquema de arrecadação e propaganda desenvolvido via internet. Neste momento em que se discute o papel da internet nas eleições brasileiras, o livro de Busatto tem de ser lido. Editora Coletiva, 118 páginas.

 

Precedente

Houve época em que a moda era montar entrevistas com presos perigosos. Faziam-se as perguntas normalmente, o preso respondida, a entrevista era então editada: a pergunta normal era substituída por algo agressivo, do tipo ‘então, seu bandido, pensou que iria escapar sempre?’ A moda, ainda bem, passou. Mas a idéia de tratar pessoas como criminosas antes que fossem submetidas a qualquer julgamento continuou em vigor.

Agora, entretanto, essa maneira descompensada de fazer jornalismo está correndo sérios riscos. Uma emissora de TV foi condenada a pagar indenização a um inocente confundido, pelo apresentador, com um criminoso. Não era: ao contrário, era um cidadão comum que foi seqüestrado e obrigado a transportar bandidos em seu veículo. Foi chamado na TV de ‘vagabundo’; e o apresentador lamentou que não tivesse sido morto pela polícia. Parece incrível, mas talvez só assim, pressionados por condenações financeiras, alguns profissionais revejam sua linha de conduta.

 

Má notícia

Lúcio Flávio Pinto, bom repórter, jornalista combativo e corajoso, foi condenado num processo movido pelos irmãos Maiorana, donos de ampla rede de comunicação no Pará, e proibido por sentença judicial de mencionar o nome dos acusadores.

Este colunista conhece o caso apenas superficialmente. Mas conhece Lúcio Flávio Pinto e sabe que é gente direita, homem de princípios. Tem suas idéias e as aplica em sua própria vida. Acha, por exemplo, que ao aceitar anúncios um veículo de comunicação se torna refém do anunciante. Por isso, o jornal que dirige não aceita publicidade. Vive exclusivamente de venda avulsa.

E essa história de proibi-lo de citar nomes em suas reportagens não parece terrivelmente com censura, algo que é proibido pela Constituição?

 

Como…

De uma emissora de TV, entrevistando o jogador Leandro Amaral, do Fluminense, após o primeiro tempo do jogo em que seu time perdia de 3×0 do Corinthians: ‘Então, Leandro, tomar três gols no primeiro tempo estava em sua programação?

 

…é…

De um portal noticioso da internet, em campanha aberta contra a concordância em seu texto:

** ‘Ao menos cinco atletas, com apoio de Ronaldo, que se tornou uma espécie de porta-voz do elenco, pediu ao presidente Andres Sanches um reajuste salarial.’

 

…mesmo?

De um portal noticioso internacional:

** ‘Estação espacial fotografa erupção de vulcão de 350 km de altura’.

Trata-se do vulcão Sarychev, no Pacífico. O Monte Everest, que não chega a ridículos dez mil metros de altura, já ficou muito para trás.

 

E eu com isso?

Jean Mellé, o jornalista romeno que transformou Notícias Populares num sucesso de vendas, resumia em poucas palavras sua receita de jornal: na primeira página, ‘feijão, bicho e criança’. Até hoje Jean Mellé tem seguidores.

** ‘Após caminhão capotar, porco de 360 kg foge e é encontrado em piscina’

** ‘Pais não revelam sexo de sua criança de dois anos e meio’

O problema dos pais é ideológico: não querem contar nem à criança o seu sexo, para que ela o escolha livremente quando tiver idade para isso.

** ‘Jessica Biel passeia com o cachorro na Califórnia’

** ‘Imagem de Michael Jackson aparece em forma de carne assada’

** ‘Filha de Madonna aparece com aparelho nos dentes’

E um pouco de celebridades também ajuda:

** ‘Bruno Gagliasso vai às compras e sai vestido com calça nova’

** ‘Kate Moss é viciada em karaokê’

** ‘Rodrigo Santoro vai de moto a academia’

** ‘Jessica Alba é flagrada com cabelos clareados em Beverly Hill’

 

O grande título

Que é que vale mais: um título enigmático…

** ‘Casal é preso após sexo `em ziguezague´’

…ou um que realce o papel da religião na vida cotidiana?

** ‘São Gabriel investiga outro caso de suspeita da nova gripe’

Agora a coisa vai: que gripe resistirá à ação do arcanjo?

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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados