‘O Povo vem se saindo muito bem na cobertura de um caso terrível, que chocou o Ceará, e facilmente poderia descambar para o sensacionalismo: o assassinato do vigilante José Renato Coelho Rodrigues pelo juiz de direito Pedro Pecy Barbosa. Desde o princípio, o jornal destacou repórteres experientes para acompanhar o caso, e vem fazendo uma cobertura equilibrada. O leitor tem recebido informações relevantes e explicações detalhadas de como serão os procedimentos para o julgamento do juiz.
Mas existem ainda algumas questões que merecem mais esclarecimento. Haverá algum tipo de investigação para se saber por que o comandante do batalhão da Polícia Militar de Sobral, coronel Jarbas Freire, autorizou a retirada do corpo do vigia e a limpeza do local do crime antes da análise dos peritos?
Também é preciso mais explicações sobre a vida pregressa do juiz, pois há depoimentos desencontrados sobre o assunto. Na edição de sexta-feira, foi publicada informação mostrando fortes indícios de que o juiz teria algum tipo de ligação com Idelfonso Maia Cunha, o Mainha, condenado a 58 anos de prisão por ter cometido assassinatos por encomenda. São pontos importantes, a merecer aprofundamento.
Outra discussão em pauta é se o caso teria tanta repercussão se o juiz não fosse filmado, pelo circuito interno de TV do supermercado em Sobral, onde ocorreu o crime, dando o tiro fatal na nuca de sua vítima. Não é incomum imagens de determinados fatos ou o relato de uma situação, ajudarem a mudar o rumo da história.
Agora, me vem à mente a imagem do jornalista americano Bill Stewart, de joelhos, sendo executado com um tiro na nuca por um soldado da Guarda Nacional do ditador Anastácio Somosa, na Nicarágua (1979). Um cinegrafista, escondido, gravou a cena, e a divulgação do filme influiu de maneira inequívoca para a vitória dos sandinistas. A clássica e triste foto de uma menina vietnamita (Phan Thi Kim Phuc), queimada por napalm, correndo nua por uma estrada (1972), e o relato do massacre, por soldados americanos, de cerca de 500 crianças, mulheres e velhos, na aldeia de My Lai (divulgado em 1969), ajudaram a mobilizar a sociedade americana contra a guerra do Vietnã. Sendo que a fotografia foi um fator decisivo para apressar o fim do conflito. Mais recentemente, as fotos de tortura de prisioneiros árabes nos cárceres de Abu Ghraib, no Iraque, desvelaram o discurso edulcorado da administração Bush de que os Estados Unidos levavam a ‘democracia e a liberdade’ para o Iraque.
De qualquer maneira é de registrar que a sociedade brasileira, com imagens ou sem imagens, está cada vez mais intolerante com abusos, corrupção e descaso das autoridades.
Notícia ou propaganda?
Há algum tempo venho alertando, nos comentários internos, que a editoria Publicidade & Mercado vem fazendo confusão entre notícia e propaganda. Na edição de 17 de fevereiro, por exemplo, a pretexto de se anunciar o lançamento da nova embalagem de uma marca de farinha de trigo, o título da página foi ‘A Finna está na moda’, justamente o slogan usado para propagandear o rótulo. Ilustrando a matéria, usou-se a reprodução do cartaz de divulgação do produto, repetindo o bordão publicitário.
As edições seguintes tiveram o mesmo padrão. Em 24/2, foi reproduzido um cartaz anunciando o concurso para selecionar o ‘bebê Naturágua’, para representar a marca, e uma propaganda do supermercado Pão de Açúcar. Na subseqüente (3/3), em apenas uma página saíram três anúncios publicitários, como se fossem notícias: do Banco do Nordeste (BNB), do Beach Park e do shopping Iguatemi. Na edição desta quinta-feira, o problema se repetiu, com a publicação de um cartaz das lojas Rabelo. A maioria dessas reproduções ocupa grande espaço na página, como foi o caso desta última, em três colunas por 13 centímetros.
Ao jornal não é proibido anunciar novos produtos ou eventuais liquidações, assuntos também de interesse do leitor. Mas isso não pode ser feito de forma acrítica, aparentada com a propaganda. A editoria deveria pautar repórteres e repórteres-fotográficos para oferecer ao leitor mais do que a mera reprodução de peças publicitárias e textos enviados por assessorias de imprensa.
O editor Ivonilo Praciano afirma que o ombudsman lançou um ‘novo olhar’ sobre a página e que isso será objeto de reflexão na editoria Publicidade & Mercado. Ele também reconhece que as notícias têm de ser mais bem apuradas, tornando mais elaborado o ‘processo de trabalho’ na editoria.
Meia-entrada
O advogado Paulo Roberto Clementino Queiroz considera ‘lamentável a postura do jornal’ na realização do show da cantora Maria Rita, organizado pelo O Povo, e realizado no fim do mês passado. Escreve ele: ‘Após várias matérias publicadas (pelo jornal) no ano passado sobre o não cumprimento da meia-entrada cultural, assunto disciplinado por quatro leis municipais e uma lei estadual, curiosa e paradoxal a omissão do jornal quanto à cobrança de preço único para aquele evento’. Em resposta, o advogado do O Povo, Mauro Sales, falando pela organização do evento, afirma que foi um ‘show diferenciado, pois era acompanhado de um jantar’, assim, seria necessário ‘aderir ao pacote’ para ter acesso ao evento.
Paulo Roberto rebate o argumento, afirmando que a ‘venda casada’ fere o Código de Defesa do Consumidor. Mauro Sales reconhece que o Código proíbe a venda casada, mas diz que a norma legal trata de produtos, ‘podendo ser questionada quando se refere a serviços’.
Independentemente da divergência jurídica, o leitor tem razão quando vê contradição na atitude do jornal. O Povo por várias vezes, pelo caderno Vida & Arte, cobrou respeito ao direito à meia-entrada para estudantes. Portanto, se os responsáveis pela organização do show houveram por bem não levar isso em conta, à Redação caberia lembrá-los de que o alerta nas páginas do O Povo tem validade geral.’